Resenha: Platinum End (volumes 1 e 2)

Tentando se tornar deus (mas não o do novo mundo)

Ser fã de Death Note e Bakuman é sempre ficar atento ao que a dupla Tsugumi Ohba e Takeshi Obata lança, pois dela pode vir uma história interessante e que cative apesar dos deslizes e inconsistências ao longo do caminho. Assim, desde que Platinum End, o mais novo mangá da dupla, foi lançado no Japão tive interesse em ler o título, mas eu não tinha a menor paciência para scanlations e fui deixando passar.

A obra começou a ser lançado no Japão em novembro de 2015, na revista de mangás shonens Jump Square, da editora Shueisha, que já abrigou obras como To Love-Ru Darkness e Gate 7, e segue em publicação até hoje. Atualmente o mangá teve seus capítulos compilados em 9 volumes e não há previsão para o final.

Quando, em fins de 2017, a editora JBC anunciou o lançamento do mangá no Brasil eu finalmente vislumbrei dar uma chance a ele, mas assim que o primeiro volume foi publicado, em abril de 2018, não havia orçamento para ele e para não comprometer minhas finanças pessoais resolvi adiar a aquisição. Quem muito corre, nunca chega.

No último dia 02 de agosto, porém, a editora começou a vender o título também em formato digital e isso foi suficiente para eu conseguir adquirir os dois primeiros volumes da obra. Como eu possuía alguns valores na Google Play (que eu havia ganho em um desses aplicativos para Android que lhe dão créditos por ver anúncios e responder pesquisas) terminei por não gastar nenhum centavo e pude ler o mangá de forma oficial e de graça. O resultado das minhas impressões de leitura você verá abaixo.

  • Sinopse Oficial

Mirai Kakehashi é um jovem que não tem mais vontade de viver. Além de perder a família em um terrível acidente, era maltratado todos os dias pela sua família adotiva. Cansado da vida infeliz, o jovem se joga de um prédio no dia de sua formatura no Ensino Fundamental. Porém, neste momento, Mirai se encontra com um anjo que poderá mudar totalmente a sua vida!.

  • História e desenvolvimento

A sinopse pouco ou nada diz sobre o mangá, apenas nos fazendo saber que a obra terá toques de fantasia sobrenatural, com a presença de anjos, e de que o protagonista é um daqueles típicos personagens depressivos à lá Shinji Ikari.

Se o primeiro ponto é verdadeiro, o segundo nem tanto. No início, Mirai é realmente depressivo ao ponto de decidir se suicidar em poucas páginas, mas logo ele é salvo por um anjo chamado Nasse e este lhe diz uma verdade que o faz começar a enxergar a vida com outros olhos e querer buscar a própria felicidade. A partir daí não veremos mais esse traço e a história verdadeiramente começa.

A história de Platinum End é basicamente assim: deus deseja se aposentar e transferir suas funções para um humano mais jovem. Para isso, treze anjos são encarregados de encontrar treze humanos para participarem de uma competição e aquele que for mais capaz será escolhido como deus.

Cada um dos candidatos a deus recebe um ou mais poderes específicos que podem lhe trazer a felicidade: a liberdade e o amor. A liberdade são as asas que permitem que a pessoa voe muito rápido sem ser notado, e o amor é a flecha vermelha que faz qualquer pessoa se apaixonar por 33 dias.

O problema é que esses poderes podem ser usados tanto para o bem, quanto para o mal, a depender da índole da pessoa e de sua noção de felicidade. Enquanto um usa seu poder para conseguir todas as mulheres que quiser, Mirai apenas deseja ter uma vida simples, com uma família comum, etc. Algo compreensível para alguém que tivera isso negado durante tantos anos.

Além disso, os anjos desse mangá não são o poço de sensatez e bondade que se espera de um anjo na concepção ocidental da coisa. Eles podem ser completamente sem noção em seus conselhos e terem, também, a pior das índoles possíveis. Nasse, o anjo de Mirai, chega a sugerir para ele matar seus parentes para receber a herança e ter muito dinheiro, tamanha a falta de sensibilidade e humanidade do anjo.

Nasse e seu “ótimo” conselho

Nos dois primeiros volumes não há uma explicação clara sobre o como é essa competição para se tornar o novo deus, porém há um certo acontecimento que ditará os rumos da “escolha”. Ao que tudo indica, cada um dos anjos parece ter uma ideia diferente de como se deve decidir qual será o futuro deus. Enquanto Nasse quer apenas que Mirai seja feliz (sem expressar abertamente uma ideia do modo de escolha), um outro anjo diz que o vencedor tem que ser decidido de acordo com a personalidade, oratória e a conduta, enquanto outro afirma que eliminar os demais candidatos é a maneira mais óbvia de se tornar o novo deus.

E é esse último anjo, ou antes o candidato deste anjo, que dita as regras do jogo e que passa ser a tônica do mangá. Platinum End se torna apenas mais um battle royale, um mangá de sobrevivência, em que os protagonistas terão que lutar por suas vidas.

Entre estratégias e lutas, o mangá diverte bastante, nos instiga a querer continuar e a descobrir os mistérios, a querer saber o que vai acontecer. A capacidade da dupla Ohba e Obata de nos fazer desejar continuar lendo a história é a mesma de Bakuman e Death Note, principalmente pelos cliffhangers ao final de cada volume.

A qualidade geral da obra, porém não é a mesma. Se Platinum End diverte e entretém bastante, ele faz isso apesar dos diversos problemas de roteiro. É tanta coisa inconsistente que a obra parece escrita por um adolescente ou por um autor novato que ainda não teve um puxão de orelha do seu editor.

A premissa é interessante (jovens que resolveram se suicidar acabam tendo suas vidas salvas por anjos e ganham a chance de virar deus), mas a história é estragada pelo desenvolvimento e pelo modo como as novas informações são passadas, sendo tudo jogado. Parece que o Ohba simplesmente não tinha preparado nada da história e foi adicionando elementos aos poucos e sem o menor cuidado.

(Só para você entender melhor o que quero dizer: quem leu Death Note sabe que a segunda parte do mangá não deveria existir, pois ela não foi originalmente pensada pelos autores. Não há necessidade de nenhuma declaração deles para se ter certeza disso, pois o plot do mangá era um só, Light Yagami desejava se tornar o deus do novo mundo e o detetive L queria prendê-lo. Em nenhum momento houve qualquer menção ao Near e ao Melo, figuras que apareceriam na segunda metade. Um bom roteirista prepararia a segunda metade da obra, colocando leves citações a esses personagens aqui e ali, o que não acontece em momento nenhum. Eles são elementos novos, criados apenas para a história continuar a partir de um determinado ponto).

Em Platinum End, parece que “elementos novos” acontecem a cada capítulo, a cada página. Vão sendo despejadas novas informações do nada e de uma maneira que o autor parece tratar os leitores como crianças, sendo didático até demais. Inicialmente temos apenas as asas e a lança vermelha, mas no capítulo seguinte surge a lança branca, capaz de matar qualquer pessoa com um simples toque. Do mesmo modo, em um momento ficamos sabendo que alguns candidatos só podem ter uma das armas, mas em outro capítulo se fala que se outro candidato for morto é possível conseguir as armas dele, mais adiante ainda ficamos sabendo que até mesmo humanos que não são candidatos podem utilizar essas armas. Tudo aleatório, tudo do nada, como se fossem Near’s e Melo’s sendo adicionados de instante em instante.

É importante ficar claro que o acrescimento de informações sobre uma certa coisa ou objeto não é um erro de narrativa por si próprio. É normal que novos detalhes sejam adicionados ao longo de uma obra,  faz parte do processo de criação, desde que o roteiro seja bem delineado e costurado. Em Death Note mesmo as especificações do caderno da morte vão sendo adicionadas aos poucos, mas na obra essas novas informações vão sendo dadas de maneira lógica e não (tão) didática, ao menos por boa parte dela. Em Platinum End, por outro lado, chega até a haver contradição nas novas especificações. O já citado caso da lança branca é um deles. O mangá tinha dado uma informação de que Mirai tinha duas armas e, do nada, foi dito que ele tinha uma terceira, como se o autor só tivesse pensado nesse detalhe no momento em que estava criando aquele capítulo.

Detalhes técnicos não são os únicos problemas da obra. O desenvolvimento de algumas situações beiram o incompreensível. O candidato a deus que decide matar seus concorrentes apresenta-se como um herói para o mundo, cria situações ridículas, desafia seus adversários em um evento ao vivo e a reação da sociedade fica longe de ser algo verossímil, quase todo mundo aceitando a ideia de sua existência sem surpresas e sem maiores debates. E se uma obra de ficção tem problemas de verossimilhança, essa obra é um fracasso retumbante.

Para quem não conhece o termo, resumidamente falando, verossimilhança é a característica que uma obra de ficção têm de convencer que o mundo criado naquela história funciona dentro das regras impostas por aquele mundo. Platinum End, apesar da presença de anjos, se passa no nosso mundo em que não existem heróis, pessoas com poderes ou algo do tipo. É incompreensível que em um espaço de tempo mínimo as pessoas daquele mundo aceitem como natural a existência de heróis ao ponto de irem a um estádio verem ele ao vivo. Faltou ao roteirista trabalhar isso de forma eficaz. Se fosse uma obra de comédia a gente até nem ligaria para essas coisas, pois poderia fazer parte do “jogo” do gênero, mas em uma obra que se quer fazer séria, é um erro para lá de imperdoável.

Em Platinum End há, porém, mensagens interessantes sobre o que é o amor e felicidade (imagem acima) e o que se deve ou não se deve fazer para se conseguir essas coisas, porém nada disso salva o mangá de ser ruim. O máximo que Platinum End faz é divertir e nada muito além disso.

  • Gostar e ser ruim

Muita gente confunde qualidade de uma obra com gosto pessoal. Embora essas coisas realmente se fundam e se confundam muitas vezes, nem sempre essa lógica representa uma verdade. Edens Zero, por exemplo, o novo mangá de Hiro Mashima, pelo pouco que li é um mangá bobo, com situações que eu considero bem genéricas e que não me animam a continuar lendo. Não gosto porque não sou o público alvo do mangá. Ele foi feito, delineado e pensado para um público que não sou eu, mas ele é bem feitinho narrativamente. Só realmente não é para mim.

Platinum End se tornou algo genérico também, um battle  royale como outro qualquer, mas isso não é o problema dele. Há várias histórias que se utilizam dessa estrutura (ou de qualquer outro clichê) e conseguem fazer um trabalho competente e que agrade.

Platinum End é ruim porque possui defeitos graves de narrativa, como a já citada falta de verossimilhança e a incapacidade do roteirista de fazer uma obra coesa, inventando “novas regras” a cada capítulo. Gostando ou não gostando do mangá, achando divertido ou não, não existem meios de alguém dizer que ele é bom justamente por causa desses problemas de narrativa.

Frisamos: não é o gosto pessoal que define se uma obra é boa ou ruim e sim o modo como ela feita, é conduzida. E se existem erros e defeitos que comprometem a qualidade da narrativa, que afetam o desenvolvimento da história e a qualidade da experiência de leitura, esse mangá é ruim. Não há o que se discutir.

Como eu disse, eu achei Platinum End divertido – vou continuar comprando por um tempo -, mas é impossível para mim e para qualquer pessoa olhar o mangá e não achar que ele é muito fraco. Ele tem defeitos demais, muito mais além dos que foram citados neste texto. E, sinceramente, acho difícil que possa haver qualquer melhoria, pois não é a história em si o problema (afinal histórias chatas e arcos ruins podem melhorar com tempo) e sim o modo como ela é construída, é sua estrutura básica e nesse nível é praticamente sem conserto. É uma obra que infelizmente já se perdeu e não deve ter qualquer salvação.

  • A edição nacional e a plataforma de leitura

O trabalho da JBC no geral está muito bom. A adaptação da editora utiliza-se daquele padrão de sempre, deixando a leitura bem fluída e sem gargalos. A única coisa que chama a atenção é Nasse, um anjo, ser chamado de “a Nasse”, no feminino, não me pareceu uma escolha das melhores. Quanto à revisão de texto, não notei erros em nenhum dos dois volumes.

Não temos como falar da edição física, pois só adquirimos a versão digital, mas vale um comentário acerca da plataforma de leitura. Embora eu goste de outros aplicativos de leitura, o Google Play Livros desponta como um dos melhores, entre outras coisas por simular a movimentação da página como se fosse um livro físico. É algo que faz muita diferença e ajuda na adaptação para essa nova mídia. Não quer dizer que comprarei todos os mangás digitais nessa plataforma, mas considerarei bastante :).

  • Conclusão

Platinum End tem problemas de desenvolvimento e de verossimilhança, defeitos e mais defeitos se acumulam a cada página e o mundo criado no mangá vai ficando cada vez mais estranho e sem sentido. Nenhuma obra de ficção que tenha esses problemas pode ser considerada boa.

Ainda assim, apesar dos diversos problemas de roteiro, o título ainda diverte. Porém só “divertir” não é o suficiente para se indicar uma obra que se quer fazer séria. Fosse um simples poço de clichês e que só diverte, eu falaria para comprar sem medo, mas tendo problemas de narrativa tão evidentes eu diria que só vale a pena comprar se você for muito fã da dupla Ohba e Obata ou se você for um consumidor novato, que não se importa com os problemas relatados. Do contrário, passe longe, pois não vale o dinheiro gasto.

  • Ficha Técnica

Título: Platinum End
Autor: Tsugumi Ohba; Takeshi Obata
Tradutor: Denis Kei Kimura
EditoraJBC
Número de volumes lançados no Japão: 9 (ainda em andamento)
Número de volumes lançados no Brasil até o momento: 2
Classificação indicativa: Não recomendado para menores de 18 anos
Preço da versão digital: R$ 12,90
Preço da versão física: R$ 15,90
Dimensões da ed. física: 13,2 x 20 cm
Miolo da ed. física: Papel jornal
Acabamento da ed. física: Capa cartonada
Onde comprarEd. Física / Ed. Digital

7 Comments

  • Ives Leocelso Silva Costa

    Assisti Death Note na adolescência e fiquei espantado com a genialidade do anime. Resolvi ler o mangá há uns 2 anos atrás e fiquei chocado com a quantidade de furos no roteiro e com a falta de sentido de inúmeras situações. O tempo faz essas coisas. Gostei mais de Bakuman, apesar da completa falta de realismo nos relacionamentos pessoais dos protagonistas. De Platninum End vou ficar longe.

  • Selaht

    Dá pra sacar que Platinum End é péssimo já no primeiro capítulo. Ainda tentei ler mais um pouco por adorar death note e bakuman, mas não consegui passar do segundo capítulo.

  • Xeronio

    Muito bom ver resenhas no BBM. Acesso todo o dia e sei do conhecimento gigantesco sobre mangás que vocês têm. Isso faz toda a diferença na hora de analisar um produto pois não é só uma opinião aleatória, é uma crítica bem embasada. Parabéns pessoal, sei que deve dar trabalho, mas valorizo muito as resenhas de vocês.

  • LeitorAssíduo

    Gostei bastante do texto, ainda não li esse mangá e foi ótimo ler uma resenha bem embasada sobre ele.

  • Starrk

    comecei a ler nos scans e parei, e olha que eu tenho um guilty pleasure por Battle royales rs, mas achei a obra pouco inspirada, e acho que é opinião universal que, tirando os traços isso não parece um trabalho da dupla que já fez tantas obras primas.

  • Alexandre K

    Kyon, daí pra frenten só piora, acredite se quiser. Não vale o seu tempo.

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