Resenha: Rosa de Versalhes (volumes 1 e 2)

O clássico finalmente entre nós…

Chibi Maruko-chan, Patalliro!, Banana Fish, A família Poe (Poe no Ichizoku), O poema do vento e das árvores (Kaze to Ki no Uta), etc, etc. O mundo dos shoujos está cheio de mangás clássicos, internacionalmente reconhecidos, e poderíamos passar o dia listando obras por aqui, mas ao lado de A Princesa e o Cavaleiro e os “recentes” Sailor Moon e Card Captor Sakura, provavelmente nenhum deles ganhou tanta fama e repercussão quanto Rosa de Versalhes.

De autoria de Riyoko Ikeda, o mangá foi publicado no Japão entre 1972 e 1973, na revista Margaret, da Shueisha, sendo concluído em um total de 10 volumes. A obra é provavelmente o mangá shoujo mais importante da história do Japão, por ter sido um sucesso de vendas e ser uma das obras que mostraram que os mangás para meninas podiam ir muito além do que iam na época, e por ter influenciado diversos autores e autoras, de diversos gêneros e demografias diferentes.

Lombada da versão brasileira. Foto: Blog BBM

Também chamado de Lady Oscar, o mangá foi adaptado para diversas mídias, inclusive um animê que chegou a aparecer no Brasil de forma totalmente esquisita, picotado e distribuído como um filme, em que tudo acontece de forma rápida, sem dar tempo de você descansar.

Por ser um mangá clássico, e apesar da fama, Rosa de Versalhes era um dos títulos completamente improváveis de aparecer em nosso país, já que quase nunca lançam mangás antigos em nosso país. Entretanto, em março de 2018, a editora JBC anunciou que publicaria o mangá no Brasil. A obra viria em formato BIG, reduzindo os 10 volumes originais para apenas 5.

A ideia da empresa era lançá-lo ainda em 2018, mas devido à crise do mercado editorial naquele ano, a empresa teve que readequar todo o seu cronograma e a obra só foi publicada agora em fevereiro de 2019, com o lançamento simultâneo dos dois primeiros volumes. Lemos eles e viemos dar nossa opinião sobre obra. Vem ver :).

  • Sinopse oficial

Primavera de 1770. Maria Antonieta, da Família Habsburgo da Áustria tornou-se a delfina da França com apenas 14 anos ao entrar para a Família Bourbon. Oscar François de Jarjayes, capitã da Guarda Real, foi escolhida para realizar a escolta da jovem delfina. Apesar de ser a filha caçula de uma casa de generais e dona de uma beleza exuberante, foi criada como um homem para ser a sucessora da Família Jarjayes, recebendo educação militar desde cedo. Apesar de viver na corte, Maria Antonieta sentia uma grande solidão por estar em um país estrangeiro. Desejando esquecer esse sentimento, a delfina participa de um baile de máscaras realizado na casa de ópera. E nesse dia, ela conhece o jovem nobre sueco Hans Fersen e se apaixona perdidamente por ele. Esta é a noite que uniu o destino destes três jovens de 18 anos.

  • História e desenvolvimento

Diferente da maioria dos mangás publicados no Brasil, Rosa de Versalhes não se passa no Japão ou num mundo de fantasia. Ele se passa na França na época que imediatamente antecede a Revolução Francesa, que eliminou o absolutismo e instituiu uma nova forma de governo no país. Apesar desse fundo histórico, se você não prestou atenção nas aulas da escola, você não se sentirá perdido, pois a obra irá apresentando aos poucos o desenvolvimento da situação, mostrando o que aconteceu, porque aconteceu, etc, de modo que, além do entretenimento, a obra se tornará em uma aula sobre uma época histórica importante para a humanidade. Talvez você até aprenda mais sobre essa época do que aprenderia se lesse apenas o livro da escola.

Rosa de Versalhes possui um séquito de personagens bem grande, passando tanto por personagens fictícios, quanto por figuras históricas importantes, inicialmente em núcleos separados, mas que aos poucos vão se reunindo. Os três personagens principais da história são Maria Antonieta, rainha da frança, Fersen, por quem a rainha irá se apaixonar e viver um amor proibido, e Oscar, uma mulher que trabalha na Guarda Real e que desde pequena foi criada como um homem, para suceder o seu pai.

No séquito de personagens, há ainda a figura de André (coadjuvante nesses dois primeiros tomos) e Rosalie, que ajudam a movimentar a trama de amores não correspondidos da obra. Além deles, há ainda as figuras antagônicas, prontas para cometerem maldades ou influenciar negativamente, como Jeanne (irmã de Rosalie) e a Condessa de Polignac.

Maria Antonieta ao descobrir os gostos de seu marido. Foto: Blog BBM.

O mangá começa bem antes do início da revolução francesa, quando Maria Antonieta, então uma adolescente, sai da Áustria e vai morar na França, no Palácio de Versalhes, onde se casará com o neto de rei Luis XV, o futuro Luis XVI. O casamento foi arranjado de modo que França e Áustria formassem uma aliança e não entrassem em guerra naquele momento. Nesse início veremos ela querendo se divertir e sendo repreendida, ela não sentido amor por seu marido, ela entrando em uma rixa com a amante do rei e, claro, veremos ela iniciar uma amizade com Oscar. Logo também veremos ela conhecer e se apaixonar por Fersen.

Nesses dois tomos iniciais, a obra se estende por anos e mais anos, com Maria Antonieta crescendo, tornando-se rainha e sofrendo mudanças radicais ao longo do período. De início, ela era adorada pelos franceses e quando subiu ao trono junto a Luis XVI todos acharam que tempos melhores viriam, que o custo de vida iria baixar, entre diversas outras coisas que as pessoas costumeiramente pensam quando um novo governo assume.

Entretanto, o povo logo iria se decepcionar, tudo continuaria muito caro e Maria Antonieta logo começaria a ser desprezada por ele. A moça austríaca se deslumbrou com a vida como rainha em Versalhes, tendo gastos e mais gastos sem parar, tudo isso com o dinheiro dos impostos do povo. Em contrapartida este cada vez vivia mais mal, sem dinheiro e quase não tendo o que comer.

Um dos gastos da rainha Maria Antonieta. Foto: Blog BBM.

Nesse sentido, uma figura central no início de mangá é a personagem Rosalie. Através dela vemos de forma mais imediata o que o povo francês estava sofrendo devido aos gastos excessivos de seus governantes, com sua mãe doente e ela não conseguindo emprego e ficando dias sem comer, até mesmo pensando em vender seu corpo para conseguir algum trocado.

Rosalie, ao perder o emprego. Foto: Blog BBM.

A história do mangá é cheia de intrigas, com pessoas querendo se dar bem às custas dos outros, tramando planos para enriquecer, desde assassinatos a golpes, etc, etc, tudo contribuindo para que, com o tempo, a imagem de Maria Antonieta fosse se desgastando até chegar a um ponto insuportável para o povo francês. Oscar era a personagem mais sensata da história, vendo os gastos excessivos de Maria Antonieta, a má influência de Madame Polignac, a mudança do povo em relação a ela. Tudo isso em meio a seus problemas pessoais, como a sua paixão secreta por Fersen, o amante da rainha.

Fersen declarando seu amor por Maria Antonieta… a Oscar. Foto: Blog BBM.

Esses volumes iniciais desenvolvem muito bem a trama, apresentando as artimanhas dos antagonistas, a inocência da rainha e do rei, a disposição e a lealdade de Oscar, etc, etc.

A autora é uma mestre na arte de contar uma história, pois cada acontecimento puxa outro e outro, os anos passam num piscar de olhos e a obra continua no seu ritmo, sem que se note uma mudança significativa. É uma obra que te prende do início ao fim de modo que você não consegue parar de ler.

-Gênero e amor

Uma parte considerável da importância histórica de Rosa de Versalhes tem a ver com a marca da obra de mostrar como os papeis tradicionais destinados a um homem e uma mulher podem ser esdrúxulos e mutáveis. Na época em que se passa a história seria impensável que uma mulher liderasse a Guarda Real, entretanto lá estava Oscar provando o contrário. Ainda assim, toda sua criação foi feita de modo que ela se vestisse como homem para herdar esse posto que era de seu pai.

É constante no mangá o modo como as pessoas se surpreendem ao saber que Oscar é uma mulher e que ela é um guarda, pois não é isso o que se esperaria de uma moça. Daí que mesmo pessoas próximas a ela acabam por achar que ela ficou totalmente à parte de sua feminilidade. Mas é nesse momento que entra a questão do amor.

A obra deixa evidente que trabalhar em uma função masculina, vestindo roupas masculinas, não define a pessoa Oscar. Ela “não se torna” um homem por se vestir sempre com vestes não femininas. Ela não passa a gostar de mulheres por causa disso. Admiradas por muitas moça, dentre elas a própria Rosalie, Oscar rechaça todas e termina por se apaixonar por Fersen, o sueco que se tornará amante de Maria Antonieta.

Maria Antonieta e Oscar. Foto: Blog BBM

Inclusive, quando ocorre um certo escândalo na obra que ajudará na destruição da imagem da rainha, Oscar é acusada de ser amante dela, e a guarda se irrita ao ser chamada de lésbica. Não que ela tivesse preconceito, mas sim porque ela não gostava de ter sido julgada pelo modo com que se vestia. Essa é a essência de Rosa de Versalhes, as aparências, o modo como você se veste não define quem você é, ou não deveria definir…

-Um pouco mais sobre os personagens

Os personagens de Rosa de Versalhes podem superficialmente ser divididos entre personagens bons e personagens ruins, mocinhos e vilões. Você sabe quem são os malvados, os que querem se aproveitar de Maria Antonieta para conseguir privilégios e os que querem subir na vida. Eles são clássicos vilões das histórias mais tradicionais. Os personagens bons, por sua vez, também são facilmente verificáveis, pois a natureza deles é simplesmente a bondade, ainda que alguns personagens tomem raiva de outros, queiram matar, etc.

Ser “bom” não significa, porém, estar certo o tempo todo em suas decisões. Existem nuances nos personagens que, no contexto da história a ser contada, não se enquadrariam muito bem na dualidade certo e errado. Maria Antonieta, por exemplo, trai o marido com Fersen e se deixa levar pelos conselhos de Madame de Polignac. Ela é uma personagem que vai muito pelos sentimentos e pela ingenuidade, incapaz de perceber os perigos que suas atitudes traziam para si e as pessoas à sua volta. A gente sabe o final da história, a gente sabe o que acontecerá com Maria Antonieta. Teria sido ela uma pessoa boa injustiçada ou uma pessoa malvada condenada por seus crimes? Os dois primeiros volumes do mangá não nos permitem dizer nem uma coisa, nem outra. É uma personagem até certo ponto, complexa.

Ainda falando sobre os personagens, é muito interessante ver a figura de Rosalie. Ela inicialmente é mostrada como uma pobre, de modo que vamos acompanhando pelos olhos dela a situação precária do povo francês. Entretanto, coisas acontecem e ela termina por conhecer Oscar. E Rosalie se apaixona por ela. É muito interessante ver que ela sabe que o seu amor por Oscar é impossível, mas mesmo assim continua a amando. Não existe uma problematização dessa condição na obra, a gente apenas acompanha esse amor impossível ao longo das páginas e a dedicação de Rosalie a proteger a pessoa que gosta.

André é outro que sofre por um amor impossível, também por Oscar. Ela, apaixonada por Fersen, não dá bola e não percebe os sentimentos de seu amigo de infância. De modo que ele fica relegado, sendo apenas um coadjuvante nesses tomos iniciais. André será uma figura de destaque em um certo momento da história, mas por ora ele foi pouco utilizado.

Por fim, Oscar é a personagem mais ativa, centrada e moderna de toda a obra. Além de tudo o que já falamos aqui, ela é única ter uma fala mostrando o quão sem sentido era os ricos não pagarem impostos, enquanto o povo pobre morria de fome na França. De igual modo, ela é a responsável por tentar colocar juízo na cabeça de outros, como Rosalie ou a rainha, a comprar brigas com certos nobres, etc. Também é ela que vai atrás de certos bandidos, entre outras coisas. Em outras palavras, ela muitas vezes é responsável pela ação na obra. Ela é a personagem mais completa e complexa de todo o mangá.

-O que você pode estranhar

Rosa de Versalhes é um mangá da década de 1970, então algumas técnicas narrativas e visuais podem parecer estranhas para você, caso não esteja acostumado. O rosto dos personagens, por exemplo, muitas vezes são expressos de forma cartunesca, como era comum na época desde Osamu Tezuka.

Algumas transições de cenas também são pouco usuais, com um quadrinho mostrando uma cena e já no seguinte com um outro ambiente. É um ritmo diferente e você precisará de algumas páginas de leitura para se acostumar a ele, mas antes do final do primeiro volume você já estará achando natural. Passando por esses dois obstáculos, certamente você apreciará a leitura e o mangá sem maiores problemas.

  • A edição nacional

A edição nacional veio no formato 13,2 x 20 cm, com miolo em papel Lux Cream e capas internas coloridas. Com média de 400 páginas por edição, o mangá foi lançado em formato BIG, ao preço de R$ 43,90. De modo geral os exemplares são bons, bem maleáveis permitindo folhear os mangás sem problemas. Não é tão maleável como o Battle Angel Alita (o mangá de 400 páginas mais bem acabado da JBC), mas ainda assim é possível abrir bem o Rosa de Versalhes e conseguir ler o mangá sem problemas.

Em relação ao texto, ele me pareceu impecável, bem adaptado e bastante fluído, tornando a leitura bem rápida e prazerosa. De igual modo, também não notei erros de revisão.

Por fim, uma coisa que é importante mencionar é que os dois volumes possuem um posfácio, um texto de uma escritora japonesa acerca de Rosa de Versalhes. Se você não conhece nada sobre a história é bom evitar, pois esse texto há alguns spoilers que talvez você não queira ver. Para quem não sabe, a JBC contratou a reedição do mangá de 1994, que também foi em 5 volumes, e esses tomos possuíam esses textos que foram reproduzidos na edição brasileira. Então se é a sua primeira experiência com o mangá, fique longe deles!.

  • Conclusão

Fazer esta resenha de Rosa de Versalhes foi significativamente difícil, pois eu não consegui medir com exatidão o que deveria e o que não deveria expôr para mostrar a grandiosidade da obra. Sendo um título de temática histórica, muita coisa poderia ser de conhecimento corrente das pessoas (e consequentemente eu poderia falar en passant por ele) como poderia ser algo completamente desconhecido e a pessoa achar que é um spoiler (e, talvez, de fato seria um spoiler para a pessoa se ela não estudou o período em questão). Então não foi uma tarefa fácil escolher entre o que citar e o que não citar.

Então, tentamos colocar algumas coisas que achamos importante e o resultado você leu acima. De tudo o que escrevemos, o que você deve tirar é que Rosa de Versalhes é sim uma excelente obra e que vale o investimento. Afinal, um clássico não se torna um clássico apenas por ser antigo, se torna por ser importante de algum modo, por apresentar algo bom e justificável, ao ponto de influenciar diversas obras que viriam posteriormente. Então, se você ainda não conhece Rosa de Versalhes, vá sem medo, pois não se arrependerá.

  • Ficha Técnica

Título: Rosa de Versalhes
Autor: Riyoko Ikeda
Tradutor: Karen Kazumi Hayashida
Editora: JBC
Dimensões: 13,2 X 20 cm
Miolo: Papel Lux Cream
Acabamento: Capa cartonada simples, com capas internas coloridas
Classificação indicativa: 14 anos
Número de volumes no Japão: 5
Número de volumes já lançados no Brasil: 2
Preço: R$ 43,90
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6 Comments

  • WJ

    Eu estava na dúvida se compraria ou não, mas a resenha definitivamente me motivou. Agora eu só torço para que o sucesso da obra motive a JBC a publicar mais títulos shoujo e o mercado de mangás brasileiro volte a se diversificar, estamos precisando.

  • Ives Leocelso Silva Costa

    Comprei de presente pra um amigo e achei as dimensões do mangá muito pequenas pra um Big. É menor que um volume de Lobo Solitário. Mas depois desse review deu vontade de ler!

  • xaverico

    Parabéns pela excelente resenha, me deixou com muita vontade de ler esse clássico e é o que farei ainda essa semana.
    Gostaria de sugerir uma materia listando os paises que essa grande obra foi publicada.Gosto muito quando vocês fazem esse tipo de materia. Sera que na América Latina, os leitores do Brasil são os únicos que tiveram essa sorte?
    Abraços

      • xaverico

        Uuuuuuaaaauuuuu…. Sou do tempo das vacas magras do Crying Freeman da Nova Sampa, atualmente parece que estamos vivendo um sonho e torço para que ele não tenha fim.Essa chuva maravilhosa de mangás é sensacional.Eu dou risadas quando vejo os mi-mi-mis dos leitores mais jovens.Não imaginam o quanto foi decepcionante o passado.Os leitores imploravam para as editoras brasileiras e elas respondiam que não compensaria o investimento, que mangás não venderiam bem no Brasil.Tudo começou a mudar em 1999-2000 com a chegada de Gen – Pés Descalços, Dragon Ball e Cavaleiros do Zodíaco pela Conrad e em 2001 com a chegada de Samurai X, Sakura Card Captors, Video Girl Ai e Guerreiras Mágicas de Rayearth pela JBC.
        Eu relia esses mangás várias vezes ao ano.kkkk A minha felicidade era demais! E todos foram concluidos! Para a época, isso era um milagre.rsrs
        Eu sei que vai aparecer pessoas apontando mil erros do mercado atual, os mi-mi-mis são eternos mesmo, cada um defendendo aquilo que considera verdade absoluta, mas entre o passado que não havia nenhum mangá no Brasil e o presente com seus probleminhas, fico com o presente, nele temos provavelmente mais de cem coleções de mangás sendo publicados ao mesmo tempo! E isso é maravilhoso!

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