Resenha: O interessante 1º volume do mangá “Your Name”

Superando os clichês…

Se eu fosse você, sexta-feira muito louca, Uma santa mudança, Garota Veneno, esses e diversos outros filmes possuem uma característica em comum que os assemelha e os fazem, por assim dizer, um ser cópia do outro, embora só partam da premissa inicial e cada um siga o restante da obra à sua própria maneira. Qual premissa? Duas pessoas trocam de corpos.

Regra geral, essas obras são de comédia e buscam fazer com que uma pessoa entenda a outra, utilizando na prática aquele ditado de “estar na pele do outro”. Além disso, outra característica comum é que essa troca ocorre devido a uma maldição ou item mágico. Há variações obviamente. Em Garota Veneno, a protagonista troca de corpo com um bandido com quem nem conhece. Já em Kokoro Conect, um animê de 2012, um grupo de amigos é alvo de experimentações de alienígenas.

Em outras palavras, a troca de corpos entre duas pessoas é um clichê usado, reusado e mais usado ainda, ano após ano em todas as mídias possíveis. O motivo parece claro, ele é um tema que agrada. Ainda que muitas das obras sejam fracas, a ideia geral de viver uma outra vida, no corpo de outra pessoa, e as confusões que isso acarreta parece atrair o público.

Nesse sentido, em 2016 o Japão viu nascer um fenômeno, um filme de animação que foi conquistando o público e alcançando altas bilheterias semana após semana, ao ponto de se tornar o filme de animação mais visto da história do país. Esse filme era Your Name, do consagrado diretor Makoto Shinkai. Mesmo quem não gostava muito dos demais filmes do diretor pareceu ficar encantado por essa película, descrita por muitos como um espetáculo visual e de diversas sensações. Your Name traz à tona novamente o tema da mudança de corpos, colocando dois jovens que nunca se viram em uma misteriosa troca sem razão aparente.

Mas se esse tema é tão comum, como é que Your Name conseguiu tornar-se um fenômeno? Sim, pois, por mais que o clichê agrade, ele não seria o suficiente para fazer as pessoas gostarem tanto da obra, então o que essa película tem a mais? Acontece que a troca de corpos é só o começo, o mínimo do mínimo, e há toda uma história de drama e romance que evolui em um crescendo e termina de uma forma excepcional.

Adaptado para livro e quadrinhos, o sucesso do filme foi tanto que muito rapidamente editoras de mangás de todos os países do mundo correram atrás de uma das adaptações para publicar. O Brasil não ficou de fora e o título chegou por aqui em agosto pelas mãos da editora JBC. De posse do primeiro volume, o blog BBM vem dar a sua opinião inicial sobre o mangá.


Sinopse oficial


Mitsuha é uma menina que vive no interior com a família. Ela se sente entediada com tudo e começa a desejar que numa próxima existência seja um menino da cidade grande. Taki é um garoto de Tóquio que divide os dias entre escola e um trabalho de meio período. Ele se sente sozinho mesmo em meio à multidão, mas se mantém calado sobre o assunto.

Um dia, Taki e Mitsuha acordam com a sensação de estarem no corpo de outra pessoa. Ambos acham que estão vivendo um sonho apenas, até que no dia seguinte começam a ser questionados por atitudes estranhas quando retornam para seus respectivos corpos. As trocas se tornam recorrentes e eles começam a registrar as alterações que fazem na vida um do outro. Uma misteriosa amizade surge entre eles e abre caminho para sentimentos novos e até então desconhecidos.


História e desenvolvimento


Sempre que vejo um filme ou leio um mangá que adapta uma obra de Makoto Shinkai sinto que estou sempre acompanhando uma mesma linha temática em que o autor busca mostrar o sofrimento humano frente aos desafios da vida. De certa forma, as obras de Shinkai podem ser descritas como melancólicas ao apresentar personagens com dramas intensos e que nos fazem sentir uma angústia no peito desde as primeiras páginas do mangá ou minutos do filme.

Your Name é diferente. Ele dista demais de toda a característica contemplativa e angustiante de Shinkai, com um toque mais alto astral, com um clima mais ameno e toques de humor que o tipo de história precisa. Não somente isso, quando o drama começa a assolar os personagens, a obra não te joga para baixo como em outros títulos do autor, e sim mostra uma esperança, com um personagem totalmente perseverante. O Shinkai de Your Name é um Shinkai diferente, mais humano diriam uns, mais comercial diriam outros. Um Shinkai menos triste.

Ainda assim, a obra ainda guarda muito da marca registrada do autor. O tema da separação pela distância, por exemplo, bem recorrente nas obras dele e visto em títulos como The Voices of a Distant Star e 5 cm por segundo, é novamente evocado em Your Name. É fácil reconhecer o reaproveitamento de obras anteriores que o autor fez nesse filme, uma colagem de seus clichês pessoais que acabou por criar uma obra única e marcante.

O primeiro volume do mangá, aqui analisado, apresenta apenas aquele clichê básico das histórias que seguem a premissa inicial da troca de corpos, mostrando sutilmente a vida pessoal de Mitsuha e seus desconfortos diante das pessoas de sua cidade por participar de um ritual e ser filha do prefeito, além dos problemas ocasionados pela troca (comportamentos estranhos, por exemplo). Em meio a isso, vamos conhecendo os personagens, nos afeiçoando a eles e vendo como Mitsuha e Taki “resolvem” os problemas um do outro.

Em outras palavras, não existe nada de muito inovador nesse primeiro volume, a não ser o fato de que as duas pessoas que trocam de corpos serem de cidades distantes. Durante boa parte do mangá fica a sensação de que ele será mais do mesmo, uma história qualquer e sem pretensão, mas ocorre um plot twist do final do volume que muda tudo, mostrando que o clichê do “conhecer o outro” foi rompido e te obrigando a reler o volume e pegar as informações das entrelinhas.

Sim, pois há coisas que ficam escondidas no mangá. Cada frase e cada detalhe se mostrará importante para o decorrer da narrativa. A releitura me fez descobrir intuitivamente o que aconteceria no restante da história, afinal o modo como acabou o primeiro volume e toda a experiência anterior com Shinkai – especialmente o já referido tema da separação pela distância – me levava a pensar que o desenvolvimento poderia ser parecido.

O resultado é que vi obrigado a ver o filme antes de seu lançamento oficial no Brasil para ver se o que eu havia pensado era verdade. E era, mas o filme me mostrou outras várias coisinhas no mangá que eu havia deixado passar e que também são importantes para o decorrer da história…

-O mangá é tão bom quanto o filme?

Existe uma diferença básica entre o mangá e o filme de animação. O filme te dá as coisas mastigadas e explicadas de forma simples e fácil, de modo que até uma criança de 10 anos consegue entender o que acontece sem maiores problemas.

O mangá, por outro lado, deixa subentendidos para você ir juntando pequenos detalhes e criando informações importantes, como o motivo de a avó de Mitsuha não gostar do pai dela. Pessoalmente eu prefiro o método do mangá por ser menos didático, embora ele também tenha o seu didatismo aqui e ali. Por outro lado, o início da história em quadrinhos não tem uma cena importante do início do filme e que se repetiria no decorrer dele, tornando um demérito da versão em quadrinhos até o momento.

Pela minha experiência com as obras prévias de Makoto Shinkai, a adaptação em mangá é sempre melhor e não houve nenhuma exceção até hoje! Os filmes podem ser bons, mas as adaptações sempre se sobressaem de um jeito ou de outro. Mas eu não posso dizer ainda se a adaptação em mangá de Your Name é melhor, pois o primeiro volume é apenas a introdução, é o clichê da história, indo até um determinado ponto do filme. O filme torna-se grandioso após esse ponto, rompendo o clichê (e se apegando a outros do autor) e, aos poucos, crescendo de forma sensacional para se tornar a melhor obra de Shinkai.

Por ora, o que posso afirmar é o que mangá é bastante competente no que faz. Ranmaru Kotone, responsável pelo mangá, consegue fazer uma obra muito consistente e totalmente à parte do filme, utilizando a linguagem própria dos quadrinhos para contar uma história muito boa e de uma maneira que eu considero bastante interessante. Há diversas passagens que são diferentes em relação ao filme, mais exploradas em um momento, menos em outro, mas tudo sem dar a sensação de destoar da obra original, com exceção da cena inicial que comentei mais acima. Em resumo, Your Name é um bom mangá e que sustenta sozinho, independente do filme.


A edição nacional


-Acabamento

A edição veio no formato 13,5 x 20,5 cm, miolo em papel offwhite e capa cartonada simples com capas internas coloridas. A edição ainda contou com as primeiras páginas coloridas. O preço foi R$ 15,90.

Não há qualquer problema de encadernação no mangá, sendo maleável e permitindo a leitura e o folheamento sem qualquer percalço. O papel, que era um grande mistério antes da publicação, é muito bom visualmente falando, destacando bem os desenhos e garantindo uma ótima qualidade de impressão. Ele é bastante parecido com o Lux Cream (até porque Lux Cream é um tipo de offwhite), mas também aparenta ser um pouco diferente, embora eu não consiga dizer a vocês em quê se difere.

Assinatura da JBC: Postal + Mangá + Marcador de páginas + mini-pôster.

O único demérito físico da edição são as páginas coloridas serem também em offwhite, pois perdemos um pouco da vivacidade das cores que se destacariam melhor se o papel fosse couchê. Mas fora isso o volume está impecável e é, de longe, um dos três mangás com melhor custo benefício do mercado, ao lado de A voz do silêncio e Madoka Magica – The Movie Rebellion, ambos da NewPOP.

Sem dúvida alguma, a JBC conseguir encontrar um papel bastante interessante, de boa qualidade e que não impacta demais nos preços. Se ela utilizar isso nos futuros lançamentos será só alegria^^.

-Adaptação

A adaptação da JBC em Your Name está boa, mas possui um ponto que eu considero bastante questionável. Em alguns momentos, a empresa não localizou o texto totalmente, deixando algumas japonesices que poderiam ter sido modificadas.

Na página 30, por exemplo, a editora manteve o jogo de palavras original (tasokare / tasogare) em vez de adaptar. Não ficou bom, pois fez a gente perder um pouco da imersão na história, além de ficar um pouco sem sentido. Tudo bem que aprendemos que “tasokare” originou a palavra “tasogare”, mas o que é “tasokare”?. Não há uma explicação adequada…

Na Argentina, a Ivrea enfrentou o problema de forma diferente, buscando adaptar e eliminar as japonesices. Não tenho conhecimento linguístico de espanhol o suficiente para saber se a adaptação foi acertada ou não, mas eles eliminaram os termos em japonês e conseguiram fazer a leitura ficar fluída e sem estranhamentos.

Eu até entendo o que a JBC quis fazer mantendo o original para conseguir passar o jogo de palavras que resultaria no Kataware-doki, a “hora do quem é você”, mas sinceramente uma adaptação seria mais eficaz.

É claro que estou dizendo isso sem conhecer nada de japonês. Pode ser que as palavras sejam realmente importantes e intraduzíveis e por isso a JBC manteve, mas como uma editora estrangeira adaptou e eu prefiro sempre uma adaptação, eu acharia melhor que a edição brasileira também tivesse feito isso.

-Placas e etc

Em relação às placas e demais inscrições ao longo do volume, a JBC manteve o que faz de mais tradicional, localizando para a língua portuguesa apenas o que era importante, como as inscrições no quadro negro, registros de caderno, celular, etc. As placas menos importantes a editora deixou em japonês colocando legenda em algumas situações e deixando sem outras. É isso o que a JBC faz em todos os seus mangás, então não há nenhum questionamento a esse respeito.

Para encerrar e só para não passar batido, como fizemos uma comparação acima, é importante uma nova comparação com a versão hermana. A Ivrea traduz tudo^^. Todas as placas, por menores que sejam, estão lá em espanhol. Trata-se de uma prática recorrente da Ivrea. Ela localiza tudo e mais um pouco para o espanhol argentino (e é constantemente criticada por isso). Mesmo as onomatopeias são redesenhadas por inteiro. Vejam abaixo, duas comparações entre JBC e Ivrea.

*A comparação foi feita utilizando preview da edição argentina, disponível no site da Ivrea, clicando aqui. Como o preview tem apenas as 40 primeiras páginas, a comparação se restringe a elas. 

Veredicto


O mangá Your Name faz jus à fama do filme apresentando uma história muito boa de se acompanhar. Embora o primeiro volume seja apenas aquela parte mais clichê, ele já se mostra com qualidade o suficiente para ser um dos melhores títulos do ano.

Aliado a isso, a edição física do mangá está impecável com um dos melhores custo-benefício do mercado. Se você deseja uma boa história, uma qualidade física excepcional e o preço acessível, Your Name é a obra perfeita para você.

***

Por fim, vale lembrar que o filme será exibido no Brasil em outubro, na rede Cinemark. Se ele estiver disponível na sua cidade, não deixe de ir. É uma oportunidade única assistir a um filme desses em uma tela de cinema.


Ficha Técnica


TítuloYour Name

Autor: Makoto Shinkai; Ranmaru Kotone

Editora: JBC

Acabamento: Papel offwhite, páginas coloridas, capa cartonada.

Número de volumes: 3

Preço: R$ 15,90

Onde comprarAmazon/FnacSaraiva

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6 Comments

  • Alison Varjolo

    Que curiosa a tradução da Ivrea xD

    O que aconteceu ali é o seguinte… tasogare significa crepúsculo, o que a JBC colocou logo depois da palavra, e tasokare é a palavra que originou tasogare. Aparentemente, foi no período Edo onde surgiu essa palavra, mas, até onde eu sei, ninguém sabe exatamente por que isso aconteceu, e só existem teorias sobre isso. A teoria mais propagada é que ela veio da expressão 誰そ彼 (tasokare). Por exemplo, imagine que você está parado em um lugar e avista, ao longe, uma pessoa vindo em sua direção. No caso, se isso acontecer durante o crepúsculo, fica difícil de identificar o rosto da pessoa quando ela está longe, então, aparentemente, as pessoas costumavam falar a expressão “tasokare?”, que significa algo como “quem é aquele?”, quando isso acontecia (eu só não sei se era no dia a dia ou na ficção). Com isso, o crepúsculo ficou fortemente associado com a expressão “quem é aquele?”, e a palavra japonesa pra crepúsculo surgiu dessa expressão.

    O que a Ivrea fez ali foi traduzir literalmente. Eu só achei meio estranho porque, pelo menos pra mim, “ocaso”, um sinônimo de crepúsculo (curiosamente, “ocaso” também existe em português), não soa parecido com “¿Quién es él?”. Sei lá, acho que se fosse adaptar teria que colocar uma expressão mais parecida, tipo “ô, se caso!” com “ocaso” (exemplo horrível), dizendo que a palavra se originou dessa expressão porque as pessoas tinham um forte desejo de casar ao pôr do sol xD

    O único detalhe é que, no fim das contas, seria uma origem inventada. Adaptar piada é mais fácil, mas adaptar origem de palavra é mais complicado, ainda mais porque você não pode mudar a palavra “crepúsculo” (ou algum sinônimo) nesse contexto. Talvez a JBC só tenha preferido preservar a origem real de uma palavra em japonês do que inventar a origem de uma palavra no português. Na versão da Ivrea, ela simplesmente tirou a informação de que a palavra surgiu da expressão e só colocou que soa parecido, mas a professora está apontando pra palavra “ocaso” e dizendo “embora ela seja parecida com essa expressão, ocaso significa ocaso”, o que soou meio estranho pra mim. É tipo você dizer… “hoje vamos falar sobre a palavra ‘camomila’ que, embora soe como ‘calma, Camila!’, significa camomila’”. No mínimo, acho que é uma adaptação complicada.

    • Gostei do comentário e das informações^^.

      Mas sei lá, entre uma opção questionável e outra também questionável, eu prefiro sempre a adaptação por parecer mais “verossímil”. Você falou que na versão argentina, a professora está apontando para “Ocaso”, mas na versão brasileira a professora não está apontando para “tasokare” e fica completamente esquisito. O texto está em português no quadro, não tem nada de japonês lá. É meio inverossímil…

      Mas, enfim…

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