Biblioteca Brasileira de Mangás

Capas espelhadas: necessidade ou excesso de zelo?

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EspelhadaUm mal necessário do nosso mercado?

Vá a uma banca de revista ou a uma loja especializada em quadrinhos e procure pelos títulos Lovely Complex, To love-Ru, The Seven Deadly Sins e Kuroko no Basket, e examine-os com minúcia. O que esses quatro títulos têm em comum? São todos publicados em papel jornal? Sim, mas não é disso que estamos falando. Há mais uma coisa em que eles se parecem: todos esses mangás são publicados no Brasil com capas espelhadas.

Se você é novo no mundo dos mangás e/ou não entende a nomenclatura utilizada, chamamos de mangás com capas espelhadas aquelas obras cuja imagem de capa é repetida na quarta-capa do volume (parte de trás do mangá), praticamente do mesmo jeito, como na imagem abaixo:

Capa espelhada de “Rurouni Kenshin: versão do autor”.

Note que entre a capa e a quarta-capa não há muitas modificações. É rigorosamente a mesma imagem e o que diferencia é a presença da sinopse, da faixa de preço, e a posição do logotipo da editora.

Em algumas ocasiões, as empresas apenas alteram a cor de fundo da capa ou algum outro detalhe para fazer com que a quarta-capa seja diferente, mas não deixa de ser uma capa espelhada também, como a de Vitamin.

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Não é necessário dizer que, como qualquer coisa envolvendo mangás, as capas espelhadas costumam ser alvo de reclamação constante dos consumidores, direcionada, em especial, para as duas maiores editoras nacionais de mangás, a JBC e a Panini, que praticamente são as únicas a espelharem capas.

Para esses consumidores, a prática de espelhar capas é retrógrada e deveria ser extinta, quiçá, nunca ter existido. Outros são mais enfáticos (leia-se: chatos^^) e dizem que as editoras não querem fazer o seu trabalho direito e por comodidade simplesmente espelham as capas.

Só que não é assim que a banda toca e o mundo é bem mais complicado do que o otaku padrão acha que é. Porém por mais que essa reclamação possa ser rotulada facilmente como um “mimimi” típico de otaku que acha que as editoras são vilãs, ela faz sentido, visto que todas as outras mídias culturais (livros, CDs, DVDs) possuem uma capa e uma quarta-capa bem definidas. Se outras mídias possuem dois lados diferentes por que alguns mangás brasileiros, não?

Com base nessa questão, viemos questionar a pertinência das capas espalhadas no Brasil e buscar entender o motivo de essa prática ainda perpetuar em nosso território.

Resgate histórico

Mangás são histórias em quadrinhos japonesas. Essas histórias são primeiramente publicadas em revistas e somente depois quando acumulam uma certa quantidade de capítulos ganham uma versão em formato de livro. Diferentemente de Turma da Mônica, Batman e demais histórias em quadrinhos produzidas no ocidente, a ordem de leitura dos mangás é diferente. Turma da Mônica é lida de esquerda para a direita, já os mangás são lidos da direita para a esquerda.

Tudo isso você já está cansado de saber e, com certeza, está sempre explicando aos seus amigos ou familiares que não conhecem mangás. E por que estamos repetindo isso? Porque é justamente essa diferença da ordem de leitura, o grande problema das capas dos mangás no Brasil.

No Japão, os mangás também possuem uma capa e uma quarta-capa diferentes, assim como qualquer outro produto cultural, porém as capas dos quadrinhos japoneses ficam exatamente do lado oposto ao do que seria o natural para nós, brasileiros. Onde para nós seria a capa, fica a quarta-capa e onde seria a quarta-capa fica a capa.

Obviamente, isso não gera qualquer problema para quem mora no Japão, porém quando os quadrinhos japoneses são exportados para o Ocidente a coisa fica complicada. A nossa ordem de leitura é diferente e não estamos acostumados a ter uma capa “no lugar errado”. E quando digo “não estamos” refiro a todo mundo, o cara da banca de revista, o atendente da livraria e, mesmo, alguns leitores.

Quando os primeiros mangás com sentido de leitura oriental foram publicados por aqui, lá no final do ano 2000 e início de 2001, a coisa era ainda pior, pois todo o público era leigo e à exceção de uma meia dúzia de pessoas, ninguém havia tido contato com o mangá original japonês e a sua ordem de leitura “de trás para frente”. Ninguém sabia que o quadrinho “começava no final” e isso era algo que daria uma enorme dor de cabeça.

Uma das coisas mais úteis que editoras brasileiras, Conrad e JBC, pensaram (copiaram dos outros países ocidentais, na verdade^^) na época e que persiste até hoje é  o aviso “Pare, você está começando a ler pelo lado errado”. Esse aviso era importante para informar e explicar ao leitor a ordem de leitura e fazê-lo não ficar perdido. Porém isso é apenas um mecanismo para ajudar o leitor e não serve para o principal que é vender o produto.

Se a ordem das capas é diferente, o vendedor da banca de revista poderia expor a parte de trás (mesmo vendo que nitidamente não era a capa) pensando ser a parte da frente e isso diminuiria o alcance de potenciais compradores. Para evitar que isso acontecesse, as duas editoras pensaram em uma solução eficaz e que já era praticada em outros países ocidentais: espelhar as capas.

Mas, pergunta o leitor, por que não manter a quarta-capa original? Não seria melhor manter a fidelidade? Qual o problema de expor o lado errado? O problema, leitor, é essa imagem abaixo:

Agora que você viu essa quarta-capa vamos imaginar: o ano é 2001 e você está indo na banca para comprar mais um exemplar do Super Homem, do Tio Patinhas ou do falecido Almanaque Disney e se depara com uns quadrinhos diferentes, de uns desenhos que você viu na televisão: Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball, Samurai X, Sakura Card Captors e Guerreiras Mágicas de Rayearth. Você vê o seu orçamento e leva um ou outro, ou todos se der.

O resultado desse cenário estamos vivenciando hoje, tendo vários mangás publicados simultaneamente todos os meses, por pelo menos três editoras diferentes.

Vamos imaginar outro cenário: o ano é 2001 e você está indo na banca para comprar mais um exemplar do Super Homem, do Tio Patinhas ou do falecido Almanaque Disney e se depara com essa capa branca acima, pois o jornaleiro por N motivos não colocou em exibição a capa certa. Provavelmente você nem teria reparado nela. E se tivesse reparado dificilmente iria pegá-lo e comprá-lo, pois não lhe pareceria nada de seu interesse. A imagem branca acima é a quarta-capa original de um volume de Samurai X (Rurouni Kenshin).

Qual é o resultado desse outro cenário? Quase ninguém iria comprar por não saber que aquele produto estava sendo vendido. Somos movidos por estímulos visuais e a capa de um mangá é o local que mais serve para chamar a nossa atenção. Se um jornaleiro expõe essa capa branca, em vez de expor a verdadeira, o alcance de leitores seria mínimo e o resultado seria catastrófico. As capas espelhadas eram uma questão de sobrevivência naquela época. Sendo bem exagerado: sem elas, talvez hoje não tivéssemos um mercado de mangás consolidado hoje.

É claro que os anos passam e as coisas mudam. A Conrad praticamente deixou de existir, muitas outras editoras entraram e saíram do mercado, e as capas espelhadas ainda são a regra em uma pequena parte dos mangás publicados no Brasil. Será que os jornaleiros ainda não aprenderam qual é a capa certa? Será que ainda hoje é necessário termos capas espelhadas ou será que isso é um excesso de zelo das editoras?

A manutenção das capas espelhadas

A verdade é que nós, brasileiros, ainda não estamos acostumados com o local em que fica a capa dos quadrinhos japoneses. E é mais verdade ainda que mesmo os jornaleiros que trabalham há anos com esse produto ainda não aprenderam qual é o lado certo da capa dos mangás e os colocam em exposição de forma errada (quando colocam em exposição).

Na verdade, fora de grandes bancas, livrarias e lojas especializadas é praticamente nula a chance de encontrar todos os mangás expostos de forma correta. Muitas delas têm um volume de vendas tão pequeno que mangá é considerado só mais uma “revistinha em quadrinhos” como outra qualquer e o jornaleiro não sabe que o produto necessita desse “cuidado especial”.

Não precisa acreditar em mim. Faça você mesmo o teste. Visite várias e várias bancas de revistas. Visite livrarias, lojas especializadas e até mesmo sebos. Será difícil encontrar a capa certa exposta. Sério: ninguém tem ideia do local certo das capas dos mangás. Mesmo leitores que estão começando a colecionar mangás não sabem que a capa dos quadrinhos japoneses ficam “no final”, mesmo conhecendo a ordem de leitura…

Nesse sentido, a manutenção das capas espelhadas em detrimento das quarta-capas originais é um ato ainda necessário para a melhor exibição do produto nas bancas de revistas, pois os dois lados do mangá precisam ser atraentes para o leitor e nem sempre o material original oferece isso.

Note que a quarta-capa de To love-Ru é praticamente idêntica à de Samurai X e simplesmente não tem qualquer atrativo. Como uma editora iria colocar um mangá nas bancas com uma quarta-capa que não apresenta nada, correndo o risco do jornaleiro expor essa parte toda em azul? A editora até poderia fazer, mas mercadologicamente não faz sentido, é muito arriscado.

Obviamente, estamos dando a nossa opinião como observadores. Não estamos dentro nem da JBC e nem da Panini, então não temos como saber se havia a possibilidade do não espelhamento de capas, porém comparando a capa original com a capa nacional, podemos ver claramente que a decisão foi bastante acertada. Era a saída mais plausível e que daria menos dor de cabeça para as editoras.

Alternativas que vem sendo feitas

Visto que muitas quarta-capas originais são totalmente sem sal e não seria possível (ou não seria adequado) colocá-las nos mangás brasileiros não haveria uma solução para não espelhar as capas? Sim, existe uma solução e as editoras fazem isso.

JBC e Panini volta e meia criam uma quarta-capa própria e que seja tão chamativa quanto a capa original. Recentemente tivemos os exemplos de Sankarea, pela Panini, e Ultraman, pela JBC, com quarta-capas alternativas únicas para a versão brasileira.

E por que as editoras não fazem isso em todos os mangás? A verdade é que isso nem sempre é possível. Muitas vezes as editoras não conseguem imagens em alta definição para criar uma capa própria, pois os próprios japoneses não possuem ou mesmo negam. Os editores das duas empresas (JBC e Panini) e mesmo alguns funcionários já comentaram sobre isso várias vezes e é algo que não tem muita solução. O fim das capas espelhadas depende mais da disponibilização de material por parte dos japoneses do que de uma disposição das editoras nacionais.

Nesse sentido, é muito interessante o caso Green Blood. A JBC comentou que pretendia manter a capa e a quarta-capa originais (que é contínua), mas teve que fazer capas espelhadas porque os japoneses já tinham informado ao autor que aqui esse era o costume. Chega a ser até engraçado (ou inacreditável), visto que Hideout, do mesmo autor, que foi publicado por outra editora (tanto japonesa, quando brasileira) não teve capa espelhada.

No mais só resta torcer para que um dia, JBC e Panini não espelhem mais capas e sigam o exemplo de NewPOP, L&PM e outras…

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E para você, leitor, as capas espelhadas incomodam? Ou você não vê problemas nelas? Deixe sua opinião nos comentários…

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