Desmistificando: Por que não recomeçar uma publicação de onde parou

vagabond

A estratégia equivocada de algumas editoras…

A história dos mangás no Brasil é cheia de curvas e tropeços, não é de surpreender então a quantidade de cancelados no passado que vieram a ser relançados depois. Aqui na BBM temos uma lista completa desses muitos relançamentos que você pode conferir aqui.

Analisando essa lista dá para perceber como as editoras às vezes parecem crianças e cometem erros muito óbvios, que mostra não só a inexperiência e imaturidade das editoras e seus funcionários como uma falta de uma assessoria de marketing.

Um desses erros mais básicos é relançar algo anos depois de onde a série parou anteriormente, seja pela mesma editora ou diferentes. E por que isso é um erro?

Por que não recomeçar uma publicação
de onde parou anteriormente

I. O caso Peach Girl e Éden

O ano era 2007, a Panini, após críticas duras sobre seus cancelamentos (com direito a japoneses desapontados) a editora toma a ousada decisão de recomeçar a publicação de duas séries (canceladas em 2005) exatamente de onde parou.

Inicialmente todo mundo elogiou e achou uma maravilha, mas alguns meses depois a coisa foi cancelada de novo. Por que não deu certo?! A resposta é óbvia, vamos voltar um pouco e analisar cada momento:

  • Panini cancela a obra: O motivo do cancelamento foi uma questão de retorno financeiro, não sabemos se dava prejuízo ou se apenas não dava lucro, mas é óbvio que estamos falando de um público limitado.
  • Reação do público: O leitor sabendo que a obra foi cancelada ou abandonada não tem muito uso para os volumes antigos e pode tentar vendê-los e/ou se desfazer deles. Ou usar isso como desculpa para abandonar a série e perder interesse.
  • Consequência do tempo: Depois de dois anos muita gente muda de gosto, para de gostar de certas séries, pode vir a ter menos dinheiro disponível devido a mudanças de vida, para de acompanhar os lançamentos, etc.
  • Panini recomeça a publicação: Não bastando as pessoas que compravam, mas não têm mais a coleção ou não têm mais interesse, agora também há aqueles que simplesmente não confiam ou nem lembram mais da história. Se o público-consumidor antes já era pequeno, qual o tamanho do público agora?

Resultado, não é de se surpreender nem um pouco que não tenha vendido e tenha acabado sendo cancelado novamente.

II. O caso de Vagabond pela Nova Sampa

Em 2014 outra editora tornou a cometer o mesmíssimo erro. Vagabond da Conrad teve seu último volume lançado de 2006, e mais de 8 anos depois a Nova Sampa resolveu continuar exatamente de onde a outra editora havia parado. A análise anterior vale para este também, mais multiplicada exponencialmente.

A editora na época chegou a divulgar tiragens de 40 mil volumes, mesmo que essa fosse a quantidade de vendas dos volumes anteriores de 8 anos atrás, é óbvio que milhares venderam suas coleções, perderam interesse, quem sabe nem leem mais mangás. Resultado? Vendeu 300 cópias segundo a editora.

Editoras acham que o cliente congela e não muda depois de 8 anos e que vai simplesmente recomeçar a comprar como se nada tivesse acontecido?

Outro problema enorme é que recomeçar a publicação dessa forma impossibilita a criação de novos leitores, não só por ser difícil de encontrar os volumes originais da Conrad, como por ser muito caro de adquiri-los numa tacada só.

III. O caso de One Piece da Panini

Em 2012 a editora Panini decidiu relançar One Piece, na época a gerente de conteúdo mantinha contato com certas pessoas da mídia especializada. Uma dessas (cof, Kuroi, cof) sugeriu que OP fosse relançado do 1 e de onde parou ao mesmo tempo e a ideia foi acatada. E assim One Piece passou a ser publicado desde 1 mensalmente e desde o 36 bimestralmente. Essa configuração continua vigente até agora.

A ideia também pareceu boa inicialmente, mas com um problema grande para a Panini, as duas frentes criaram dois grupos separados de consumidores e, quando a primeira frente alcançou o volume 36 em janeiro de 2015, várias pessoas simplesmente já estavam comprando também a segunda frente ou compraram todos os volumes 37 a 53 previamente lançados. Ou seja, as duas parcelas se misturaram, vários estavam consumindo as duas frentes ao mesmo tempo e as tiragens viraram um caos, um enorme pesadelo para qualquer empresa.

Esse caos foi aumentado pelo reajuste de preços, que passaram de R$10,90 a R$11,50. Quando a primeira frente chegou no 36, o 36 da frente dois era 60 centavos mais barata. Até hoje lojas onlines como a Comix possuem volume de R$10,90 perdidos no meio dos R$11,50. Outro reajuste também aconteceu recentemente no volume 57 para R$12,50.

Mas qual o problema de ter tiragens “confusas”? Vários! Vamos por partes:

  • O custo de produção tem custos fixos e variáveis, de forma simplificada quanto maior a tiragem, mais os custos se diluem, tornando o preço aceitável. Mais sobre custos aqui.
  • Fazer duas reimpressões e duas distribuições sai muito mais caro que uma impressão de tiragem maior e uma única distribuição.
  • Fazer enormes tiragens na frente 2, prevendo as vendas deles 2 anos depois, não é uma boa ideia por vários motivos: 1. não há como prever os preços de distribuição e mercado, 2. há custos de armazenamento e problemas de degradação dos papéis, 3. aumenta muito os gastos que só retornariam mais de 2 anos depois, podendo dar prejuízos, 4. Inflação e desvalorização monetária.

No final das contas, One Piece podia ter dado muito errado, mas, graças à sua popularidade e boas vendas, conseguiu sobreviver essa configuração maluca.

Felizmente a editora não cometeu o mesmo erro com Monster, Vagabond e Dragon Ball.

IV. O caso de Evangelion da JBC ²

Mais uma editora que achou que era uma boa ideia recomeçar de onde parou depois de quatro anos do cancelamento, em 2011, e, pior ainda, ter dois formatos de um mesmo título ao mesmo tempo.

Os motivos de ser uma enorme má ideia são os mesmo dos anteriores: público reduzido, impossibilidade de criar novos leitores, divisão do público em duas frentes. A JBC conseguiu uma estratégia com todos os problemas possíveis.

Evangelion deu tão certo que a editora demorou vários anos para apostar num título cancelado de novo, dessa vez com uma estratégia nova, mais uma empresa que aprendeu com seus erros passados. Inclusive, representantes das editoras chegaram a comentar no Henshin+ em 2015 que a versão meio-tanko deu prejuízo em todos os volumes.

Como deveria ser uma republicação

I. Tática do relançamento

Se uma obra foi cancelada no passado, ela já carrega com si um estigma e uma certa descrença dos consumidores antigos. A melhor opção para uma empresa é relançar sua obra como se nunca tivesse sido lançada no Brasil antes, não focada nos consumidores antigos, mas nos novos.

O que significa lançar no formato da editora, com as suas configurações padrões, desde do volume 1. Os fãs de verdade da obra tendem a recomprar, enquanto se cria novos leitores e fãs.

Isso é especialmente importante quando faz mais de 5 anos que foi cancelado, o público consumidor está sempre se renovando ao ponto que depois de 5 anos uma enorme maioria não tem ideia do que editoras no passado lançaram. Atualmente, por exemplo, tirando os casos famosíssimos, as pessoas não sabem que séries a Conrad já lançou no Brasil.

Se por um lado pode parecer “injusto” que o leitor antigo tenha que esperar x anos para a serialização alcançar o volume em que parou anteriormente, é muito melhor que esperar para sempre, melhor que ser “justo” e acabar cancelado de novo.

II. Tática da redistribuição e dos boxes

A tática do relançamento vale também para empresas como a Panini que constantemente põe seus mangás no seu imenso freezer. Se a editora decide voltar com certa série depois de alguns anos, o ideal é relançar ou redistribuir os volumes iniciais nas bancas ou em formato box, criando mais leitores e relembrando a comunidade daquela obra. Aquecendo as vendas para então dar continuidade ao material. Simplesmente recomeçar de onde parou pode acabar sendo catastrófico igual ao caso de Peach Girl e Éden.

Ultimamente temos várias séries onde isso vem sendo feito, recentemente: Gate 7 e Hetalia da NewPOP. A tática foi usada pela Nova Sampa no passado também.

III. Tática do formato BIG

A novidade do momento, nada mais é que um relançamento num formato volumoso. Os benefícios de um formato de bastante páginas é a diluição e diminuição de vários custos, tornando a obra mais barata no total, embora o volume seja mais caro unitariamente.

A distribuição em livrarias também ajuda a diminuir a tiragem mínima necessária e diminui significativamente o perigo da má venda, já que é necessário menos leitores para ser viável.

Até o momento a tática parece estar indo bem, mas só saberemos mais no futuro após a conclusão de Blade e Éden.

Lembrando que a NewPOP anunciou um formato semelhante chamado “MAX”, mas ainda não há muita informação a respeito.

***

Por mais que o relançamento de onde parou possa ser legal para os antigos colecionadores, seus perigos e desvantagens arriscam outro cancelamento. Esperar pode ser chato, mas uma publicação estável e bem economicamente é do benefícios de todos: editora, leitores novos e antigos.


Desmistificando é uma coluna semanal, lançada nas quintas-feiras, sobre o mercado e mangás brasileiros e internacionais. Você pode ver todas as outras postagens anteriores desta coluna aqui. Sugestões e comentários também são sempre bem-vindos! 🙂

3 Comments

  • pg.

    no Japão,mangás como Hunter x Hunter e Berserk não tem esse problema porque,apesar da demora de sair um volume novo,os anteriores estão sempre disponíveis pra quem quiser conhece-los, mas aqui não.Ou voce compra no lançamento ou sifú.A JBC provavelmente vai lançar Hunter x Hunter 33 até o fim do ano,mas como fica quem quer ter os volumes anteriores?Eu consegui comprar HxH até o 18 e tenho eles até hoje (ou seja,vai certinho até o fim de Greed Island) enão consegui comprar do 19 pra frente.Como a JBC vai querer que eu compre o 33 se nem tenho do 19 pra frente e cada um tá custando uns 50 em qualquer lugar que eu procure?

  • Paulo

    Rose,poderia falar sobre as complicações da panini não ter a opção boleto e das dificuldades da jbc não ter sua loja virtual? é um assunto que sempre tenho duvida, pq por falta de vontade não é, seria interessante abordar essa temática por aqui ^^

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