Biblioteca Brasileira de Mangás

Desmistificando: Seriam os mangás no Brasil caros?

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Como definir algo assim?

Você já deve ter se deparado em algum momento com pessoas discutindo se o mangá está caro ou barato, se os preços valem seu custo-benefício, se é um roubo ou não. Com pessoas citando as diferentes características como provas e argumentos para defender ou atacar editoras. Na verdade, basta começar a falar de preços, aumentos ou lançamentos que inevitavelmente veremos comentários desse tipo. Mas de fato, seriam os mangás caros no Brasil?

Caro e Barato, Alto e Baixo

A primeira coisa que qualquer um discutindo preços tem que entender é que existem duas coisas totalmente diferentes, o valor e a “justiça” do preço.

O valor é óbvio e podemos definir se é um valor alto ou baixo em comparação um com o outro, assim um bilhão de reais é um valor alto, um centavo é um valor baixo. Sozinho o valor não significa muito e pode ser ao mesmo tempo alto e baixo a depender dos valores sendo comparados, por exemplo, um bilhão é baixo perto de um trilhão.

Às vezes a comparação não é feita com o valor de dois produtos, mas entre o produto e um referencial pessoal seu, como salário, o salário mínimo, o custo de vida e outros tipos de valores. Dessa forma alguém pode considerar 20 um valor alto, em comparação aos seus custos de vida, já outro usar notas de 100 como papel higiênico.

Para comparar dois valores, basta eleger um de referencial ou diferentes produtos. Assim, dentro dos mangás, pode-se afirmar que Knights of Sidonia tem um preço alto, R$17,50, e Blood Blockade Battlefront um preço baixo, R$13,90. As características deles nada influenciam em ser baixo ou alto, é uma mera questão de números, R$17,50 é maior que R$13,90. Não importa a comparação que escolher, no final a decisão de alto e baixo é a mesma para qualquer pessoa, pois independe da sua opinião, é pura matemática.

O que irá variar é o que você considera uma comparação condizente. Por exemplo, seria justo comparar um lançamento de offset com um de papel jornal? Um volume de luxo com um econômico? Um volume de mangá com o preço da cesta básica? E é aí que entra a ideia de “justiça” e da “justiça do preço”.

Quando falamos justiça do preço, de caro e barato, a coisa lembra muito o anterior, precisamos de comparações ou referencial, mas aqui entra o que torna ambos muitíssimo diferentes: a subjetividade. “Justiça” não é um valor matemático que possa ser comparado, algo justo ou injusto é definido de acordo com a sua perspectiva e ponto de vista. É como você interpreta todas as características vs. o preço, definindo se aquilo é um preço justo, caro ou baixo. Da mesma forma que você interpreta as características para definir a justiça das comparações.

Assim, se você não dá a mínima para tipos de papel, todos os mangás de preço mais alto que a média são caros, o benefício do papel não vale o aumento de preço na sua opinião, ou não vale aquele aumento de preço em específico. O mesmo pode acontecer quando a qualidade está tão aquém do que você quer que o preço, mesmo baixo, não vale a pena, o velho “não quero nem de graça”. Por causa da sua interpretação e o que você valoriza mais, a mesma coisa pode ser vista de forma diferente por pessoas diferentes, o valor do preço em si em nada interfere. É uma questão de custo-benefício. Compare, por exemplo, um mangá de 200 reais a um carro zero de 5 mil; o mangá tem preço baixo e é caro, o carro tem preço alto e é barato.

Sendo assim, podemos definir um universo, os mangás no Brasil, e colocá-los em ordem de preços altos e baixos facilmente, e todas as nossas listas terão a mesma ordem (Ghost in the Shell, CdZ – Kanzenban, Eden e Blade com os preços mais altos, Yo-kai Watch e One Piece com os preços mais baixos). Mas mesmo definindo o universo, é impossível listar de barato a caro, seria o mesmo que listar quais os gerentes mais atraentes (Medauar, Beth, Júnior, Del Greco, etc) e esperar que todos chegassem à mesma ordem, isto porque o valor que nós, pessoalmente, damos ao dinheiro, às características, às obras, à história, ao autor, ao formato, à aparência… é o que define se um mangá tem preço justo, caro ou barato. Logo de fato não é possível definir se o preço de um mangá é caro, barato ou justo sem incluir a sua opinião.

Ou seja, “Seriam os mangás no Brasil caros?” é uma pergunta sem uma resposta única, uma pergunta impossível de ser respondida. A pergunta correta seria: “O que você acha do custo-benefício dos mangás?”, “Você acha que mangás são caros?”.

O mais próximo que dá para fazer é discutirmos o preço em relação à variação de preço de outras áreas semelhantes, como o dos livros e revistas. Mas mesmo assim o resultado disso tudo pode não significar nada se você achar que um deles é superior ao outro, que o livro vale mais a pena que o mangá, por exemplo, que 50 reais num livro são muito mais bem gastos que 50 em um mangá.

Assim como cada um terá uma resposta a depender do que valoriza, não vale a pena discutir a justiça do preço ou afirmar categoricamente de estar caro. Ao invés, tente identificar o porquê dessa sua opinião e expressá-la, sempre respeitando o ponto de vista alheio, afinal não há certo e errado em gostar ou não de algo. É sempre importante mantermos em mente que o mundo não é feito para nós e, às vezes, algo que odiamos ferrenhamente é muito amado e comprado por outros, azar é o nosso de sermos a exceção.

Elitização

Se por um lado não dá para chegar num consenso quanto ao preço ser caro ou barato, dá para julgá-lo de acordo com quem consegue consumi-lo. Por exemplo, se diz um produto de “preço popular” aquele que pode ser comprado pelas massas, ou seja, que é acessível para a grandíssima maioria da população, especialmente para aqueles de renda mínima. E se diz ser um produto “elitizado” quando apenas uma faixa mais rica da população consegue consumi-los.

Como esse tipo de classificação utiliza o preço em relação ao poder de compra dos cidadãos, não há tanta subjetividade. De fato, mangás, mesmo os de preço mais baixo são produtos elitizados, assim como os livros e revistas do país. Vários estudos mostram repetidamente que quem consome publicações são a classe média mais alta para cima (famílias que ganham a partir de 2 salários mínimos) o que já exclui 66% da população (dado de 2013 do IBGE).

As próprias bancas são elitizadas (assim como as livrarias), segundo dados do IBGE e distribuidoras bancas de jornais andam fechando uma atrás da outra e agora se concentram mais nas áreas mais ricas, com várias cidades sem nenhuma banca sequer. Isso é algo que particularmente vi ao vivo, na minha região (no estado de São Paulo), nos 10 anos que vivo aqui, de 5 bancas passou para apenas uma, num distrito com mais de 45 mil habitantes, entre zonas humildes e zonas elitizadas.

Seja como for, aqueles 34% que conseguiriam consumir mangás foi drasticamente diminuído desde 2013, deles 16% estavam na faixa de 2 a 4 salários mínimos e com a crise econômica muitos acabaram pulando para baixo, diminuindo os possíveis consumidores e seus poderes de compra. A diminuição do poder de compra e o aumento dos preços devido à inflação e aumentos de custos parece criar ainda mais exclusividade daquilo que já era elitizado.

Com os lançamentos de valores bem mais altos que a média, como o artbook e kanzenban de CDZ, os formatos Big e outros materiais de luxo, principalmente pela editora JBC, essa polêmica de preços e elitização volta à tona. Mas com um significado ruim, como se um produto elitizado fosse o demônio em pessoa. Ser elitizado ou não é uma mera constatação de poder de compra, às vezes muito mais por culpa da situação financeira do país do que o preço do produto em si. Um livro de 20 reais é elitizado no Brasil exatamente porque sua classe média e baixa pode ganhar menos de um salário mínimo de renda familiar.

Ao mesmo tempo, a editora ou qualquer empresa é livre para lançar o que quiser e pelo preço que quiser, independente da sua visão de justiça de valor. Não existe um “direito” de poder consumir mangá, tal é reservado para o que se considera necessidades básicas, como água, luz, comidas da cesta básica e por isso mesmo existe o salário mínimo que deveria cobrir tais custos.

Muitas vezes para a empresa, ter menos consumidores é melhor que ter mais, assumindo que o montante pago pelo menor público supere o montante que o segundo pagaria. É assim que vivem várias lojas etilizadas e exclusivas, assim como vários restaurantes “gourmet”. Não há nada de errado se uma editora decide se “elitizar” ainda mais, o objetivo dela é gerar lucro, se elitizar gera mais, então elitize.

Se você não pode mais consumir aquilo, paciência, é assim que funciona o capitalismo, se você quer algo, se vire para conseguir dinheiro e pagar por aquilo. No fundo chorar por não poder comprar o kanzenban de CdZ não é nem um pouco diferente de chorar por não poder comprar uma BMW. A BMW está pouco se lixando, você não é o consumidor dela.


Desmistificando é uma coluna semanal, lançada nas quintas-feiras, sobre o mercado e mangás brasileiros e internacionais. Você pode ver todas as outras postagens anteriores desta coluna aqui. Sugestões e comentários também são sempre bem-vindos! 🙂

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