Biblioteca Brasileira de Mangás

Desmistificando: Custos envolvidos na produção dos mangás

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estrategica-de-custosRespondendo a pergunta do Bruno…

Que tipos de custos estão envolvidos na produção e venda dos mangás? Existem diversas etapas na produção que são sujeitas a custos fixos e custos variáveis. Antes de entrar nessas etapas, queria deixar bem claro o que são esses custos.

Custos fixos são aqueles que não sofrem alteração em caso de aumento ou diminuição da produção. Independem portanto, da quantidade de volumes e tiragem. Já os custos variáveis são aqueles que variam proporcionalmente de acordo com a quantidade produzida. Alguns desses custos variáveis são determinados pelo número de volumes, outros são porcentagens em cima de valores.

Isso significa que os custos fixos são repartidos em todas aquelas edições, quanto mais edições menor o valor por unidade, quanto menos, maior o valor. Por isso que tiragens pequenas não são viáveis.


Certo, vamos passar a falar dos principais custos que influenciam nos preços dos mangás:

Tipos de gastos e custos

Infraestrutura

Uma editora de mangás obviamente paga os custos de infraestrutura e funcionários com o que ganha nas vendas. Dentre os muitos custos fixos temos luz, água, IPTU, aluguel, telefone, internet, domínios, servidores, computadores, canetas, etc. Veja que embora esses custos variem, eles não dependem da tiragem do que está sendo produzido, logo em relação àquele produto são custos fixos.

Funcionários

Existem várias categorias de funcionários envolvidos, como limpeza, segurança, vendas, marketing, RH, diretores, SACs e outros. Mesmo não envolvidos diretamente na produção, são custos fixos da empresa que terão que ser pagos com as vendas.

Além de tudo isso, você tem os funcionários que trabalham diretamente com os mangás, são eles os tradutores, revisores, editores, letristas, paginistas e assistentes diversos. Esses custos podem ser fixos ou não a depender do tipo de acordo feito. Por exemplo, há tradutores que ganham uma porcentagem em cima das vendas pela tradução, já outros vendem a tradução por uma certa quantia. Até onde sei, no Brasil, costuma ser a segunda opção.

Vale a pena comentar que embora seja um custo fixo da produção, cada empresa trabalha de forma um pouco diferente. A Panini, por exemplo, terceiriza toda a produção para a editora Mythos. Já a JBC contrata diretamente, embora a tradução seja via freelancers. Já a NewPOP trabalha apenas com freelancer e todos da linha de produção não são funcionários, mas serviços contratados.

Assessorias diversas

Às vezes as editoras se usam de serviços de assessoria, seja por qual motivo. Um exemplo é a EdiCase, que trabalha com assessoria editorial, ajudando as editoras a calcular tiragens, distribuição, etc. Outros tipos de assessorias são empresas de marketing e estudo de público, além de ocasionais “especialistas” (que nos dias de hoje acabam sendo substituídos pela internet, rs).

Autor e Licenciante

Licenças são contratos, e as porcentagens e custos vão variar e muito de acordo com as licenciantes e obras; Kodansha e Shueisha, por exemplo, são notoriamente mais caras. Em geral, os contratos estipulam valores de entrada, um valor de Royalties pré-pago com antecedência, e valores em cima das vendas e volumes, os Royalties em si. Nesse valor está incluso a porcentagem do autor e da editora original (que tem seus próprios gastos).

Gráfica, Impressão e Embalagem

Dificilmente uma editora tem a sua própria gráfica, logo é necessário contratar um serviço. O preço dessa fase vai incluir a compra de papel do miolo e capa, cola, tinta, capa plástica e outros a depender do livro e maquinário usado. Geralmente os contratos incluem a compra e aquisição do material, mas nada impede a editora de comprar por ela mesma.

A embalagem do produto pode ser tanto feito na gráfica (se ela tiver esse serviço) quanto por outra empresa. A NewPOP, por exemplo, paga uma segunda empresa para embalar (basta ler seu editorial). Já a JBC não embala, o que é sem dúvidas uma economia.

Distribuidora e Bancas

A distribuidora é um custo variável calculado em cima de diversos fatores, como quantidade de produtos e área de distribuição. Distribuir apenas em uma região acaba sendo mais barato, por diminuir os custos de transporte. Já distribuições nacionais são mais caras.

O valor que o jornaleiro ganha vem da distribuidora, não da editora. O quanto um jornaleiro ganha vai depender do contrato dele com a distribuidora.

Lojas, Livrarias e Pontos de Venda

No caso de lojas e livrarias, geralmente a editora não utiliza uma distribuidora, mas faz a venda diretamente. Embora existam distribuidoras de livros e livrarias, sim. Quando a venda é direta, a editora acrescenta aos seus gastos o preço de transportadoras para enviar os produtos, mas pode dar descontos no preço de capa às lojas.

Impostos e Taxas diversas

Existem diversos impostos e taxas envolvendo as várias categorias acima, como o IPTU, os impostos envolvendo funcionários, o imposto envolvendo as licenças e muitos outros. Até mesmo a licenciante paga impostos ao país de sua sede.

Os impostos envolvendo os custos fixos são fixos, já os impostos por volume e venda são variáveis. Livros e publicações são isentos de certos impostos segundo a lei, para baratear os custos e incentivar a leitura.

***

Como foi dito, todos os preços vão depender de diversos fatores e acordos, mas de forma simplificada temos o seguinte esquema:

~50% do preço de capa vai para a editora. Cerca de metade disso são os gastos na tradução, produção e impressão. Mais uma boa parte são os Royalties. Há também uma menor parcela de impostos e infraestrutura. E o resto é o lucro da empresa.

~50% do preço vai para as distribuidoras e lojas. As distribuidoras repassam uma porcentagem em cima do valor de capa aos vendedores. No caso de lojas especializadas e livrarias, por não haver a distribuidora, esses estabelecimentos conseguem descontos que podem ou não ser repassados aos clientes.

Lembrando que a depender dos tipos e escolhas pode muito bem ser 70%-30% ou outras variações.


Como o formato influencia nos custos

O formato, a gramatura do papel e número de páginas são características que influenciam consideravelmente os custos das editoras. Quanto maior forem esses 3, maior o custo de transporte e armazenamento. Um aumento de 60g para 70g de gramatura pode ser difícil de visualizar a olho nu, mas  quando estamos falando de tiragens de mais de 50 mil edições essa mudança é considerável.

Assim, a diminuição de gramatura não economiza apenas no preço unitário da folha. Por isso mesmo que papéis como o LWC e Lux Cream, papéis feitos para serem finos, são usados bastante.

Por sua vez, esses 3 também influenciarão nos gastos com a capa, já que determinam a espessura da lombada e dimensões da capa, além dos custos com a cola e/ou costura do miolo.


Valor mínimo de tiragem e venda

Como já dito, a natureza de cada custo faz com que exista um valor mínimo de tiragem (número de volumes) para uma empresa poder trabalhar, isso inclui o valor mínimo que trará lucros, não só que pagará os muitos gastos. Visto a quantidade de incógnitas e variações, obviamente que o valor dependerá de cada obra, formato e editora.

Dentro dessa tiragem, existe um valor mínimo de vendas para pagar todos os custos de todo mundo. Embora o preço de capa seja calculado como se cada volume pagasse um pedaço dos custos, na prática a editora tem que pagar várias coisas integralmente ou parcelas logo de cara. A venda contínua, então, vai pagando essa “dívida” até o momento que tudo é pago e a editora passa a lucrar.

Caso o produto não emplaque, não só a editora não tem retorno, como pode ter que pagar “multas” ou abrir mão de uma porcentagem de vendas para a distribuidora (que terá que arcar com a coleta e retorno de tudo que não vendeu), fora o pagamento de redistribuição e armazenamento.


Reimpressão

Reimpressões imediatas, sem revisões ou alterações, são de fato mais baratas que a primeira edição, mas por uma margem bem pequena. O único dos gastos que estará menor é o custo relacionado a funcionários diretamente envolvidos na produção, como tradução, edição, paginação, etc. Sendo que este não é nem de longe a maior parcela de custos.

Dessa forma, tudo que foi dito anteriormente sobre valores mínimos de tiragem e vendas acabam valendo para as novas edições também, só que um pouco menores em relação à primeira edição. Talvez por isso as editoras sejam tão apavoradas em reinvestir no mesmo volume. E se aquilo é tudo que tem mesmo de leitores? Melhor o certo que o duvidoso?

Por outro lado, reimpressões imediatas por causa de esgotamento podem fazer com que o volume 2 venha a ser mais “barato” para a editora, pois o leve aumento da tiragem dilui os custos fixos. Novamente, a quantidade imensa de custos variáveis faz essa economia ser pequena.


Aumento de tiragem

Sim, acabei de falar disso, mas vale ressaltar esse tema muito importante. O aumento de tiragem dilui bastante dos custos fixos, mas não os variáveis.

Na verdade, um aumento de tiragem, quando muito acima do que se está preparado, também pode causar custos extras, como necessidade de comprar materiais de mais de um fornecedor, aluguel ou uso de mais veículos para transporte, contratação de uma gráfica maior e com maior capacidade de impressão, aumento considerável na distribuição, etc.

Ou seja, se uma série está vendendo muito, isso não significa que a empresa necessariamente gaste menos por edição. O lucro vem de mais cópias sendo vendidas, não do lucro ser maior por volume. Na verdade o lucro pode muito bem ser menor por volume, mas ficar maior no total. Ou seja, exemplo idiota, minha tiragem de 10 mil me dava 2 reais de lucro por volume, minha tiragem de 50 mil me dá 1,50; 20 mil x 75 mil reais.

Tem que se tomar muito cuidado quando o assunto é preço dos produtos, a coisa é bem complexa. A única coisa que é certa é que quanto maior o número de vendas total, maior o lucro total.


Estratégias para diminuição de custos

Existem várias estratégias clássicas usadas pelas nossas editoras para diminuir os preços:

Diminuir a gramatura. Clássica tentativa de abater custos de papel, transporte e armazenamento ao mesmo tempo. Atualmente sendo usada assumidamente pela JBC em boa parte de seus títulos; também foi usada pela falecida editora Savana.

Mudança de papel. Obviamente, utilizar o papel mais barato que dá é uma ótima forma de economia. É por isso mesmo que nossas editoras sempre usaram papel jornal para baratear os custos das publicações e disponibilizar um produto mais acessível.

Venda direta. Seja ela venda direta às lojas, as lojas próprias, assinaturas ou venda em eventos. Cortar a distribuidora e, às vezes, até os pontos de venda é uma economia gigantesca. Se você compra direto com a editora, eles ganharão aqueles 50% eles mesmos! É claro, entretanto, que eles têm custos com essas lojas também, no caso de assinaturas o frete é incluso, mas não come todo esse 50%. Quer ajudar sua editora favorita? Compre da forma mais direta que puder.

Distribuição setorizada ou em fases. Aqui a tática é economizar com a distribuição, como já foi comentado mais acima. Usada pela JBC e parcialmente pela Panini.

Volumes omnibus. Ou, como comumente nos referimos no Brasil, os volumes “três em um”. A tática aqui é economizar em várias áreas, como: custo de capa, ao invés de 3 capas, agora uma um pouco mais espessa na lombada; distribuição, ao invés de 3 distribuições, uma com um produto mais pesado; impostos, se o preço de capa diminui, a porcentagem de imposto vai junto; dentre outros pequenos aspectos ali e aqui. A NewPOP informou, por exemplo, que lançaria três volumes de Dark Metrô em um só, com o nome MAX. Pela ideia inicial, isso seria um omnibus. Já os volumes BIG não.

Existem várias outras formas de cortar custo, funcionários, instalações, mas esses são difíceis de enxergar, tirando as demissões em massa.

***

Vale a pena comentar sobre o “meio-tankoubon”. Agora que você conhece os muitos custos, dá para perceber por que a soma das duas metade do tankoubon não batem com o preço de um inteiro? Embora uma parte do preço diminua proporcionalmente, vários preços fixos e outros variáveis não. O preço de distribuição, por exemplo, diminui um tanto por causa da diminuição de tamanho, mas não proporcionalmente. Assim é impossível fazer um meio-tanko com o preço da metade do valor do primeiro.

Inclusive, ao contrário do que a JBC divulgou na época, sua decisão de lançar X/1999 em formato tankoubon estava muito mais atrelado ao aumento de custos a ser repassado ao cliente do que “inovação”. Na época seus meio-tankos eram vendidos com o preço de R$4,90 e seus tankoubons por R$9,80. Na verdade, o volume duas vezes maior devia ser levemente mais barato, seguindo a mesma lógica das versões omnibus. Ou seja, na verdade o que houve foi aumento de preço, que passou despercebido na mudança de formatação.

Por isso mesmo que A Sakabatou de Yahiko foi tão “caro” em relação aos volumes tankoubons, muitos dos custos não diminuem proporcionalmente ou não diminuem de forma alguma.

Por mais datado que possa parecer este assunto, é um marco importante dos mangás no Brasil e está diretamente relacionado à mais nova “inovação” da JBC, o tamanho BIG.

Ao contrário do Omnibus, que tem como objetivo economizar e deixar o todo mais barato, o formato BIG na verdade é uma forma de repassar menos um aumento enorme de preço para o cliente final. Se o formato BIG é 40 reais, tankoubons poderiam chegar a 25 reais. Os volumes “duplos” (de meio-tanko para tankoubon, de tankoubon para BIG) são estratégias de aliviar aumentos de preço e viabilizar a publicação.


Embora fuja um pouco do tema, vale a pena lembrar que as editoras divulgam às vezes suas tiragens que variam de 10-30 mil cópias. Sendo que há casos conhecidos que ultrapassaram bem esses valores, como Dragon Ball da Conrad que chegou a vender mais de 100 mil e supõe-se que Naruto também seja mais alto. E há também tiragem que chegaram a 5-8 mil, que ou beiram os valores mínimos ou são obras mais caras e diferenciadas.

Como as editoras raramente abrem a boca para falar desses assuntos e não existe nenhuma empresa que tenha interesse em acompanhar vendas de mangá no Brasil, saber os valores de cada série beira o impossível.

Mas é bom manter em mente que todas as empresas de mangá no Brasil trabalham dentro dessa variação de números, algo óbvio se você levar em consideração que empresa japonesa alguma licenciaria sua obra para uma editora que não pudesse lhe oferecer o que as concorrentes conseguem. Obviamente existe uma variação de tiragem entre títulos de editoras diferentes ou dentro até da mesma editora.


E assim, terminamos mais um Desmistificando. Que venham mais perguntas! 🙂

BIBLIOTECA BRASILEIRA DE MANGÁS

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