Desmistificando: O que acontece com os mangás não vendidos?

LivrariaAs estratégias das editoras para lidar com as sobras…

É meio óbvio que nem todos os exemplares de um mangá serão vendidos, mas você já imaginou o que as editoras fazem com os não vendidos? E o que acontece se um certo título vender muito mal?

Neste desmistificando vamos comentar sobre algumas práticas e estratégias de como lidar com os mangás que não foram vendidos. Alguns desses processos acontecerão com todos os mangás, desde que eles não esgotem, outros acontecerão apenas com os que vendem muito mal. Aproveitarei e também comentarei sobre as consequências sobre a obra no caso de má vendagem.

Vale a pena ressaltar que não se tratam de regras, mas estratégias e processos que podem ou não ser utilizados pelas empresas e editoras e vão depender de n fatores.

***

Vamos lá! Um belo dia vocês juntaram seu dinheiro suado, abriram uma editora de fundo de quintal e decidiram licenciar JoJo. Depois de imprimir uma quantidade exorbitante, mandaram os volumes para todas as bancas do país.

I. Recolhimento das bancas

Após um tempo x nas bancas chega a hora de recolher o que não vendeu. A distribuidora (que é a Dinap) vai passar em todas as bancas e recolher com seus caminhões e vans os volumes não vendidos. Aí temos dois cenários possíveis:

Vendeu muito bem, bem ou um mínimo aceitável. Se nosso Jojo vendeu e se pagou, a distribuidora vai recolher o pouco que sobrou e fazer o processo contrário da distribuição, juntando e recolhendo tudo até chegar na editora, que recebe essa sobra, ou estocando e redistribuindo para outras áreas e casas comerciais.

Vendeu muito, mas muito mal. Ok, Jojo não vende nada, vendeu 5 volumes para aqueles 5 que sempre pedem nas páginas das editoras. E vendeu tão mal que o preço de recolhimento e transporte de tudo aquilo é mais caro que o lucro da distribuidora. Ou seja, encalhe. E agora?

A depender do contrato com a distribuidora, ela tem o direito de reciclar parte dessas obras que não venderam e pagar uma certa porcentagem do preço de capa. Basicamente é mais barato destruir e pagar essa porcentagem que mover todo aquele montante de volta.

Além da reciclagem, as obras podem simplesmente serem armazenadas ou direcionadas para outros fins e mercados secundários. No fim das contas um certo montante ainda pode ser (geralmente é) devolvido às editoras.

Esses processos fazem parte da Logística Reversa de Distribuição e é parte integrante da Logística de Venda da editora.


II. Lidando com as sobras

Chegando no seu fundo de quintal está na hora de lidar com as sobras, que podem ser estocadas, vendidas para lojas especializadas, redistribuídas, vendidas em eventos, etc. O normal é que esse resto vai sendo vendido aos poucos até esgotar (quando pode ou não ser reimpresso).

Caso a venda não tenha pagado os custos, a editora vai ter que vender mais agressivamente, oferecendo descontos para recuperar o dinheiro investido e pagar as contas. Ela pode tentar redistribuir, oferecer preços muito abaixo do normal para lojas e livrarias, tentar fazer boxes e redistribuí-los, oferecer descontos absurdos em eventos, etc. (Sim, o que a Conrad fez na sua época de crise.)

Assumindo que não tenha sido um total fracasso, esses restos podem ser armazenados por bastante tempo, inclusive num futuro podem até ser redistribuídos antes da continuação da série, na tentativa de criar novos leitores.

Basta dar uma olhada nas lojas virtuais e das editoras, fácil identificar séries completas ainda à venda depois de mais de 5 anos desde sua publicação. Embora às vezes isso seja devido à reimpressão.

***

Vale a pena comentar que com outras revistas e periódicos é comum se vender ou exportar uma parte para outros países que falam português ou até nas fronteiras do portunhol. Só que nos casos dos mangás e quadrinhos licenciados isso é ilegal. As editoras só podem vender oficialmente aqueles materiais no Brasil, a venda e importação é feito por terceiros.

Assim como existem lojas no Brasil que importam produtos japoneses, existem lojas nesses países que importam produtos e mangás brasileiros. E é assim que chega mangá BR em Portugal e outros países. Por esse motivo, a venda para outros mercados não é uma saída legal (de legalidade) para lidar com o encalhe.

A caráter de curiosidade, nos Estados Unidos é diferente, as empresas já compram licenças para venda em várias nacionalidades, o mangá americano pode ser legalmente vendido na Inglaterra e Canadá, por exemplo.


III. Consequências do fracasso de vendas

Como já dito anteriormente a má venda traz consigo consequências:

Mudança de periodicidade. Obras que vendem menos podem ter periodicidades mais espaçadas para dar mais tempo de vender os volumes.

Paralisamento por tempo indefinido. Obras são paralisadas até a resolução do problema ou simplesmente esquecida e cancelada na surdina.

Cancelamento. A coisa não tem salvação, cancela-se, paga-se a multa e era uma vez. Geralmente a última opção da editora, pois não só cria uma falta de confiança do público consumidor, como pega mal com a editora japonesa. Afinal as editoras brasileiras prometem vendas e lucros às japonesas.

Mudança no tamanho da tiragem. As tiragens são alteradas para se adaptar à quantidade de venda e diminuir os prejuízos. Por isso que títulos que admitidamente venderam mal acabam esgotando rápido nas lojas.

Dá para perceber como não vender custa caríssimo para a editora? Não só tem que pagar multas e custos de retorno, como ainda é forçada a vender seu produto barato na expectativa de conseguir recuperar parte dos custos.

No fundo as lojas e a distribuidora ganham a porcentagem delas, quem assume todo risco é a editora. É ela quem vai arcar com o fracasso das vendas sozinha e ainda é forçada a pagar e restituir todo mundo da cadeia de vendas.


IV. Cancelamento

Falar de cancelamento é sempre complicado, pelos olhos de um consumidor, essa estratégia é uma afronta, ainda mais quando se trata de uma coleção longa.

Mas olhando pelo lado de uma editora, mesmo que tenha sido culpa dela (a falta de marketing, má organização, estratégias problemáticas…) o cancelamento não é algo indolor e ela é “castigada” pelos seus erros tanto quanto o leitor.

No fundo, eu pessoalmente diria que se tem que cancelar, bem, então cancele, mas que dê satisfação ao público, explique e assegure seu leitor das razões. Agora, cancelar e jamais se pronunciar, deixando os leitores a ver navios, esperando que apenas esqueçam, difícil defender uma prática assim.


Desmistificando é uma coluna semanal, lançada nas quintas-feiras, sobre o mercado e mangás brasileiros e internacionais. Você pode ver todas as outras postagens anteriores desta coluna aqui. Sugestões e comentários também são sempre bem-vindos! 🙂

23 Comments

  • Isaura

    Excelente matéria, embora eu tenha ficado um pouco confusa na leitura, mas teve um trecho que me chamou muita atenção:
    “Basicamente é mais barato destruir e pagar essa porcentagem que mover todo aquele montante de volta.”

    Poxa, não sabia, então deve ser por isto que não encontro alguns mangas desconhecidos que foram prováveis fracassos de vendas, devem ter virado lenha,

    • Roses

      Importante ressaltar que isso são possibilidades. É fato que a distribuidora faz isso, é algo dentro do contrato de muitas revistas e jornais. Mas isso não significa que as editoras não possam escolher outras formas que não envolvam a perda desse material. Não temos como saber como é cada contrato de cada série de cada editora. 🙂

  • Excelente post,na minha opinião,o caso mais comum no Brasil seja a diminuição de tiragem para os mangas que vendem pouco,pois vários editores falam em entrevistas que determinado título não vende bem,só que esse determinado título continua sendo publicado,acho que eles fazem o possível para não cancelar nenhuma obra,se bem que às vezes isso se torna impossível.Uma vez,um atendente de uma loja especializada em quadrinhos de Porto Alegre,me disse que a Panini incinera tudo o que não vende,logo,eu imagino que seja verdade,pois os mangas dela são os mais difíceis de se encontrar depois de um certo tempo,não sei se a própria editora faz isso ou se é a distribuidora,mas a impressão que a Panini passa é a de que ela vende mais do que a concorrência,de que ela não precisa fazer relançamento em bancas,por isso,fica a impressão de que eles destróem ou vendem para a distribuidora.No quesito de a distribuidora,e não a editora,retornar para as bancas mangas encalhados,eu mesmo sou um exemplo,numa banca no centro de Porto Alegre,existem vários mangas lacrados sendo vendidos por R$5,00 cada,detalhe,todos os que eu vi são da editora JBC,entre eles havia Thermae Romae 3,manga que só foi distribuído para lojas especializadas,e é claro que eu comprei,afinal de contas,o preço de capa era R$19,90,o problema é achar volumes especifícos ou querer uma coleção completa nesse modo,algo bem improvável.

  • Eduardo urashima

    Uma outra consequência de se manter um estoque alto, de mangá ou de qualquer outra mercadoria ou produto, é o custo tributário disso. Não, não é culpa da carga tributária tupiniquim. quando uma empresa apura o lucro para calculo de Imposto de Renda (IRPJ) apura-se o custo, e é ai qu entra o estoque. Pelas normas contábeis o só podemos dizer que algo é custo quando este é realizado, ou seja, saí da empresa. Então quando o estaque está alto, quer dizer que o custo ainda não se realizou, e como ainda não é custo o lucro da empresa fica mais alto, e como consequência paga-se mais IRPJ. Quando vende e baixa o estoque o custo se realiza e diminui o lucro. Esse é um dos motivos que faz uma empresa querer baixar logo seu estoque.

    • Roses

      Não só o problema de imposto, tem os custos de manutenção e armazenamento e o fato de que o papel jornal se degrada muito fácil, o que pode causar perdas de produtos se for guardado por longo período de tempo.

      • João Vitor

        Roses, então por que ainda temos uma quantidade significativa de mangás sendo publicados com esse tipo de papel?

        • Roses

          O papel degrada rápido por ser “cru”, há menos química e processos para produzi-lo, o que o torna mais barato e econômico. As publicações em papel jornal não são publicadas para serem colecionadas, são para serem lidas rapidamente e depois serem recicladas em novos volumes.

          É isso que acontece com Jornais, Turma da Mônica e outras publicações descartáveis. No Japão mesmo, grande parte das revistas e “tankoubons” são reciclados todos os meses, esse material então é parte usado para produzir novos volumes ou outros derivados.

          Mesmo que os japoneses quisessem colecionar todos os mangás e guardá-los, não há espaço. As casas e apartamentos japonesas são muito pequenas e apertadas para permitir bibliotecas de quadrinhos. Aquelas séries que realmente os tocam, eles compram versões colecionáveis, que são mais caras e duráveis, cheia de mimo. Um mangá chique pode chegar a mais de 200 reais o volume!! (A depender da cotação das moedas.)
          Em compensação, a publicação normal é absurdamente barata e econômica.

          No Brasil, livros e publicações já são caros (em comparação a outros bens e salário mínimo), logo o quesito “econômico” é decisivo. Atualmente o papel preferidos das editoras está mais caro por causa do aumento de demanda e fechamento de uma das grandes fábricas internacionais, tornando a diferença entre off-set e jornal não tão grande assim. No Japão o jornal é feito nacionalmente, logo a diferença é gritante. 🙂

      • João Vitor

        Sem contar que é um papel que agrada alguns e desagrada outros…

  • João Vitor

    Incrível como a série desmistificando traz tantas matérias inteligentes e interessantes.

      • João Vitor

        Como disse nosso amigo Luciano uma vez: “Queria mais texto deste desmitificando! =P”.
        Eu sempre tive curiosidade de saber o que acontecia com os mangás que não eram vendidos, já que eles sempre “sumiam” de forma mágica das bancas kkkkkkkkk
        Muito obrigado pela matéria.

  • Eddie

    Uma das Consequências no fracasso de vendas também pode ser um aumento no preço de capa como aconteceu um tempo atrás com Air Gear.

    • Roses

      Você tem razão, pode sim. Embora seja algo complicado, porque se você aumenta ao preço de algo que vende pouco, isso só ajuda a vender menos, entende? Geralmente os reajustes acontecem mais por causa de, bem, reajustes.

      O caso de Air Gear eles não desmentiram que vendia mal?

  • Guilherme

    Bom artigo.

    E na terça passada vi dois volumes de Eden da Panini na banca onde sou cliente, fiquei surpreso por não ter visto antes. Quando vou de passeio para o interior paulista(interior do interior), vejo bancas com volumes de Dragon Ball, Vagabond e Slam Dunk da Conrad.

  • binho

    Como sempre, ótimo texto, Tsundere. Deixa eu te pagar uma bebida.

  • Sagitarius

    Adoro o desmistificando, é minha coluna preferida daqui.

    Como sempre, ótima matéria. Um assunto que sempre tive curiosidade e agora aprendi um pouco mais como funciona.

    E tenho uma sugestão pra uma matéria. Você falaram a pouco sobre os formatos de publicação no Japão, então queria ver um desmistificando sobre as publicações complementares a uma obra no Japão, como artbooks, fanbooks, databooks, e podiam até falar um parágrafo sobre os específicos (tipo Shokugeki no Souma, que teve um livro de receitas; ou Assassination Classroom, que teve livros de exercícios).

  • Quer dizer então que aquele título que esgota rapidamente pode ter sido tanto um fracasso (tiragem baixa) ou sucesso que vendeu rápido,interessante,muito oba a matéria ^^

    • Não entendi bem esta colocação, Roses. Dá para explicar melhor? Sei que você escreve muito bem, mas tento entender que isso não parece ser fracasso.

      • binho

        Na verdade o que ela quis dizer é que quando um título tem uma tiragem x, e não vende, nas próximas edições essa tiragem é diminuída para y.
        Vamos supor que você chegou, lançou CDZ volume 1 e imprimiu 10.000 exemplares, só que, apenas 5.000 foram vendidos. O volume 2, então teria impresso apenas uns 6.000, digamos.

        Acredito que o que ela quis dizer foi mais voltada para a questão da expectativa, ou seja, cronograma de vendas da editora. Ela espera vender tanto, mas as vezes não dá, então abaixa a tiragem para não ficar com encalhe e acabar saindo no prejuízo.

        • Roses

          Sim, se algo vende mal, a editora pode diminuir a tiragem ao mínimo de venda para perder o menos possível com prejuízos, sem cancelar. Dessa forma há pouca oferta que é vendida rapidamente para aqueles que já compram. Em pouco tempo esgota e fica impossível de se comprar. Hunter x Hunter é uma caso desses, ainda acho os volumes antigos para comprar, os novos não. Ou seja a tiragem diminuiu, não há sobras dos volumes recentes. Melhor?

Comments are closed.

Descubra mais sobre Biblioteca Brasileira de Mangás

Assine agora mesmo para continuar lendo e ter acesso ao arquivo completo.

Continue reading