Desmistificando: A competição entre editoras

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Mas não entre seus produtos?

No mundo capitalista não é incomum se ouvir que a competição e concorrência regula o mercado e preços, ainda mais comum os leitores exacerbarem essa competição de produtos ao compará-los e eleger aquele que mais lhe agrada. Nada mais natural, mas será mesmo que existe uma competição de produtos no caso dos mangás, livros e outros produtos autorais?

Em duas instâncias diferentes, uma no Henshin+ e uma em um evento da NewPOP, ouvi a frase: “Somos rivais até conseguir o título, depois é só uma questão de trabalhar a obra.” Aqui eles estavam defendendo claramente que não há uma competição na venda dos produtos, mas na aquisição dos direitos. Seria isso realmente verdade? É indiscutível que as editoras são rivais e competidoras, elas trabalham na mesma área, com as mesmas editoras japonesas. Mas onde de fato acontece essa competição que é a questão.

Caso você não saiba, as editoras brasileiras vivem negociando e disputando obras com as editoras japonesas. Volta e meia vemos um pouco disso, quando, por exemplo, uma editora ou seu porta-voz diz querer muito um título que acaba sendo licenciado pela outra ou certos posts tristonhos de gerentes que perderam a “luta” pela obra que queria. Aqui há vários tipos de competição, já que em grande parte é a editora BR quem deve se mexer e ir atrás dos títulos, saber identificar títulos que farão sucesso antes das outras e conseguir a licença primeiro por si só já é um tipo de rivalidade. Mas há também a competição na forma de leilões e disputa de “quem dá mais”, não só em valores, como em propostas mais atrativas para a empresa dona da licença.

Uma vez fechado um contrato e tendo assinado a devida papelada, a empresa oficialmente ganha a competição e agora é a única que pode lançar aquilo em território nacional. Alguns talvez não compreendam a magnitude disso, de fato, possuir os direitos de Naruto significa que a editora é a única que poderá lançar volumes dessa obra. Mesmo que a publicação gere rios de dinheiro, nenhuma outra editora pode simplesmente correr e começar a lançar outros volumes. Ou seja, aquela versão de Naruto será a única opção disponível, até a empresa decidir relançar ou mudar as características ela mesma ou haver o cancelamento do contrato.

Isso é algo que geralmente não acontece com outros produtos. Se a paleta mexicana de amêndoa começa a fazer sucesso, de repente há paletas desse sabor por toda a cidade, cada uma com gostos similares, mas ao mesmo tempo diferentes. Se fosse como no caso dos mangás, apenas aquela loja poderia trabalhar com as de amêndoa, outras empresas lançariam paletas de amendoim, nozes, pistache e tamarindo, com cores, sabores e nomes semelhantes, mas que não são de fato amêndoas. Se você gosta de amêndoas a única alternativa seria aquela loja e aquela receita de amêndoas. Se você gosta de algo menos doce, não há essa opção. Se gostaria de amêndoa com chocolate, também não há essa opção. Ou é aquilo ou é nada.

Aqui vem o ponto principal da situação e do questionamento sobre competições, embora seja fato que as paletas disputam numa mesma área, a palheta de amendoim e a de amêndoas são competidoras diretas? Se a amendoim fizer uma promoção onde vem mais pelo mesmo preço, todo mundo irá comprar amendoim ou ainda assim a pessoa escolherá pelo gosto e seu amor pela amêndoa? O fanático por amêndoa em algum momento cogitaria simplesmente pegar outra coisa?

Nessa lógica, cada mangá, cada título e série, representaria um sabor. O cara que ama Naruto de coração vai simplesmente naquele mês comprar Bleach por ter vindo com um pôster e marca-páginas naquela edição? Isso é ainda mais forte nos mangás por serem livros e revistas periódicos não episódicos. Ou seja, são lançados a cada tanto tempo e não podem ser pulados, devem ser lidos na ordem. O cara jamais substituiria a compra do Naruto #25 pelo Bleach #25 por causa de extras naquele mês e voltar a comprar Naruto no próximo.

Na verdade, todos os mangás fazem parte de uma mesma categoria, mas Bleach e Naruto são produtos totalmente diferentes e exclusivos. E a principal razão para se comprar eles não é preço ou qualidade física, mas o conteúdo. É meio esquisito uma pessoas que compra qualquer mangá se ele tiver orelhas, por exemplo. Embora, é claro, seja possível que dentre o que ele esteja disposto a comprar, agora ele utilize características secundárias para definir o que realmente vai levar. Mas só comprar qualquer coisa com orelha seria tão esquisito quanto apenas comprar os volumes de numeração 3 de todas as séries ou apenas os com capas vermelhas.

Veja como é totalmente diferente de outros produtos, que marca de desodorante você vai levar naquele dia pode mudar totalmente de acordo com disponibilidade, promoções e lançamentos. Você facilmente pode decidir experimentar o “novo”, não ir com a cara e voltar a consumir o antigo na próxima compra. Esse tipo de coisa é impossível em mangás, os brindes e promoções não visam fazer você não comprar o da concorrente, mas levar também aquele tomo. O fato de você poder levar quantos quiser ou não levar nenhum também é prova de como a concorrência aí não é direta, mas uma sequência de decisões isoladas. Completamente diferente da situação de que você tem que levar um sabão em pó, não dois, não três, não um de cada, nem nenhum, mas um para suprir aquela necessidade. E todos os meses as promoções e benefícios de cada um são uma forma de competição direta inescapável.

É exatamente por todos esse motivos que pode ser considerado que não há competição direta, uma vez dona do título, todos os fãs automaticamente terão que consumir dela da forma que ela o fizer. Se o título não vende por essa editora, ele não voltará ao Brasil tão cedo, talvez nunca (com raríssimas exceções como Vagabond). Essa é uma situação muito típica de produtos como autoria, músicas, filmes, livros, quadrinhos…

Talvez você ainda não tenha conseguido visualizar como seria uma competição se não houvesse esses direitos. Pegue então os livros onde o direito autoral já caducou. Obras antigas como o Pequeno Príncipe estão disponíveis em diversas formas, preços e acabamentos. Traduzidos por diversas pessoas diferentes. Se você quer comprar a obra, você pode escolher entre um formato de luxo, um de bolso, um “normal”, com papel offset ou papel offwhite, capa dura ou brochura. Há imediata competição entre todos esses livros.

No caso dos mangás não, você tem uma opção. A competição entre eles não é muito diferente da competição de ir no cinema ou comprar um mangá, de sair fora ou guardar para comprar um mangá. No que você vai decidir que vale mais a pena gastar o seu dinheiro e em qual mangá é uma questão pessoal de gosto e não de competição direta.

É claro que os mangás diferentes disputam sua atenção, mas uma vez que você decida que quer consumir aquele produto, há apenas um disponível (excluindo situações em que a editora dá possibilidades diferentes, situações mais raras e mais maleáveis no quesito formato). Quem estaria competindo aí, na verdade, não seriam as editoras, mas os próprios autores, são eles que produzem o conteúdo e são eles que disputam, tentando criar uma história que vá ser bem recebida e venda bem, afinal vivem disso.

Que fique muito claro que a discussão não é se há ou não competição, tudo na vida é uma questão de comparação e ponderação de custo-benefício e valor. Uma pessoa que deixa de sair para comer fora para economizar e comprar mangá está criando uma competição entre mangás e restaurantes. Outro que tem limitação e só pode comprar uma certa quantidade de títulos também terá que priorizar qual irá continuar comprando e qual não irá.

Mas essas são concorrências pontuais. Imagina que você hoje foi na banca e viu duas novas séries estreando, ambas competirão pela sua atenção, se você só pode levar uma, essa competição é ainda maior. Ao escolher uma, entretanto, a competição cessa, no volume dois os dois volumes não estarão competindo de novo.

É menos uma questão de competição em si, de comparação, e mais uma questão de conquistar o interesse do leitor, de se tornar prioridade. E não por uma questão de comparação, você não julga se Naruto é bom comparando a outros shounens e, de repente, ao se lançar um novo, Naruto deixa de ser bom. As obras não são boas por terem alguma qualidade superior à outra, não é algo palpável, é uma questão de gosto e subjetividade. Independente de  haver outros mangás ou não sendo publicados, você vai sempre julgar o Naruto por ele mesmo. Agora se você consegue arcar com os custos, aí sim é uma imensa competição com, não só mangás, mas todos os seus gastos.

É por isso que alguns editores não veem competição entre si, mas uma competição em conseguir os direitos das melhores obras. Você leitor fica preso a cruzar os dedos e rezar para ser licenciado pela editora que você gosta. Afinal, você não tem escolha. A única coisa que pode fazer é decidir que não vale a pena comprar aquilo e gastar seu dinheiro com outra coisa, seja um outro mangá ou, quem sabe, um brinquedo novo para o cachorro, rs.


E esse foi o Desmistificando de hoje, a coluna semanal, lançada nas quintas-feiras, sobre o mercado e mangás brasileiros e internacionais. Você pode ver todas as outras postagens anteriores desta coluna aqui. Se você tem sugestões ou comentários utilize o formulário abaixo, são sempre bem-vindos! 🙂

15 Comments

  • kerlliskg

    Pode não haver uma competição de editoras em relação aos titulos apos aquisição da licença mas com certeza há uma competição das editoras em questão de qualidade dos produtos, como por exemplo a enquanto a JBC publicava mangás em diversos formatos a Panini só publicava em papel jornal (que dava pra ler a outra pagina sem precisar de virar), depois de um tempo com um monte de gente pedindo/reclamando ela passou a investir em formatos com maior qualidade. Investir em qualidade faz com que o publico se volte mais a determinada editora, é inevitavel que o titulo é o fator principal para aquisição de um mangá mas nao se pode ignorar que por mais que seja uma pequena parcela de pessoas existem aqueles que incluem mangás pela qualidade ou pela editora e também resolvem/deixam de colecionar um amado titulo por causa da qualidade em que esta sendo publicado

    • Roses

      Você não está incorreto, mas isso não é competição em si. O mercado exige uma qualidade x em seus produtos, seja revisão, tradução, papel, impressão, etc. As editoras irão buscar isso não por competição, mas por público consumidor.

      Esse seu exemplo, de papel offset, mostra bem isso. Em 2000 a Conrad lançou uma tonelada de mangás em papel offset, desse cavaleiros, até blade e dragon ball. Nessa época tanto a JBC quanto a Panini já existiam e só lançavam em papel jornal. Por volta de 2010, outra editora retornou com os offsets, a NewPOP, inclusive com costura interna, que é uma melhoria de qualidade no quesito encadernação que só ela usa nos mangás. Demorou mais anos até a JBC começar a usar em seus relançamentos e mais alguns anos até a Panini tentar. Qualidade física é algo cíclico que vem e vai de acordo com a necessidade do mercado.
      Não que eles não usam a qualidade como uma ferramenta de venda. Mas isso não é competição.

      No caso, você usa a qualidade e características como um estímulo para a compra, para chamar a atenção de um certo público. Mas ele é secundário. Você dificilmente entra numa loja de mangá e decide que levará um título de papel offset e aí para e lê os nomes. Você escolhe séries que deseja e dentre elas pondera os custos-benefícios. Essas séries só viraram competidoras por causa da sua escolha inicial e do fato de que você não pode comprar todas. Para o cara que pode comprar tudo, esse fator não criou a competição local.

      Entende o ponto? Essa “competição” a nível local é variável de acordo com o perfil e gosto do cliente. Oferecer produtos de características diferentes, incluso as obras diferentes, é uma ferramenta de englobar a maior quantidade de perfis de consumidores. Mas a competição entre eles só vai existir após passar pelo seu ponto de vista. É diferente da pasta de dente de menta da Colgate e Sorriso, eles têm os mesmos produtos, a competição aqui é direta. Mas eles também farão produtos únicos e diferentes, afim de conquistar pelo diferencial, onde vai entrar a ideia do custo-benefício de novo.

      Finalizando, a competição em si sempre tem de forma abrangente ou no seu bolso, a ideia do texto é apenas pensar um pouco sobre o assunto. 🙂

  • binho

    Roses, existe um outro tipo de competição que poderia ser mencionada. A competição no trabalho do título, no acabamento… As editoras japonesas são bem chatas com relação à licenciamento e qualidade. Então quem faz um acabamento melhor, acaba conseguindo abrir algumas “portas” com relação a outros títulos. Não deixa de ser uma competição…

    Enfim, como sempre ótimo texto. bj na nuca <3

    • Roses

      Binho, eu entendo a lógica, mas não acredito nisso. Vendo a qualidade da Astral, por exemplo, da online no passado e várias outras que lançaram uma porção de coisas em péssima qualidade… pelo que eu me lembre, os japoneses podem ser chatos com as capas e pedidos, mas não são nem um pouco com formato e qualidade de trabalho. A JBC mesmo foi a senhora quadros brancos durante décadas e japonês nenhum nunca ligou. Japoneses podem ou não ser chatos e exigentes, mas não existe nada palpável quanto a uma competição de qualidade.

    • renatomotta

      Se não estou enganado o que vai para ser aprovado pelos japoneses são as capas e alguns detalhes que variam de obra para obra, mas o miolo do mangá não passa por aprovação a não ser em casos raríssimos.

      • Roses

        Sim, pelo que dizem é a capa e a folha de direitos autorais. Mas o junior já disse que novel eles mandam o livro todo, algo assim.

  • Fabio Rattis

    a coisa mais boba q eu acho, é os heaters kkkkk. comparando Panini e JBC :S. obs. claro q eles são tudo contra a JBC claro, e sempre a favor da Panini.
    a frase q eu mais odeio ler “se a Panini publicasse esse mangá!”.

    • Alexandre

      Cada editora tem suas qualidades e defeitos né Fabio. Mas hoje, dentre todas as do mercado brasileiro, ainda prefiro a Panini. A JBC, no entanto, trouxe boas inovações, como o formato BIG, um Kanzenban… a NewPOP possui acabamentos melhores que de ambas, no entanto peca em algumas traduções. Enfim, é isso =D

  • Alexandre

    Bom post! Só um toque: “estreiando” não, “estreando”. =D

      • Alexandre

        É que ninguém fala “estreando”, mas sim “estreiando” né hruaheuaheauahe acontece… a linguagem escrita bem que poderia ser igual à falada rs.

        • Roses

          Na verdade tenho dislexia que afeta minha escrita. Embora não afete a fala, na hora de escrever eu confundo vogais e sons parecidos. Se não me policio confundo coisas como conseguirão e conseguiram, vaca e faca, disser e dizer, forma e fôrma. Às vezes acaba passando mesmo. Para você ter uma ideia, se fico muito, muito estressada eu literalmente não consigo escrever certas palavras mais “complexas”, a frustração acumula e a coisa trava. Minha última travada fenomenal foi em “arejar”. Em inglês então, não conseguia escrever “intrapreneur” ou “rendezvous”.

          Em todo caso, aprecio bastante o toque, se notar algum erro, fala mesmo, fico mais atenta! 😀

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