Biblioteca Brasileira de Mangás

Desmistificando: Por que as editoras não divulgam números de venda?

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Naruto_Gaiden

A velha birra dos leitores que ficam no escuro

Conversar sobre vendas e sucesso dos mangás no Brasil é sempre complicado visto que não temos muitos dados para nos embasar. É fato, por exemplo, que Naruto é um sucesso, mas o quão sucesso? O quanto ele vende mais que os outros? Existe algo que venda tanto quanto Naruto? Teria Death Note chegado aos pés? Dragon Ball? Teria algo vendido ainda mais? Mangás vendem mais que quadrinhos em geral?

Como leitores (e tarados por dados) essa é uma situação frustrante, por que diabos as editoras não informam números de jeito nenhum?!

A resposta é na verdade muito simples, os dados de venda são informações muito valiosas e a alma de uma empresa. Imagine você se a padoca da esquina contasse para todo mundo exatamente quantos clientes tem e o que cada um compra, o que mais vende, o que não vende. Alguém poderia perceber a grana que está dando e começar a montar outra padaria, sabendo exatamente o que esperar dos clientes daquela região.

Informação e dado é poder, se as editoras contassem uma para as outras quais os seus mangás que mais fazem sucesso e quais não, você estaria convidando competidores e ainda mais disputa pelos títulos. Talvez seja algo que fosse ser positivo para os leitores de alguma forma, mas péssimo para a empresa capitalista que quer guardar sua receita de sucesso.

Peguemos o caso da NewPOP, atualmente a única que seriamente tem lançado Hentai, BoysLove e Light Novel. Todas as demais editoras devem estar se perguntando, mas será que vende? E se a NewPOP informasse que as Light Novels vendem mais que mangá, quanto tempo até as editoras todas passarem a lançar e “roubarem” o espaço da NewPOP? Que dúvida você tem que foi a ousadia da NewPOP que fez a Panini dizer que está cogitando o lançamento da light novel de Sword Art Online? Será que a vinda do livrão de Another também não teve um estímulo extra vindo do exemplo da NP? A Alto Astral com os manfras dela são outro exemplo de “ousadia”, será que tá indo bem e vendendo? *música de suspense*

Outro exemplo de “roubo” são as novas versões de mangás em offset da Panini, uma cópia quase perfeita do que a NewPOP usa faz muito tempo (gramatura 90g), muito diferente das que a Conrad e JBC usam que tem gramaturas muito menores e transparente. Será que se nunca tivesse existido as características da NP, haveria esse formato da Panini? Teria gente reclamando das publicações em papel jornal se não houvessem algo diferente para se comparar?

E é bem esse o papel das editoras e empresas pequenas, elas ousam e buscam alternativas, às vezes acham algo que dá certo, lucram com aquilo até as concorrentes enormes começarem a perceber e tomar o espaço. Vale lembrar, por exemplo, que a maior editora de mangás só começou a mexer pra valer com eles como conhecemos atualmente em 2002-2005 (a depender da sua interpretação, eu considero 2005 com Lobo Solitário), até aí, desde 2001 a JBC já estava à toda, a Conrad então desde 1999-2000 nadava em dinheiro com os retornos de Dragon Ball.

Empresas maiores facilmente se estabilizam no seu jeitinho, a não ser que haja uma forte pressão externa de competidores, mudanças de mercado e consumo, etc. De fato, é quase impossível encontrar algo que tenha sido inovação da Panini, ela “roubou” tudo das outras, páginas coloridas, papel offset, tamanho tankoubon, tamanho meio-tanko… Quanto tempo até ela começar a usar o “tamanho Big”? 😛

Se já é dessa forma mantendo sigilo, imagina se fosse tudo aberto? Bastava alguém achar uma nova mina de ouro e a Panini já teria comprado tudo, jogando o outro de escanteio. Não haveria espaço para as menores sobreviverem.

Manter sigilo do número de venda também é uma forma de se proteger de ataques. Imagine agora que a JBC está supermal das pernas e por um fio. Se a Panini souber disso, talvez ela decida agressivamente aumentar o número de séries, ir à luta, licenciar tudo que a JBC tiver tentando e empurrar a competidora à falência. Já tem quem suponha que isso está acontecendo agora, imagine se soubéssemos de fato as vendas e pudéssemos ver o real estado das empresas…

Oras, mas se isso é sigilo, por que as editoras estrangeiras divulgam esse tipo de coisa? É aí que está o engano, elas também não divulgam, aquelas listas de vendas são “vendas estimadas” baseada na venda de certos pontos estratégicos. Em cima de dados localizados são feitos extrapolações e cálculos do que deve ser o montante total, a famosa área de estatística. Não é muito diferente do que o IBGE, o IBOPE e outras empresas de pesquisas brasileiras fazem. Ninguém sai por aí perguntando para literalmente todo brasileiro se ele quer ou não um impeachment, se ele assiste ou não a novela, etc.

É assim que a lista de mais vendidos da Veja é feita, que as listas do Oricon são feitas (como as usadas neste post), que a lista de mais vendidos do New York Times é feita, dados localizados extrapolados. Essas listas de forma alguma representam o número real. Há vários motivos que podem causar erros absurdos em tais análises fazendo não bater de jeito nenhum com as vendas reais. Por outro lado, existe toda uma ciência por trás disso, todo um cuidado e trabalho que se bem feito traz resultados bem acurados.

Vale lembrar que essas empresas pagam por esses dados dos vendedores, não é algo dado de graça, assim como é possível comprar tais dados direto das editoras, mas vai te custar uma fortuna.

Apesar de tudo isso, às vezes uma editora divulga dados de venda mesmo, mas sempre de uma forma bem geral e inespecífica, coisas como “a série _____ vendeu mais de 10 milhões no Japão”. As próprias tiragens (número total impresso) são sempre divulgadas como forma de promoção da obra depois de alcançar um certo valor de unidades, mas mesmo informando as tiragens, nunca informam o quanto disso vendeu. A quantidade que é impressa a mais, como funcionam as reimpressões e tudo mais também são dados de valor alto e sigilosos.

A única forma de ter acesso gratuito a alguns desses dados é quando a empresa passa a ter acionistas e de tempos em tempos ela é obrigada a liberar dados de venda, lucro e outros, embora sejam por áreas e categorias e não por título. A Kadokawa é uma dessas, aqui o report anual de 2013 e aqui o de 2015 para os curiosos (em inglês).

Dá para perceber como não é uma questão de maldade ou chatice das editoras de mangá? Editora alguma informa esses dados, o mesmo vale para quaisquer empresas, a Kibon não te informa quantos picolés de limão ela vende, informa? É uma característica do mercado competidor capitalista, não do mundo dos mangás! 😉


Desmistificando é uma coluna semanal, lançada nas quintas-feiras, sobre o mercado e mangás brasileiros e internacionais. Você pode ver todas as outras postagens anteriores desta coluna aqui. Sugestões e comentários também são sempre bem-vindos! 🙂

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