Desmistificando: Discutindo Tradução

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Você sabe o que é tradução?

Algum tempo atrás escrevi um texto sobre honoríficos e seu uso desnecessário nos mangás publicados no Brasil. Nos comentários, para minha surpresa, me vi explicando coisas básicas do que é uma tradução. Como poderia discutir um aspecto da tradução quando muita gente nem compreende de fato o que é?

Essa falta de conhecimento é muito óbvia também nos comentários como “gosto mais da tradução da Panini, adapta menos”. Não, de jeito nenhum, amigo, a Panini adapta tanto quanto outras editoras, é uma mera questão de como ela adapta!

A seguir vamos falar um pouco do que é tradução, sua íntima conexão com a adaptação e interpretação e as diferentes estratégias que vemos sendo utilizadas.


Tradução x Conversão


Antes de tudo, vamos desvincular a palavra Tradução de Conversão (Transcrição).

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Exemplo de conversão, ambos os lados da igualdade possuem o mesmo valor.

Na conversão um “valor” é trocado por outro de exato mesmo “valor”. Por exemplo, 0,5 para 1/2 ou 1 metro para 100 centímetros. A forma é quem muda, mas o “valor” é o mesmo, e não estamos falando apenas de valor quantitativo, mas de valor de significado.

A fração de metade de um inteiro pode ser escrita e falada em milhares de línguas e formas e em todas elas o significado é o mesmo, os significados se equivalem. A matemática – os números – é uma das únicas coisas no mundo que pode ser realmente convertida com exatidão.

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Alfabeto em Braille

Outro exemplo de conversão é a mudança de um texto para o Braile (sistema de leitura via tato). Aqui também cada letra e símbolo é convertido para uma versão exata no outro sistema. O Braile não é uma língua diferente como é Libras (linguagem brasileira de sinais, utilizada pelos surdos e mudos), é apenas uma forma diferente de se representar as letras e pontuações.

Em geral a conversão pode ser facilmente produzida por um programa computacional simples. A calculadora, por exemplo, resolve equações em milissegundos e equações não são nada mais que a conversão de um por outro de igual valor. Assim, 2+2 é igual a 4, ou 1+3, ou 1,5+2,5 e assim vai…

Essa ideia de conversão jamais pode ser aplicada às línguas. Línguas são coisas absurdamente complexas, mesmo passando a vida toda fluente em uma, o falante comum não percebe o milagre que é o que ele faz todos os dias.

Se línguas pudessem ser convertidas, teríamos milhões de recursos de conversão via máquina instantâneas, o que não acontece. Já tentou usar o Google Tradutor e outros semelhantes e testemunhou as loucuras, desorganizações e erros que essas ferramentas produzem? Até hoje, mesmo depois de mais de milhões em investimentos na área, ninguém conseguiu criar máquinas e programas que consigam traduzir.

Mas por quê?! Por que uma das coisas mais poderosas já inventadas pelo homem não consegue fazer algo “simples” como traduzir?


Tradução, interpretação e adaptação


Quando alguém na rua acena e diz “Tudo bem?” e quando alguém ao te ver perdido em pensamentos pergunta “Tudo bem?” são duas coisas totalmente diferentes. Mas onde está essa diferença? Seria na forma? Seria no significado de cada palavra? Ou é uma questão de contexto e significado de frase?

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Daijobu?

hFDA95C37Te surpreenderia se em outras línguas esses dois “Tudo bem?” fossem traduzidos completamente diferente? No Japão, por exemplo, o “Tudo bem?” educado viraria “Genki?”, ou a forma mais polida “O genki desu ka?“; já a forma preocupada seria “Daijobu?” ou “Daijobu desu ka?“. Em inglês também, um seria “How you doing?” e a segunda “Is everything OK?“. Lembrando que não são as únicas opções em nenhuma das 3 línguas.

O “problema” das línguas é que cada palavra tem dezenas de significado e concepções, pior, mais centenas de junções que alteram e dão novos significados. Sozinhos, “Tudo” e “Bem” não tem nada a ver com preocupação, rituais, educação, saudação, etc… Mas juntos viram uma “expressão” com mais uma dezena de significados próprios.

E é por causa disso que uma máquina não consegue entender e traduzir as línguas. A máquina não tem a capacidade de interpretar, de reconhecer a situação, de induzir o contexto e interpretar o significado dentro daquilo.

Por isso que uma tradução é sempre uma interpretação do tradutor, uma interpretação que ele adapta para o segundo idioma. Diferentes tradutores podem ter diferentes interpretações e mudar substancialmente as adaptações e como resultado a tradução final.

Quanto maiores as diferenças culturais e linguísticas entre os dois idiomas, maior a quantidade de opções e adaptações nas traduções. Em línguas semelhantes ou irmãs é comum que vários tradutores que nunca tiveram contato traduzam da exata mesma forma; quanto mais nos distanciamos e entramos nas línguas mais distantes, menos isso tende a acontecer, ao ponto de chegar a ser quase impossível.


Traduções corriqueiras e falsa noção de conversão


Quando uma comunidade tem muito contato com outra língua, é comum que se desenvolvam traduções corriqueiras. Isso acontece quando a mesma coisa é traduzida tantas vezes, que a comunidade elege uma delas como a “melhor forma”.

No inglês, por exemplo, isso ocorre bastante, especialmente por causa da quantidade de livros didáticos para aprender a língua e obras que vem desse idioma.

Abra qualquer livro sobre inglês (gramática, livros didáticos, guias) e ele te dirá que o pronome “you” significa “você/vocês”. Você mesmo, sabendo ou não inglês, deve ter ouvido isso alguma vez. Essa tradução corriqueira é um ótimo exemplo de adaptação, pois, se fôssemos ser mais literais e precisos, “you” é a segunda pessoa do singular e plural, ou seja, “tu” e “vós”. “You” é um pronome pessoal, “você” é um pronome de tratamento.

Até este momento, talvez você nunca tenha se dado conta dessa coisa tão óbvia, nunca teria pensado duas vezes antes de traduzir “you” como “você”, passando uma ideia, uma noção, de conversão. Mas veja que, de fato, não é nada mais que uma adaptação de praxe, uma tradução corriqueira, a forma padrão de traduzirmos esse termo.

Mas só porque essa é uma forma corriqueira, não significa que é a “correta” em todos os casos. Imagine que alguém esteja traduzindo um livro que vá falar de gramática e tenha uma frase falando “you is the second-person personal pronoun“, seria correto traduzir como “você é a segunda pessoa do pronome pessoal”? Esta tradução está absolutamente errada, já que o que foi traduzido não é verdade!

Pode parecer um exemplo bobo, mas isso nos leva a casos ainda mais graves e que mais uma vez reforça como traduzir não tem nada de simples e que bons tradutores fazem toda a diferença. Peguemos a palavra “fast” em inglês. Bem provável que todos vocês pensaram “rápido”, é uma das traduções corriqueiras enraizadas nas nossas mentes e a maior causa de traduções absurdas que não deviam acontecer. O que acontece quando um tradutor inexperiente ou ruim mesmo encontra as seguintes frase: “Fast and Loose”, “Fast asleep”, “Absolute Fast”?

“Fast” na verdade não é “rápido”, é “firme”. Conforme os anos e uso, o significado mudou e expandiu, começou a seu usado com o sentido de vigoroso, como em corridas vigorosas, e daí vem o sentido de “rápido”. Da mesma forma, o uso também transformou “fast” num verbo e substantivo significando “jejum” e “jejuar”. Além de ter criado diversas variações do sentido de “firme”, como profundo, apertado, justo, seguro, fixado, unido, etc.

Esse fato tão simples sobre o vocábulo “fast” é tão desconhecido e enterrado pelas traduções corriqueiras que em todo lugar a palavra é traduzida errada mesmo. Nos nossos exemplos:

Fast and Loose: Constantemente traduzido como “rápido e solto” ou “rápido e livre”, significa literalmente “firme e frouxo”, é uma expressão que significa “desonestamente”, expandido também para “levianamente” e “irresponsavelmente”. Vem de um truque medieval, a pessoa ganhava um conjunto de nós intrincado e recebia a missão de prender um graveto nele, só que os nós eram feitos de tal forma que mesmo ao apertá-los, bastava um puxão no lugar certo para afrouxá-los, tornando impossível o feito. Daí a expressão “Fast and Loose” significando desonestidade.

Fast asleep: O famoso “adormeceu rapidamente” das traduções brasileiras, significa na verdade a condição “dormindo profundamente”, de novo vindo do sentido de “firme”, “seguro”.

Absolute Fast: O “rápido absoluto” é na verdade “jejum absoluto”, aquele em que você realmente não come nada. Inclusive é daí que vem “breakfast“, o “café da manhã”, onde você “interrompe o jejum” (break + fast).

Existem várias outras expressões e palavras com fast nesse sentido como “colour-fast” (cor que não desbota), “to hold fast” (se manter firme), “fasten seat belt” (apertar cinto de segurança), etc.

Mas por que essa maluca tá vindo aqui explicar esse tipo de coisa nada a ver, isso não era um blog de publicações japonesas?! As explicações e exemplificações estão aqui para provar sem sombra de dúvidas que conversão é impossível. Nenhuma palavra tem uma tradução exata, em idioma algum, mas sim várias traduções diferentes. E se não há equivalências perfeitas, há sempre interpretação e adaptação!

O contexto das frases, a pessoa que fala, o conjunto de palavras, a ordem das palavras, tudo, absolutamente tudo interfere no sentido daquele texto. Um negrito num lugar, uma vírgula, uma vogal repetida, qualquer mudança de formatação interfere também.

Não existe uma tradução em que não tenha havido adaptação, mesmo quando o caso é da tradução de uma palavra só. Nosso verbo “fazer”, por exemplo, não existe em inglês nada parecido. Para traduzir nosso “fazer” eles usam vários outros verbos, como “to make” e “to do“.

Por outro lado, nós não temos centenas das palavras deles, inglês têm muito mais verbo que o português. Para você ter uma ideia, inglês tem mais de 1 milhão de palavras, português chega nos 400 mil, japonês cerca de 600 mil. Para se ter uma conversão entre duas linguagens ambas têm que ser equivalentes, entre muitos aspectos, na quantidade de variáveis, símbolos, palavras. Dá para perceber que isso é absolutamente impossível?


Os sentidos e sinônimos


Se pudéssemos visualizar o vocabulário de uma língua (uma só), veríamos vários conjuntos de sentidos e suas várias intersecções, onde cada conjunto seria uma palavra e cada intersecção de dois ou mais conjuntos representaria que ambas têm aquele mesmo sentido, que são sinônimos. A estrutura semântica é tão complexa que seria necessário muito mais do que 2 ou 3 dimensões para conseguir encaixar tudo. Colocando uma segunda língua então, um segundo grupo de conjuntos e intersecções, a complexidade pularia para níveis ainda mais absurdos.

E mesmo sendo essa coisa inconcebivelmente complexa, você consegue fazer “cadeias” de sinônimos, ligando sentido por sentido, em milissegundos. Em inglês chamam isso de “Train of Thought” (lit. trem de pensamento, adap. cadeia de ideias), uma metáfora que considero divina para o fenômeno. O cérebro é realmente algo impressionante, né?

Voltando ao que interessa, vamos tornar a coisa mais simples e extinguir de vez qualquer noção de equivalência que ainda tenha ficado na sua cabeça. Vamos criar um universo fechado e analisar a palavra em inglês “make“:

transNa imagem você tem um diagrama com “make” e algumas de suas traduções, que será o nosso universo. Considere a área do quadro sendo todos os significados e sentidos que essas palavras podem ter. “Make” pode significar “fazer” e “criar”, que em português são sinônimos, e por isso dividem alguns dos significados, ilustrado pela área em comum. Mas “make” também pode significar “ganhar” e “conseguir” que nada tem a ver com os significados das outras duas. Em outras palavras, “make” é sinônimo de todas essas quatro palavras portuguesas, mesmo que elas não sejam entre si.

Dessa forma, quando “make” está no sentido de “conseguir”, ou seja, na intersecção onde “make” e “conseguir” são sinônimos, essa é a única tradução adequada (dentre as nossas opções). E é por isso também que “Let’s make a cake” (vamos fazer um bolo) não pode ser traduzido como “vamos ganhar um bolo” ou “vamos conseguir um bolo”.

Tem mais uma coisa superimportante neste diagrama: há pedaços na área de “make” que não possuem tradução. Sim, esse é um exemplo bobo e na língua de verdade devia ter muitas outras palavras, mas isso ocorre sim, mais do que você imagina.

Sabe aquela história de que inglês não tem a palavra “saudade”? Pois é, em todas as línguas existem várias palavras com sentidos e significados que simplesmente não existem em outras. Não só palavras para conceitos e objetos, mas palavras com carga cultural, histórica, pessoal. Falaremos mais disso lá no final.

E como é que você vai traduzir uma palavra quando a sua língua não tem uma sinônima? A resposta é simples, na verdade, usa-se um conjunto de palavras para exprimir aquele significado: locuções, expressões, frases, etc. É por isso que uma palavra em japonês pode virar uma frase complexa em português, além de justificar também por que línguas podem ter diferentes número de palavras e, ainda assim, conseguir expressar a mesma coisa (mesmo que leve um parágrafo ou mais!).

Entender isso é algo crucial para qualquer tradutor e uma prova inegável de como adaptação de sentido é a alma de qualquer tradução.


Tradução literal


Certo, se é impossível fazer conversões, o que seria uma tradução literal? Como pode existir uma tradução exata? Oras, não existe!! “Tradução literal” é uma tradução onde se tenta adaptar o mínimo possível, tentando manter de alguma forma as características, radicais, classes gramaticais, etc, originais das palavras e frases.

menina_adoravel_mim_cartao_da_senhorita_voce-rd794da0381494e7da957c9b30f2dde69_xvuak_8byvr_324Isso é algo fácil de fazer em espanhol: “La niña de ojos azules” para “a menina dos olhos azuis”. Bem, literal, certo? Mesma estrutura, mesmos radicais, mesma ordem. São línguas irmãs.

Em inglês a coisa começa a complicar: “The blue eyes girl” para “a garota dos olhos azuis”, temos “olhos” e “garota” que vem das mesmas raízes de centenas de anos atrás, mas já não conseguimos respeitar a ordem ou temos uma palavra para “azul” de mesma raiz de “blue“. Embora sejam línguas que dividem ancestrais, já começam a ter várias singularidades.

Agora imagine você em japonês: “Aoi moku no shoujo“, não há nada em comum, nada. Nem gramática, nem vocabulário, etimologia, ordem, nada. Como posso fazer uma tradução literal de algo que literalmente não tem nada em comum. Como pode, então, a Panini ser “mais literal” com alguns gostam de afirmar?

Qual seria a tradução literal de “shoujo“? O que definiria qual estaria mais correta entre as muitas opções? Seria menina, garota, menininha, garotinha, mocinha, criança, pequena, rapariga, moçoila, moça…? Como qualquer uma delas pode ser mais literal se nenhuma delas tem nada a ver com o original?


O que se traduz e fidelidade


Até este momento, espero que tenha ficado mais que claro que toda tradução é uma adaptação e que a tradução não está ligada à forma, mas aos sentidos e contextos.

Dessa forma, não será um choque se eu te disser que tradução não tem nada a ver com traduzir palavras. Uma palavra pode ter dezenas de significados diferentes, o que vai definir qual é o significado naquela frase em específico é o conjunto.

sunburn-clipart-sunburn-manPor exemplo, “vermelho” pode significar muitas coisas, mas na frase “saiu no sol e ficou todo vermelho”, você tem qualquer dúvida de que vermelho ali tem o sentido de queimado? Você aceitaria uma interpretação de que ele saiu e voltou todo corado de vergonha? Ou que foi ao sol e voltou vermelho de raiva porque ainda era dia? Quem sabe ele tenha saído e tomado um banho de tinta vermelha? Não parece conversa de louco?

O que você está traduzindo ali? É a palavra “vermelho”? Ou é o significado de todo o conjunto? Aqui vem mais uma lição, então: Não se traduz palavras, se traduz sentidos, ideias, o conjunto de todos os significados, contextos e noções da soma de todos os integrantes.

Logo, o que é ser uma “tradução fiel“? Se uma tradução é a interpretação e adaptação do significado de um conjunto de fatores, a tradução mais fiel possível é aquela que mais fielmente recria no outro idioma o mesmo significado.

Assim a tradução fiel e mais literal da saudação “What’s Up?” não é “O que está em cima?”, mas “Tudo em cima?” ou algo menos literal: “E aí?”. Mas por que não poderia ser o primeiro? A resposta é simples e óbvia, porque o primeiro não passa o significado original da saudação, embora fora de contexto seja uma tradução válida.

Ou seja, a tradução fiel é aquela que mais se assemelha ao sentido original, às intenções originais.


Tradução literal x Tradução fiel


Vamos desvincular essas duas, a tradução literal tem como objetivo a fidelidade à forma, palavras, radicais, ordens; a tradução fiel tem como foco a fidelidade ao sentido, intenções do autor. Elas podem ser a mesma coisa em certos momentos ou coisas absurdamente diferentes em outras.

Uma tradução literal pode ser fiel e pode não ser, da mesma forma uma tradução fiel pode ser literal e pode não ser. Elas não são sinônimos ou veiculadas de forma alguma. Quando a intenção original tem a ver com a forma, a tradução fiel anda de mãos dadas com a literal, mas na maioria das vezes as duas se odeiam de morte.

Ser literal não é um aspecto bom, na maioria das vezes é um aspecto ruim! Um tradutor literal é geralmente o cara que só consegue traduzir palavra por palavra, é um tradutor ruim, inexperiente, incompetente; uma tradução com mínimo de interpretação e adaptação, uma má tradução.


“Intenção do autor”


Essa deve ser a expressão mais batida que as pessoas utilizam para justificar suas escolhas e chiliques nervosos nas páginas das editoras. “Isso não segue a intenção do autor”, “desrespeita a intenção do autor”, “deixar no original como era a intenção do autor”.

Espero honestamente que, se você sobreviveu até aqui, você compreende perfeitamente como estão utilizando essa expressão de forma inadequada. A intenção do autor não tem nada a ver com a palavras, idiomas, ordem, etc que ele usou originalmente, mas com a soma de todos os fatores, o significado e intenções por trás de todas essas escolhas. Acima de tudo, a intenção original de um autor é ser entendido.

Vamos propor aqui um teste, nós estamos em meio a uma tradução de um quadrinho de comédia e o personagem diz:

This mare is a nightmare!

Como tradutores, reconhecemos que aqui foi feito um trocadilho entre a palavra “mare” (égua) e “nightmare” (pesadelo). Simplesmente traduzindo o sentido da frase chegamos a:

“Esta égua é um pesadelo!”

Agora a pergunta, cara companheiro tradutor, essa frase é uma tradução fiel? Vamos voltar um pouco. Por que razão o autor faria um trocadilho nessa frase? Em textos normalmente se evita esse tipo de repetição de som, então por que ele fez isso e teria sido proposital?

Na minha interpretação, e que isso fique muito claro, o autor fez o trocadilho de propósito para ficar engraçado, para criar um sorriso no rosto do leitor. Essa é a minha interpretação da intenção do autor. Lembre-se que uma tradução é a interpretação do tradutor.

Se a intenção do autor então era fazer um trocadilho e pôr um sorriso no rosto do leitor, a minha tradução anterior é fiel? Ela possui um trocadilho? Faz o leitor sorrir? Não. Ela é crua e não possui qualquer graça. É uma má tradução. Não respeitamos a intenção do autor.

Qual o nosso trabalho então? Dar um jeito de fazer um trocadilho em português e, ao mesmo tempo, preservar o sentido de que a égua é uma bicha chata. Depois de muita pesquisa por palavras que rimam com pesadelo e égua, chegamos a:

“Esta égua não dá trégua!”

E agora, amigo? Ficou fiel? Preservamos a comicidade do autor com o trocadilho? Preservamos o sentido original de que a égua era um porre? Sim! Beleza, conseguimos, uma tradução fiel de ótima qualidade. A única possível? Claro que não. Poderíamos ter pensado em coisas como:

“Esta cavala é uma mala!” ou “Que mala, esta cavala!” ou “Este animal é infernal!” ou “Este equino é um cretino!” ou “Este corcel faz muito escarcéu!”

Se na história a “mare” fosse da espécie camelo:

“Este camelo é um pesadelo!” ou “Que pesadelo, este camelo!”

Neste caso, não precisamos ir muito longe e deu para fazer um trocadilho com égua mesmo, sem a necessidade de termos que adaptar ainda mais indo para termos como equino ou animal.

Mas digamos que tivesse sido impossível, que não conseguíssemos nenhuma rima com égua, cavala ou os outros, seria errado mudar pra “animal”?

Ah, isso é uma questão de prioridade! O que é mais importante naquela obra como um todo, ser engraçado ou ser especificamente uma égua? A mudança de égua para animal vai de alguma forma causar uma consequência indesejada? É importante que ali seja especificado que se trata de uma égua?

Às vezes é e muito importante que o “égua” seja mantido, tão importante que seja necessário sacrificar a piadinha, o trocadilho, pelo “bem maior”.

Não é incomum que os tradutores sejam forçados a tomar essas decisões, na verdade, é esse o trabalho deles: interpretar, identificar o que é valioso e fazer de tudo para preservar o máximo possível das intenções originais, sempre focado na prioridade daquela obra.

Em alguns momentos pelo bem da intenção original, o tradutor é forçado a fazer adaptações muito, muito grandes. Um caso típico é em músicas e canções!

Responda rápido: Qual a prioridade numa música e canção? Eu te respondo que há três de idêntico valor: 1. melodia, harmonia, ritmo, rima; 2. conteúdo, significado; 3. tem que ser cativante e fácil de cantar. Uma música onde uma estrofe tem 15 palavras e a outra 3 é uma música sem ritmo!! Lembra aquelas aulas de português e as malditas separações silábicas (métricas) de poemas? A métrica numa música é essencial!

Por isso mesmo, quando uma música da Disney é traduzida para o português ela muda muito!

I know that your powers of retention
manepageare as wet as a warthog’s backside
But thick as you are, pay attention
My words are a matter of pride
(Be prepared, The Lion King, Disney)

Eu sei que sua inteligência,
nunca foi nem será generosa
Mas prestem atenção com paciência,
nas minhas palavras preciosas
(Se preparem, O Rei Leão, Disney)

Não precisa saber inglês para perceber que é extremamente adaptado, para os que não sabe aqui vai uma tradução mais literal da versão em inglês:

Eu sei que seus poderes de retenção
são tão molhados¹ quanto às costas de um javali
Mas estúpidos como são, prestem atenção
Minhas palavras são uma questão de orgulho
¹N.T.: “Wet” significa tanto molhado, quanto fraco e escasso.
É uma metáfora intraduzível.

Duvido que você teria passado sua infância toda cantando com o gatão do Scar se ele cantasse uma coisa dessas. Ou pior, que aparecesse no meio do filme uma legenda com nota de tradução…

Embora esteja muito adaptado, essa tradução da Disney é mais fiel. Pois fidelidade não tem nada a ver com as palavras usadas, mas com a intenção. É a tradução mais correta para essa mídia, a que melhor cumpre o seu papel de entrar na sua cabeça e nunca mais sair… Alguma dúvida sobre a qualidade das músicas da Disney? Minha infância é prova de seu sucesso.


Fluidez e Naturalidade


Até aqui, discutimos o que é a tradução e a parte da interpretação e fidelidade, mas tem um aspecto muito, muito importante que ainda não discutimos e que é onde a JBC e a Panini começam a divergir: a forma e linguagem que será utilizada na tradução.

A verdade é que a língua não é uma coisa só, mas várias coexistindo, seja pelos dialetos ou pelas diferentes formalidades em que essa língua pode se expressar. Quando o tradutor traduz algo, ele deve fazê-lo dentro de um desses dialetos e formalidades. Às vezes isso é decidido baseado no original, outras é decidido baseado no público-alvo que terá aqui.

Por exemplo, uma história com vários dialetos japoneses diferentes, pode ser traduzida utilizando vários dialetos daqui, brasileiros, para passar a mesma ideia. Uma história sobre advocacia pode se utilizar de uma linguagem mais formal nas cortes e informal fora delas, imitando o nosso “advoguês”.

Mas mesmo esses formal e informal têm variações e escolher qual usar não tem nada a ver com o original, mas com as escolhas do tradutor, do que ele considera que fica melhor. E é aí que entra as diferenças entre a Panini e a JBC.

A Panini utiliza-se de uma linguagem minimamente formal, chamada de norma padrão. A norma padrão é o português que você vê nos jornais, na televisão, nas revistas, que você usa nas empresas e no trabalho, este aqui que você está lendo.

Mais especificamente, não se usa a segunda pessoa (tu e vós), há maior liberdade com relação às regências e regras pronominais, utiliza-se bastante as locuções verbais (será feito ao invés de fará), etc.

As vantagens da norma padrão é ser amplamente reconhecida, todo mundo consegue entendê-la, mas ser artificial. Ninguém realmente fala a norma padrão no dia a dia, não que seja impossível. No cotidiano nós damos preferência ao “a gente” e não “nós”; às contrações “pra”, “pro”, “numa”, “prela”; comemos sílabas como “tá”, “tão”, “rancar”, “cê”, “deprê”; o vocabulário mais simples e enxuto, dificilmente alguém na rua usa “contudo”, “entretanto”, “doravante”; sem contar as gírias locais de cada um de nós e vários outros detalhes. Ou seja, a desvantagem é ser artificial e não-natural.

Por outro lado, a JBC também utiliza uma linguagem minimamente formal, entretanto com vários toques de informalidade. Você vai encontrar nas traduções todas as coisas que descrevemos acima. O lado bom é que fica muito mais natural, o lado ruim é que fica natural para apenas um dialeto.

Veja que não é uma questão de certo ou errado, é uma questão de público-alvo. A JBC se foca no Sudeste, a Panini já sacrifica a naturalidade para ser algo mais nacional.

***

Seja qual a forma escolhida, tal é feita com cuidado, pois é essencial para a fluidez do texto. Um mangá traduzido em várias formalidades diferentes sem qualquer razão para tal é uma leitura travada, causa desconforto no leitor.

Porém a linguagem e dialetos escolhidos não são o único aspecto que influencia na fluidez de um texto, nos mangás existe outro detalhe que causa bastante problemas nesse aspecto: as notas de tradução e exagero de termos estrangeiros.

Numa situação ideal, o leitor lerá um texto ou capítulo de início ao fim numa tacada só. Essa é a intenção e razão de existência dos capítulos, e tais são feitos pensando nisso. É construído todo um embalo, uma ansiedade e antecipação que vai aumentando até o clímax do capítulo.

Qualquer coisa que provoque uma parada não programada quebra o ritmo, o embalo, e é um problema de fluidez. Por exemplo, cada nota que você é forçado a ler ou desviar os olhos quebra esse fluxo de leitura e construção de atmosfera.

Notas são algo que jamais deveriam ser usadas, é o último recurso de um tradutor, exatamente por causa dessa quebra. Existem outras possibilidades melhores, como: adaptar, substituir, incluir um aposto explicativo no próprio texto, simplesmente excluir, construir um glossário ao final e, por último, uma nota no meio da leitura.

As notas são utilizadas naqueles momentos em que não há como lidar com aquilo e tal é importante para o texto. Por exemplo, metáforas que são essenciais, mas não podem ser traduzidas.

Note que embora chamemos de “notas”, o que queremos dizer é “nota de tradução”. Notas de curiosidades não são notas de tradução e são algo que jamais deveriam ser incluídas no corpo de um livro ou quadrinho, jamais, mas em glossários ou simplesmente não incluídas.

É bom também diferenciar as notas de tradução e curiosidades das notas e observações do próprio autor, comuns em textos mais acadêmicos, ou as notas de direito autoral e autoria, notas até obrigatórias de copyright.

Em termos de qualidade de uma tradução, traduções recheadas de N.T. são consideradas más traduções, traduções preguiçosas, traduções amadoras. Afinal, o tradutor falhou na única coisa que deveria fazer: ler, interpretar e adaptar, ou seja, traduzir. Notas não são traduções, são explicações.


O problema das notas e não-adaptação


A inclusão ou não de notas de tradução e curiosidades interferem diretamente na sua experiência de leitura. Mesmo que você venha a se acostumar com certos termos artificiais, você continua a ser forçado a ler as notas de tradução, pois tais notas não ensinam todas as diferentes concepções e conotações daquele vocábulo, mas apenas o que é imediatamente importante naquele contexto.

Por exemplo, o honorífico “kun“, num mangá em que ele é usado apenas para homens você pode encontrar a nota:

*Kun, honorífico japonês usado para se referir a garotos e rapazes.

Mas em outro mangá, numa atmosfera empresarial, as moças são chamadas com “kun” também, e você pode encontrar a explicação:

*Kun, honorífico japonês usado pelo superior para se referir aos empregados, geralmente homens, mas pode ser usado para mulheres nos escritórios e firmas.

Ou num mangá onde dois amigos de infância se encontram, teria uma nota como esta:

*Kun, honorífico japonês usado entre homens adultos para se referir àqueles com quem se teve alguma intimidade no passado.

Não importa o quão familiarizado você esteja com certos termos, sempre vai haver uma situação em que aquilo muda e você precisará da nota para entender. Na verdade, você precisa da nota sempre, para ter certeza que vai aparecer no sentido que você conhece.

E isso se prolongará pelo resto da sua vida com mangás, não importa quantos anos se passem, você sempre precisará de notas para te assegurar os sentidos. Especialmente quando consideramos que as línguas mudam e os honoríficos mudam junto, as formas de usá-los muda. “Kun” ser usado para mulheres, por exemplo, é algo bem recente com a inclusão da mulher no mercado de trabalho empresarial.

E não importa o quanto você tente, você nunca vai aprender de forma definitiva os termos japoneses apresentados nas notas. Por que não? Porque você não está sendo ensinado algo, você está memorizando explicações simples e imediatas. Você não está aprendendo como usar um honorífico, porque eles existem, como funcionam, a utilidade deles e tudo mais, estão apenas te dizendo uma curiosidade simplificada.

Você não compreende as nuances, as importâncias, o motivo do falante, a hierarquia da comunidade. Você lê esses termos e honoríficos pela lógica e compreensão de um ocidental que não é a mesma que a lógica e compreensão japonesa. Não dá para simplesmente recortar algo gramatical de todo resto e importar de forma “fiel” em outra língua. Honorífico é apenas uma característica de toda uma forma de se expressar como já comentamos detalhadamente antes.

O fato de serem artificiais e conectados a uma cultura externa também impede que tais sejam usados no dia a dia e sejam incluídos no nosso vocabulário pessoal. Afinal, a partir do momento que a palavra entra no nosso idioma e cultura, ela perde a conexão com o Japão e passa a ter acepções diferentes que podem contradizer ou causar interpretações erradas do termo original na cultura japonesa.

Difícil de entender? Vamos pegar um exemplo rápido, o que significa um “otaku” no Ocidente? Um fã de mangá, anime e outras culturas japonesas. Só que no Japão “otaku” tem vários outros sentidos, pode ter o sentido de “gamer“, “geek” ou “nerd“, por exemplo.

Se, em uma certa história, o rapaz se apresentasse como “otaku” e logo depois dissesse que não gosta de anime e mangá, isso não criaria confusão? Onde está a confusão? O motivo do problema é que a palavra “otaku” (japonês romanizado) e a palavra “otaku” (termo ocidental) não significam a mesma coisa e já não são a mesma palavra, só tem o mesmo som e a mesma grafia, a semântica já não é a mesma.

***

“Mas eu gosto das notas, gosto de conhecer mais o Japão”, é uma resposta comum. A questão é que não é o lugar. Mangá não é livro didático, não é feito para se aprender japonês ou cultura japonesa. Quer aprender mais sobre o Japão? Compre um livro sobre cultura japonesa, sobre o idioma, sobre a comunidade japinha.

Se você quer aprender coisas novas sobre o Japão, porque diabos está simplesmente comprando mangá na esperança de que uma hora saia notas de coisas que você ainda não sabe? Isso não faz o menor sentido. Um bom livro sobre a cultura japonesa te ensinará mais que todos os mangás que você leu e de forma muito mais abrangente, completa e correta.

Querer aprender sobre o Japão e japonês lendo mangá é como querer aprender sobre a cultura e manias americanas lendo Peanuts (Charlie Brown e Snoopy), querer aprender francês com Asterix e sociedade chinesa com O Tigre e o Dragão. Como você vai conseguir diferenciar o que é verdade ou não se é uma obra de ficção? É a velha piada de que Tóquio está sempre sendo destruída por Godzilla, se formos tomar os filmes como verdades, é óbvio que existem dinossauros (?) que vivem quebrando a cidade.

“Mas existem cultura e informações nessas obras!”, claro que existem, em qualquer obra há a cultura de seu autor, mas para identificá-las você tem que primeiro se familiarizar com aquela cultura, para então passar a identificar todas as referências e situações presentes nos mangás. Como você vai julgar o que procede ou não sem isso?

Os mangás são produzidos para entreter, emocionar, divertir seus leitores, não para ensinar gramática e assuntos diversos (embora haja exceções como a coleção da Novatec). Se você lê mangás esperando que sejam enciclopédicos, quem está desrespeitando as “sagradas” intenções do autor é você. Se o mangá é para envolver e entreter, qualquer adicional feito pelo tradutor, especialmente que interfira nisso, é um erro e um problema de tradução. Não cabe ao tradutor inserir conteúdo extra. É simples assim.


Perda de conteúdo


Por fim vem um assunto muito chato e desanimador, uma verdade inconveniente: Toda tradução representa uma perda de conteúdo.

A verdade é que não importa quais as línguas envolvidas, as palavras sinônimas nunca são “perfeitas”. Peguemos as palavras “falar” e “dizer”, são sinônimos, correto? Mas se duas palavras fossem sinônimos perfeitos elas não teriam razão de existir, porque a língua precisa de duas palavras que significam a mesma coisa? Existe uma leve diferença entre as duas, muito, muito leve. “Dizer” pede um alvo, “falar” expressa apenas a ação: você “fala sozinho”, mas não “diz sozinho”; alguém quer “falar com você” ou “te dizer algo”. “Dizer” também tem o sentido de “significar”, “falar” não: algo “quer dizer”, mas não “quer falar”.

O que isso significa? Que é inocência nossa achar que palavras tem um significado ou que tem um por vez. Palavras são coisas absurdamente complexas e podem ser usadas de forma ainda mais complexas, você pode, por exemplo, usar dois significados distintos ao mesmo tempo: o famoso “duplo sentido”.

No Japonês então, existe um outro fator muito importante que se soma aos sentidos, os caracteres que as compõe. Lá vários dos vocábulos são compostos por caracteres chamados kanjis que por sua vez são compostos de radicais. É possível que uma mesma palavra tenha mais de um kanji com diferentes radicais que levemente alteram o “foco” da palavra.

É algo super difícil para nós, usuários de alfabeto, imaginarmos. O pior, um autor pode criar um kanji novo para aquela palavra para criar um sentido composto diferente e mais exato para o que ele quer. Como, eu lhe pergunto, uma língua como a nossa poderia de forma perfeita trazer toda essa complexidade numa tradução? A verdade é que não é possível. Lembra aquela história de prioridades?

Uma das maiores dores de um tradutor é ver nos volumes seguintes que a escolha dele, a interpretação dele, estava errada e que aquilo que ele dispensou era crucial. Mas como ele poderia saber que no futuro aquele detalhe teria tanta importância?

A perda de conteúdo acontece para todo lado, seja uma má ou boa tradução, seja pela interpretação dos tradutores, pelas limitação do nosso idioma, pela complexidade de sentidos…

Você jamais conseguirá ler o original através de uma tradução, pode parecer óbvio, mas muita gente parece não conseguir compreender isso. A única forma de ler o original é… Lendo o original? Não, é ficando fluente naquela língua e aí ler o original.

Todas as tentativas de “salvar”, “manter”, “resgatar”, “conservar” o original, são tolices fúteis de quem não compreende a essência da tradução. Uma tradução pode não ser o original, mas é como se fosse uma adaptação bem fiel que permite que você experimente o original pelos olhos do tradutor, é como se ele estivesse te contando a história que leu da melhor forma que ele consegue.

E isso significa então que não vale a pena ler? Oras, a Bíblia é uma tradução de tradução de tradução de tradução; as palavras, metáforas, detalhes são perdidos e mudados, mas a essência total do livro continua a mesma.

Da mesma forma, seu mangá pode ter conteúdo perdido, detalhes apagados, mas a essência da obra, se for um bom tradutor, ainda está lá. Algumas traduções são tão boas, mas tão boas, que acabam melhor que a original. O autor norueguês de O Mundo de Sofia já dizia que a melhor versão de sua obra era a tradução francesa, não a dele.


Existem muito mais coisas a serem discutidas nesse assunto, vários livros e estratégias de tradução, é um assunto riquíssimo e nada simples. Espero que esse básico tenha sido mais esclarecedor que confuso e te ajude um pouco a compreender e respeitar mais os bons tradutores.

Confesso que não sei quantas centenas dezenas unidades de pessoas irão ler até o final e realmente se interessar por um texto cansativo como esse. Mas aos que leram, eu pergunto: Gostaria de um texto falando sobre as dificuldades específicas da tradução do japonês? Quais os erros mais comuns? As maiores complicações?

No mais, já me disponho a responder perguntas e esclarecer qualquer coisa que tenha ficado confuso. Obrigada pela leitura!


Desmistificando é uma coluna semanal, lançada nas quintas-feiras, sobre o mercado e mangás brasileiros e internacionais. Você pode ver todas as outras postagens anteriores desta coluna aqui. Sugestões e comentários também são sempre bem-vindos!:)

33 Comments

  • talita

    Eu li até o final. Ótimo post me tirou todo meu medo de fazer alterações no texto, estava fazendo uma tradução muito literal.

  • Depois dessa matéria que mostra que o negócio não é simples, acho que só tenho a dizer:
    Satōkibi wa amaidesuga, wa taisei ga arimasu.
    Ou, numa tradução livre de fundos de quintal: “Rapadura é doce, mas não é mole não”.

  • “Gostaria de um texto falando sobre as dificuldades específicas da tradução do japonês? Quais os erros mais comuns? As maiores complicações?” Seria bem-vindo! 😉

  • Oh, li até o final sim. Muito interessante o texto.

    Como tradutora, apesar que ainda sou apenas amadora, já entrei em algumas discussões do gênero. Lembro de um caso sobre a série Tower of God em que a maioria preferia manter os nomes de umas armas em inglês, mesmo se eles já eram adaptações dos nomes coreanos. Todos os nomes seguiam um tema, combinando um mês e uma cor. Perder todas as referências apenas porque “soa” melhor em inglês realmente não me agrada. Eu decidi que vou adaptar de qualquer jeito quanto continuar com a minha versão, apesar que ela está meio enrolada no momento. Haha.

    Bom, agora já tenho mais uns argumentos para a próxima vez. 🙂

    • Roses

      Você não precisa escolher um, pode usa ambos ao mesmo tempo. Exemplo, imagine uma arma chamada Xoxo, que na língua original significasse casa quadrada. Você pode usar: “Foi aí que vi a Xoxo, a casa quadrada.” A partir daí você pode usar 2 nomes para a mesma arma, conforme for mais conveniente. Ou apenas usar os dois uma única vez e escolher um para usar até o final. Aqui e ali, especialmente em começo de capítulo ou volume, é sempre legal repetir. 🙂

        • Roses

          Curiosidade a parte, os japoneses fazem isso também, mas através do furigana, eles colocam grande a palavra em inglês e em pequeno o significado; ou colocam grande a tradução em japonês e em pequeno a leitura que ele quer, em inglês, por exemplo. É a mesma lógica da estratégia do aposto explicativo, essa que lhe indiquei. 🙂

          Ps. Furigana é isto aqui: http://japanbase.net/upload/content/furigana.png

        • Bruno

          Se não me engano, em One Piece, tem o personagem Enel que se acha um Deus, e no mangá chamam ele de God, mas usando o Kanji de Deus mesmo, com essa pronúncia inglesa em cima

  • Adorei o texto, Roses. Melhor explicação sobre tradução que já vi.

    Pra nós que vemos mangás e animes por fansubs, temos que escolher bem pra não pegar aquela fansub que adora manter vários e vários termos desnecessários em japonês. E o pior é ver que tanto fã gosta que isso se mantenha e acha que aproxima do japonês, quando isso não acontece. Acaba que, como foi dito mais acima, se torna uma tradução de nicho, coisa que só que é desse mundo vai entender. E o pior é que tem fansub que está tão acostumado a usar certos termos em japonês que nem se quer coloca mais notas. Um exemplo que ocorreu comigo anos atrás, quando estava vendo One Piece pela primeira vez: na Saga de Skypiea, a personagem Conis morava com um homem e o chamava de “chichiu-e” (acho que é isso), e o fansub não traduziu isso. Passei a saga inteira achando que esse era o nome do cara até ver um episódio em outra fansub e eles traduzirem isso pra “pai”.

    Por mais que as palavras sejam comuns, o povo tem que parar com essa mania de achar que fã de mangá e anime é obrigado a conhecer termos comuns em japonês. O pior é quando vejo as editoras fazendo isso em suas traduções, ou ainda deixando termos japoneses que poderiam muito bem ser traduzidos só porque acham que soa melhor em japonês.

    Uma coisa que acho horrível até hoje (que não é exatamente sobre tradução, mas entre nesse contexto de manter o japonês), foi a escolha da editora JBC em manter os kanjis nos desenhos do mangá Next Dimension em sua versão no Brasil Sério, quem foi o tapado que teve aquela ideia? Aquilo só polui as imagens e não serve pra nada, já que tem a tradução embaixo.

    • A versão brasileira de Next Dimension é um erro. Papel fucking jornal foi outra merda que fizeram. Que sonho teria sido se tivessem lançado pelo menos em papel off-set, com costura interna das páginas e sem esses textos japoneses. Que custassem R$20,00 mas que fossem edições decentes.

  • Eduardo Urashima

    Parabéns pelo ótimo texto. Essa é a melhor explicação que já tive sobre traduções e adaptações, suas nuances, dificuldades.

  • Eu levei um certo tempo para ler esse texto, mas definitivamente não foi perda de tempo. Eu concordo PLENAMENTE. Tenho o hábito de dizer que o povo ficou muito mal-acostumado com as traduções, ao passar dos tempos, a ponto de nem saber dizer o que é realmente uma tradução.

    Eu fiz aulas de japonês e aprendi inglês por conta própria. Minha professora de japonês já foi tradutora (porque, cá entre nós, não é porque você SABE uma língua que significa que você SABE traduzir, são duas coisas bem diferentes, traduzir é adaptar), então ela nunca foi de “traduzir ao pé-da-letra”, digamos assim. Ela sempre passava traduções variadas de uma mesma frase e, como eu tinha interesse por esse mundo de tradução, já perguntei pra ela como era, se era complicado, e como era a questão dos honoríficos. Ela falou que, em toda tradução de livro que ela participou, NUNCA deixou honoríficos. Nunca deixou alguma palavra aleatória. Tudo, tudo era adaptado o máximo possível. Eu tenho “Viagem Noturna no Trem da Via Láctea”. Não me lembro de ter encontrado nenhum honorífico. Não me lembro, também, de ter encontrado algum termo não traduzido a não ser que fosse algo extremo, que precisasse de nota.

    As pessoas amam dizer que manter honoríficos e certas palavras vão “manter” o sentido da leitura. Mas não… Não vão. Eu mesma pensava assim, antes de fazer aulas de japonês. Quando fiz as aulas, eu notei que diversas coisas que eu pensava serem sempre de uma mesma maneira, não eram. Um grande exemplo é o próprio “-chan” e o “-kun”. Quando tive que aprender hierarquia de empresa, eu fiquei “…caramba.”. Foi aí que eu notei que manter os honoríficos nas traduções em animes, mangás e etc nunca realmente me ajudou para manter o sentido. Pior, tiveram ainda alguns fansubs que me ensinaram errado honoríficos. Você nunca vai entender completamente o sentido do honorífico ali se não saber a língua. Por mais que tenha uma nota de tradução, como você disse, um mesmo honorífico pode ser usado para várias situações. Até você ler a nota de tradução (se é que não a pulou porque já conhecia o honorífico), pode ser que esteja pensando em um outro significado, ou até mesmo pensar que a tradução está errada. Por exemplo: Se você tem na sua mente que “-kun” é especificamente para garotinhos e rapazes jovens e vê alguém chamando uma mulher de “-kun”, o que vai pensar, se não sabe a língua? 1. Traduziram errado, trocaram honorífico sem querer; 2. O cara está tratando a mulher como um homem; 3. Ficar completamente confuso e 4. Quem sabe até mesmo pensar que é um homem disfarçado de mulher? Posso estar viajando, mas já vi isso acontecer. E já aconteceu inclusive comigo. Pode ter vários outras ideias viajadas do porquê do “-kun” estar ali. E até você ler a nota de tradução, simplesmente não é a mesma coisa, você já leu a frase, já perdeu o sentido no momento em que você leu ela- você não APROVEITOU ela na hora.

    Muitos honoríficos não precisam nem ser colocados (porque não estão presentes na nossa cultura e nem na nossa língua) e outros podem simplesmente ser adaptados. Não é todo “-chan” que precisa virar um “Kenshinzinho”. Nem todo “-san” precisa virar um “Senhor Keiji.” Nem todo “onee-chan” precisa virar um “maninha”. Há casos e casos, terão casos que essas palavras funcionam bem, outros não. Um “-chan” pode ser simplesmente evitado, um “-san” pode ser evitado deixando a frase mais formal e um “onee-chan” pode até ser uma moça, caso a criança esteja falando com uma adulta desconhecida. Perde algo? Não vou dizer que não perde. Mas isso SEMPRE vai perder.

    Triste mesmo foi assistir Tonari no Totoro com a minha mãe e ela não ter aproveitado metade do filme, porque não sabia o que era “-san” nem “onee-chan”. Poxa, é um filme familiar, Ghibli é popular, não é algo, vamos dizer, “de nicho”. Não deveria ter ao menos uma tradução MESMO, para que qualquer um possa aproveitar a obra?

    Além de que uma “tradução para nicho” é muito tiro no pé, porque isso afasta muitos novatos. Não é todo mundo que pega um mangá, um anime pra ver e quer conhecer e entender a língua (e nem deveria! Se a obra não é didática, por que fazer isso?). Não é uma obra dessas que vai te ensinar a língua, a não ser que seja só para puro treino, para familiarizar com a língua, mas aí já são outros 500, são casos em que a pessoa já estuda a língua, já tem uma noção… E claro, ela não vai utilizar só isso para estudar.

  • Bruno

    Eu pretendia tirar uma foto em casa e postar aqui, mas o frio me deixou com preguiça,
    mas no mangá de Queens Blade, tem uma cena que uma personagem fala:

    “A culpa é sua, e não das estrelas”

  • Bruno

    Vi um filme uma vez, e na dublagem o cara diz:
    “Eu eu trabalhar limpando fossa com meu pai, minha vida vai ser literalmente uma droga”

    Essa parte do “literalmente uma droga” simplesmente não faz sentido
    em inglês foi dito “literally shit”

    a intenção do autor era fazer uma piadinha com Fossa e com Merda, mas do jeito que traduziram não fez sentido.

    Deveria ter sido feito de duas formas
    mantendo a piadinha e dizendo
    “minha vida vai ser literalmente uma merda”

    ou se quisessem manter sem o palavrão, e eventualmente perdendo a piada, deviam deixar simplesmente
    “minha vida vai ser uma droga”

  • Demorei cerca de 4 horas para ler, absorver e entender tudo que o texto foi dito. Que texto gigante! O_O Mas de bom gosto, é claro! ^_^X

    Antigamente, em meados de 2004 a 2009, não gostava muito das traduções da editora JBC, por ser muito “brasileiro”, afinal, estava acostumado assistindo aos animes que os fansubs traduziam ao “pé da letra”, igual aos os costumes culturais dos japoneses. E isso, tem sido uma guerra entre tradução da jbc x tradução dos fansubs, sendo discutida nas redes sociais (orkut, facebook, gazaag, etc, etc). Eu detestava as traduções do mangá do FULLMETAL ALCHEMIST (sem contar os erros ortográficos e concordâncias) e para piorar, dropei até o mangá de Fairy Tail, por causa da má tradução e adaptação. Eram piadas do programa PANICO NA TV, do CHAVES, e dos bordões da moda, “memes, etc. E, se você for reler, nada mais faz sentido hoje. O que é bem chato e esquisito.

    A JBC errava e muito com adaptação e traduções dos golpes, que eram realmente bem preguiçosas, com aquelas tantas notas de rodapés, poluindo a arte e atrapalhando a leitura.

    A Panini, pelo menos, não teve tantas críticas durante este meio tempo, por causa de suas traduções que se utilizam os honoríficos, colocam o nome dos golpes em japonês, inglês e logo em seguida em português dentro do balão da fala. (estranho ver isso, parece que o personagem está falando duas línguas ao mesmo tempo!) e várias outras adaptações que segue fielmente ao japonês. E as notas ficavam no glossário, no fim do volume. É claro não é necessário ter aquele imenso glossário por coisas bem obvias, mas vai saber o por quê, mas que ajuda e muito para não quebrar o ritmo da leitura.

    Mas de uns tempos pra cá, muita coisa mudou no meu modo de pensar. E com este texto, me ajudou muito a clarear melhor as ideias de que depende muito da criatividade e vontade do tradutor e também do editor. Quando o Marcelo Del Grecco saiu da editora JBC, muita coisa melhorou no aspecto de tradução e adaptação.

    Roses, na sua opinião, quem é o melhor tradutor(a) que melhor encaixa neste perfil de ótimo(a), criativo(a) e sensato(a) no Brasil?

  • eu já tava esperando por alguma menção pelas polêmicas das adaptações de Fairy Tail no principio, Tenjho tenge (ambos por Guilherme Briggs) e Magi e miraculosamente não vi! xD. E até sugeriria(?!) se uma adaptação aos moldes de fairy tail inicial se seriam beneficas pra Gintama, já que ele tem piadas japonesas q o povo diz que não fazem sentido pra nós e que seria o motivo do fracasso em outros mercados.

      • Sei que não durou muito, mas como estou comprando desde o inicio e só re-li até o volume 2, não sei até onde está com o briggs. E nem achei nada tão polêmico assim, mas sabe como são o povo, né? xD

        • Bruno

          Eu também, eu li até o 7 por enquanto, também não achei nada de mais

    • Mas não ter visto menção foi algo bom ou ruim?^^
      ———–

      O caso Magi é quase todo muito bobo. Até dá para entender a reclamação dos nomes com a leitura chinesa (afinal, foi uma escolha até certo ponto bem questionável), mas todo o resto foi mais infantilidade das pessoas. Gigi é um apelido muito melhor do que Mor-san e fã reclamando que o personagem se chama Alladin e não Aladim foi o cúmulo da falta de noção das pessoas.

      Não sei como é Fairy Tail, mas Cowboy Bebop (terá resenha aqui em umas duas semanas, acho) é cheio de referências a tudo o que você pode imaginar: Sailor Moon, Chapolin Colorado, personalidade brasileiras, frases de filmes, etc. Tudo o que faria os fãs de mangás ficarem criticando a JBC por anos…

      • Achei bom, porque sempre q vejo uma materia parecida (mas jamais com tanto conteudo) sempre pegam no pé desses mangas, com coisas que em nada estragam a leitura em sí, mas pra esse povo que acha q tradução de scans são a “verdade absoluta”. Só que já achei tradução de scan bem mais zoada que os da jbc e uns carinhas ficam achando que as editoras que não respeitam o “purismo”. E mesmo da Panini ja achei coisas semelhantes aos da jbc, mas nada que justifique o mimimi do povo. No aguardo do review “polemico” de Cowboy Bebop” ^^

        • Roses

          Honestamente eu não gosto de cultura POP referente à TV, música e coisas assim porque eu não assisto TV faz uns 15 anos. Maaaas… É assim em japonês também. Estou lendo Space Brother e a quantidade de referência à TV japonesa é imensa, eu quase não entendo. Pior… As referências aos filmes… O pai dos protagonistas gosta de fazer imitações e mesmo os protagonistas dizem frases famosas de filmes envolvendo o espaço. Eu avoada do jeito que sou não tenho a menor ideia de onde e quais filmes… O ponto aqui é mostrar que os mangás possuem sim MUITA referencia POP, de filmes, TV, outros mangas e obras famosas. Logo não é exatamente uma descaracterização trocar por referência a Chavez. O problema é enfiar piada onde não tinha…

      • Bruno

        Cowboy Bebop tem isso?
        Vou dar uma lida pra ver, ele é bem curtinho mesmo

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