Biblioteca Brasileira de Mangás

Desmistificando: A grande conspiração das editoras?

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amazonComo lojas conseguem vender por preços muito menores que de capa

Mais e mais tenho visto teorias de conspiração de como as editoras vendem por preços muito altos para enriquecer e que o fato de lojas conseguirem vender por preços baixíssimos prova isso. Tudo isso é na verdade absurdo, mas dá para entender como alguém que não tenha conhecimento no assunto possa acabar tendo essa impressão. Para ajudar a conscientizar os leitores, vamos discutir um pouco como essas lojas conseguem fazer isso por partes:


O preço de capa


Quando uma editora vai decidir o preço de sua obra, muitas coisas entram na conta, entre elas os custos, a margem de lucro pretendida, valores de distribuição e preço concorrentes. No final, todo volume, não importa como será vendido, tem que pelo menos se pagar e dar algum mísero lucro, logo o preço acompanhará as possibilidades mais caras.

No caso de mangás, a “possibilidade mais cara” é a distribuição em bancas, não só se gasta um montante grande para pagar a distribuidora em si (graças a um país de dimensões continentais e o monopólio), ainda tem que ter a porcentagem das bancas e revistarias.

O mesmo não ocorre na venda em livrarias, mesmo usando distribuidoras de livrarias, o preço é muito mais em conta, pois as lojas compram e fazem pedidos, para então serem enviados os produtos. No caso das bancas, os produtos são enviados mesmo que não venda nada, mesmo não vendendo, os custos de distribuição já estão ali.

Por causa da “falta” desse custo maior, as próprias editoras podem fazer descontos para as livrarias, que por sua vez podem repassar esse valor aos clientes na forma de promoções, sem que tenham que tirar nada da sua porcentagem. É daí, geralmente, que vemos aqueles descontos de 5 a 20% nas lojas e livrarias por toda parte.

Mas se por um lado isso explicaria os descontos que são possíveis nas assinaturas e lojas em geral, como a Saraiva e a Amazon conseguem vender por preços às vezes beirando metade do original?


Os custos de uma loja online


Apesar de óbvio, muitas pessoas não percebem a diferença de custos entre manter uma loja online e uma loja física. Enquanto na loja física são necessários funcionários para arrumar prateleiras, atender clientes, fazer os pagamentos, fora o local para estacionar, a área para atender e colocar os produtos em exposição, as contas de luz, água, telefone, internet; na loja online tudo ocorre de forma automatizada.

A única coisa que a loja online precisa é um site-loja, alguém que atualize o site (colocando produtos, preços e quantidade disponível), um galpão com produtos, alguém que embale e envie os produtos vendidos e um grupo para contato e relação com o cliente. Em lojas online pequenas, tudo isso pode ser feito por uma única pessoa. Todos os demais procedimentos, como exposição, pagamento, gerenciamento, etc, são feitos automaticamente ou com meros cliques. A única coisa a mais a se pagar é um site-loja, seja mandando fazer um ou pagando mensalidade de lojas virtuais já feitas e personalizando.

O que significa que é absurdamente menos custoso vender online que vender fisicamente. E isso dificilmente é algo do mundo das livrarias, basta checar grandes sites na internet e comparar os preços nas lojas físicas. Se você é daqueles que procura o melhor custo-benefício, com certeza já percebeu que várias promoções e preços só a internet faz.

Isso significa que mesmo entre as livrarias, que já poderiam estar recebendo com descontos e os repassando, as online conseguiriam praticar ainda mais promoções e descontos por terem menos custos de funcionamento. De fato, nas livrarias com ambos tipos de loja, você encontra bem mais descontos nas virtuais, ainda com possíveis “cupons” com ainda mais abate no preço.

Mas isso ainda é o bastante para justificar a promoção da Amazon de Fullmetal Alchemist por 8 reais, sendo o preço de capa R$16,90?


O poder de um gigante


Você já deve ter ouvido falar da “Black Friday”, “Black Week” e “Cyber Monday”, são todos “eventos” de vendas, originalmente americanos, atualmente mundiais, onde são oferecidos diversos descontos, alguns lugares chegando a 50% off e nas online até coisas 85% off. Desconsiderando as “safadezas” que ocorrem e que você já deve ter ouvido falar, como diabos lojas físicas conseguem praticar esses descontos e se pagarem e quem sabe terem grandes lucros?

Para entender isso precisamos compreender como a quantidade de clientes define o seu custo de funcionamento. Cada vendedor teria um valor mínimo de clientes e produtos que e a quem deve vender para pagar os custos relacionados a ele, e também um valor máximo que conseguiria atender devido a suas limitações físicas, psicológicas e temporais. Quanto mais o número beira o mínimo, menos lucro esse funcionário traz, mas quanto mais próximo ao máximo, mais lucro.

Em eventos como esse, a quantidade de pessoas comprando é tamanha que todos os funcionários ficam próximo ao seu máximo, tornando tudo absurdamente lucrativo e justificando a capacidade de dar descontos. O mesmo acontece nas lojas onlines, mas dessa vez relacionado ao rapaz que empacota e envia os pedidos, se ele passar das 8h às 18h empacotando coisas, seu lucro estará no máximo possível.

Perceba como o montante que você movimenta faz grande diferença. Aqui utilizamos apenas os funcionários como exemplo, mas existem vários outros pontos onde esse montante também influencia, como os custos fixos de luz, água, domínio e servidores, os custos de envio (quanto mais você movimenta, mais diluído fica os custos de transportadoras); dando grandes lucros para a empresa e permitindo esse repasse na forma de descontos.

O motivo de entrar nesse assunto, aparentemente desconexo, é para que você entenda que tamanho aqui é documento. Uma grande empresa como a Saraiva, Submarino, Amazon, Fnac, Kabum, Cobasi, Americanas, Casas Bahia e seja qual mais você lembrar, já trabalha com quantidades enormes de clientes. No caso das lojas virtuais dessas gigantes então, acaba virando mais um canal de venda.

Essas empresas acabam não precisando ganhar grandes margens de lucro como a pequena livraria precisa. O montante que movimenta é tão grande que o mínimo lucro somado é uma quantia exorbitante de dinheiro que paga tudo e traz o lucro. Logo ela pode se dar ao luxo de dar grandes descontos da mesma forma que esses eventos conseguem.

Por causa do seu tamanho também, ela pode até sacrificar o lucro de certo produto, só para se desfazer daquilo que não está saindo e liberar o espaço nos armazéns para algo novo. Que se diga de passagem é o mesmo motivo de existir esses eventos no final de novembro, para liberar espaço e se desfazer de coisas “atoladas” e assim se preparar para os novos produtos que chegam para o Natal.


A conspiração das grandes redes?


E essas empresas são tão grandes, mas tão grandes que precisam dessa quantidade de clientes para se manter. Se algo acontecesse e todo mundo não comprasse nada na Americanas por um mês, a Americanas estaria instantaneamente enterrada em prejuízos.

Como uma empresa poderia atrair imensas hordas de clientes? Oferecendo promoções e descontos, claro! A eterna batalha de descontos dos grandes supermercados é exatamente essa necessidade de atrair clientes o tempo todo. Sendo assim, as grandes redes já tentarão praticar preços abaixo de todo o mercado apenas para se tornar a primeira escolha de seus clientes, às vezes uma batalha de centavos.

Mas existe mais um motivo para justificar a quantidade e nível de descontos que essas empresas praticam. Embora beire a ilegalidade, uma loja dessas pode escolher vender um produto e sacrificar totalmente qualquer lucro, pelo exato preço que pagou à empresa que produziu. Isso é feito, literalmente, para destruir as concorrentes e/ou criar um público consumidor fiel.

Veja só, se uma empresa movimenta mais de 1000 produtos por dia, não ganhar lucro de, supomos, 5% dessa quantidade não é algo que mataria ela. Mas as lojinhas e pequenas empresas não só não podem sacrificar esse lucro, como não conseguem viver sem essa venda. Essa destruição de “pequenos negócios” é uma assunto extremamente debatido, quem tiver interesse em descobrir mais sobre isso, a internet está cheia de artigos.

No caso de formar clientela, a lógica é a mesma, sacrifica-se o lucro para atrair os clientes daquele segmento, afinal quem resistiria a um desconto de mais de 50% em FMA?! Com o tempo, após a fidelização e estabilização de sua posição no mercado, aquela empresa passa a diminuir (geralmente sutilmente) os descontos e passa a trabalhar novamente com valores baixos, mas que trazem lucro para a empresa.


Conclusão


É estranho que empresas como a Saraiva e Amazon consigam oferecer aqueles preços? De forma alguma. Exatamente como e se ela está sacrificando totalmente a parcela de lucros é algo que não dá para saber sem acesso às finanças da empresa, entretanto é exatamente o que acontece em vários outros segmentos, não há nada de anormal nisso.

A loja virtual da Cobasi (grande rede de pet-shop) durante o mês todo de novembro e agora em dezembro está vendendo antipulga por metade do preço ou na promoção de pague um e leve dois. Estaria então o preço do antipulga superexagerado, uma conspiração dos produtores? Claro que não. A Cobasi consegue isso por ser uma grande empresa, talvez por estar tentando desovar um produto que não estava saindo ou próximo da validade.

Estranho seria se a lojinha física da esquina estivesse conseguindo vender com esses valores, aí sim isso seria um indicativo de margens de lucro muito grande. Ou que a procedência desse material fosse duvidoso, tipo roubaram o caminhão cheio de mangás da JBC (?).

***

É importante também, como qualquer consumo consciente, que você entenda as consequências de consumir através dessas grandes redes e seus descontos imbatíveis. Você como cliente vai sempre buscar o menor preço, isso é normal, mas ao fazer isso você coloca em risco todas as pequenas empresas e outros meios de venda que não conseguem.

Por exemplo, se todo mundo apenas comprar via Saraiva e Amazon, a primeira coisa que vai sofrer é a distribuição em bancas. Já vemos várias obras que não são mais distribuídas em bancas e isso vem acontecendo mais, embora ainda muito de leve. Se chegar ao ponto que livrarias vendam mais que a banca, manter a distribuição em bancas pode se tornar não viável e ser extinta.

O mesmo vale para as “comic shops”, tivemos um boom delas nesses últimos anos, mas com a entrada agressiva de grandes livrarias e seus descontos, poderemos ver várias delas fechando por simplesmente não poder concorrer.

Se você é daqueles que temem um mundo com mangás apenas nas livrarias, por enquanto fique sossegado, poucas dessas gigantes parecem interessadas na área e estão se focando mais em certas publicações, não na totalidade do mercado, com estoques bem baixos e catálogos fracos. Além disso, a Panini é uma empresa de revistinhas, ponto, ela não só trabalha quase que exclusivamente com bancas, como nem ISBN próprio a maioria das suas obras têm. Para algo desse nível acontecer, a Panini teria que mudar totalmente sua tática comercial e passar a diretamente trabalhar com distribuidoras de livros e tratar todas as suas publicações como livros de fato.

Então, por enquanto, essas consequências parecem apenas futuros longínquos possíveis, independente do que queremos ou não que aconteça, rs. Mas é algo interessante para ficar de olho!


E esse foi o Desmistificando de hoje, a coluna semanal, lançada nas quintas-feiras, sobre o mercado e mangás brasileiros e internacionais. Você pode ver todas as outras postagens anteriores desta coluna aqui. Se você tem sugestões ou comentários utilize o formulário abaixo, são sempre bem-vindos!

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