Resenha: “O Último Voo das Borboletas”

Não é a história de Marguerite, mas é uma história de uma cortesã também (ou quase isso)

Um dos livros que eu mais gostei de ler quando era mais jovem foi o romance A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho. A obra não é outra coisa senão uma dramática história de amor por uma cortesã, uma espécie (mas não necessariamente isso no contexto atual da palavra) de prostituta de luxo, em meio à sociedade francesa dos anos 1800. O livro me levou a ler obras de temática parecida como Lucíola e Manon Lescaut, mas nenhuma causou o impacto que foi A Dama das Camélias.

Quando a editora Pipoca & Nanquim anunciou que publicaria no Brasil o mangá O Último Voo das Borboletas, a leve semelhança com A Dama das Camélias logo me chamou a atenção e se tornou um título que eu ficaria de olho. Ao pesquisar resenhas de sites de outros países, onde a obra já havia sido publicada antes, eu me deparei com mais de uma fazendo alusão à obra de Dumas Filho e o interesse aumentou ainda mais.

O conceito de cortesã, importante dizer, não se aplicaria ao Japão do início da Era Meiji, mas a protagonista de O Último Voo das Borboletas era sim uma prostituta de luxo, que cobrava caro e que era a mais cobiçada de um bordel de um bairro em que a prostituição era legalizada. Além disso, outra diferença é que ao contrário de A Dama das Camélias em que a protagonista sofria de uma grave doença, nessa obra o homem é que seria o enfermo.

Por conta disso tudo, se ele fosse 25% do que é o livro do escritor francês, já seria uma excelente história, então, assim que começou a pré-venda da obra, a adquiri sem pensar duas vezes. Nos últimos dias finalmente o mangá foi publicado, eu o li e agora venho comentar sobre o título com vocês e falar se, em minha opinião, vale a pena ou não^^.

  • Sinopse Oficial

A premiada autora de mangás Kan Takahama nos traz um recorte singular de um momento turbulento do Japão, quando se encerrava a Era Edo e se iniciava a Era Meiji, com as forças do xogunato recuando e as fronteiras do país começando a se abrir para negócios com nações estrangeiras. É nesse panorama de grandes mudanças que acompanhamos a história de Kichou, uma tayu, prostituta de alta classe que se encontra no topo da hierarquia do bordel onde oferece seus serviços. Vivendo dia após dia como a profissional do ramo mais cobiçada de seu bairro, ela não vê problema algum em ter que atender clientes de qualquer nacionalidade… até que sua vida se cruza com a de um homem que padece de uma grave doença — e a existência de ambos começa a tecer a mais secreta história de amor e morte. Uma trama com passagens ao mesmo tempo ásperas e cruéis, mas que também evoca uma beleza indelével, despertando um tipo de fascinação que só poderia ser causada pelo talento e sutileza de sua criadora. 

  • História e Desenvolvimento

Se você olhar a sinopse de O Último Voo das Borboletas imediatamente você percebe que essa obra não é um mangá comum e normal. Uma narrativa envolvendo uma prostituta de luxo no Japão em meados dos anos 1800, misturando com isso uma história de amor era algo que a gente realmente não via todo dia nos quadrinhos japoneses e merecia uma atenção especial. Afinal, obras pouco usuais, com temáticas diferentes, sempre despertam um interesse maior para quem está um pouco cansado da mesmice.

Em Último Voo das Borboletas, somos levados a uma época em que o Japão estava passando por  diversas transformações que compreendiam, dentre outras coisas, uma maior presença de estrangeiros em solo nipônicos. Nisso, acompanhamos Kichou, a mais bela e cobiçada prostituta de um bordel de um bairro da cidade, e suas relações com as colegas e clientes. Na obra, não há quem não a conheça e sua fama é tanta que dizem que qualquer homem que se deitar com ela, imediatamente ficará enfeitiçado, não conseguindo mais ter paz em seu coração.

Por ser tão cobiçada, naturalmente Kichou tem seus méritos que vão muito além da beleza. Ela cobra caro por seus serviços e consegue aguentar até mesmo a conversa de homens que são insuportáveis pelas demais garotas. Além disso, ela é dotada de grandes talentos, sabendo conduzir bem situações difíceis. Em uma época de mudanças na sociedade japonesa e com muita gente tendo ódio de estrangeiros, ela consegue até contornar um cliente insatisfeito que a viu usando um ornamento não-nipônico.

Inteligente e preparada, Kichou guarda, porém, um segredo dos demais homens com quem dorme, ela está apaixonada por um outro cara, que se encontra doente e próximo da morte. A história, então, mostrará ela e outras pessoas envolvidas com esse homem, até que um desfecho inevitável -e previsto pela sinopse – aconteça.

Apesar de todo esse contexto, a história não é erótica. Há cenas de pessoas nuas aqui, uma cena de sexo ali, mas nada que possa ser classificado como erotismo propriamente dito, são apenas quadros na composição da história. Em uma narrativa que se concentra em um bordel seria meio inevitável a aparição de mulheres sem roupa, mas a autora não faz nada vulgar ou fetichizado, mostrando que a nudez não significa erotismo por si mesmo.

Os capítulos iniciais são um tanto quanto parados, em que só vemos um pouco da realidade de Kichou no bordel, para que possamos conhecer os personagens e entender um pouco mais do ambiente em que ela vive. Com o passar das páginas a história de verdade vai acontecendo e vislumbramos toda a abnegação de Kichou para com seu amado, buscando fazer de tudo para salvá-lo e sem deixá-lo desamparado.

A história deixa claro que o amor dela pelo enfermo é a única coisa que ela conseguiu ver de belo no mundo, após ter sido vendida para a prostituição ainda criança. Há todo um conjunto de cenas e situações que a autora faz para demonstrar a intensidade dessa paixão, porém quase tudo escondido, passado em pequenos detalhes e dando ênfase a outras situações.

O Último Voo das Borboletas termina por ser uma história bela em que focamos em um ambiente cruel e acompanhamos uma personagem sofredora e abnegada que luta incessantemente para sobreviver e conseguir ajudar o seu amado. As consequências aparecem e o título da história se faz presente, desde a cena inicial. No último capítulo, sabemos que aquele é o derradeiro voo dela e logo tudo acabará.

No todo, podemos dizer que O Último Voo das Borboletas é um bom mangá, com uma narrativa interessante, pouco usual e que ao mesmo tempo nos faz ver uma realidade distinta, como as transformações nipônicas por meio dos personagens (seus preconceitos para com estrangeiros), as dificuldades inerentes da época (não existindo cura para sífilis, por exemplo) e tudo mais. Entretanto, é importante dizer: o mangá poderia ser melhor.

A obra peca em muitos detalhes e termina por ser um tanto quanto decepcionante, em relação ao desenvolvimento de certas partes. As reviravoltas na trama (a descoberta de certas coisas por certos personagens) ocorrem de uma forma um tanto quanto banal e quase sem drama. Apenas uma certa cena de um beijo é que teve algum impacto, visto que páginas antes havia existido uma semelhante, mas que não fora consumada. A autora consegue executar bem os desdobramentos da trama, mas não consegue surpreender e passar muitas emoções. Há sim cenas emocionantes, mas elas são poucas e o todo é que deixa a desejar.

Outro problema da obra é que quem deseja ver a história de amor que a sinopse proclama ficará sem. A história existe sim, está lá de forma subentendida e é muito bem trabalhada se você der atenção aos detalhes, mas não há romance de fato, só existindo detalhes no capítulo final, de modo que a sinopse além de entregar parte da história, causa um mal entendido sobre a natureza do enredo.

A sinopse não dizer exatamente como é a história é meio que uma regra, existe o tempo todo, mas quando ela te engana de algum modo, isso só se torna positivo quando a história desponta como algo realmente surpreendente, como no caso de Morte em que a sinopse te mostra uma narrativa parada, mas quando você lê o livro é um suspense daqueles. Na obra de Kan Takahama, porém, isso não acontece e se você comprou esperando um romance, acabou ficando com uma história aquém em termos de qualidade.

Comentei no início que obras pouco usuais, com temáticas diferentes, sempre despertam um interesse maior para quem está um pouco cansado da mesmice. No entanto, apesar de todo o contexto da história ser diferenciado, O Último Voo das Borboletas termina por ser mais do mesmo. A obra não apresenta uma narrativa que se destaque pela originalidade e nem consegue ficar marcado como algo único, sendo totalmente esquecível. A sensação que fica é que faltou alguma coisa, um algo a mais para alçar a obra a um outro patamar. Então, O Último Voo das Borboletas é sim um bom mangá, você pode conseguir se entreter, se divertir, mas ele realmente poderia ser muito melhor.

  • A edição Nacional

A edição nacional veio no formato 15,5 x 22 cm (maior do que os mangás da Panini, por exemplo), com miolo em papel Lux Cream, colado e costurado, e capa cartonada com sobrecapa, em um total de 172 páginas, tudo isso ao preço de R$ 44,90.

É uma edição física lindíssima, daquelas que você só consegue perceber a verdadeira beleza ao ter em mãos. Para começar ela é um primor de maleabilidade, permitindo folheá-lo sem qualquer tipo de entrave, além de ser possível abrir o mangá por inteiro e não perder qualquer detalhe da arte. Em outras palavras, é uma edição física que te permite ler sem nenhum tipo de problema ou esforço.

Em termos de estética, a sobrecapa possui detalhes em verniz localizado, na parte da frente, na de trás e na lombada, tanto no título, quanto no nome da autora e o logotipo da editora, de modo que quando tocamos essas partes, sentimos as letras e todos os detalhes, sem dúvida uma edição muito bem feita. Já a capa (que fica abaixo da sobrecapa) não tem muito charme, sendo apenas uma imagem em branco e cinza.

Em termos de texto, não encontrei erros de revisão e nem nada do tipo, porém o excesso de notas de rodapé incomodou pelo estilo do mangá em que a separação entre os quadrinhos são todas na cor preta. As notas são colocada em uma letra minúscula sobre essa cor e ficam difíceis de ler. Não foi uma escolha das mais felizes por parte da editora. Como ponto positivo, no entanto, há um extenso glossário explicando diversos termos e mesmo questões históricas.

  • Conclusão

Uma das marcas da Pipoca & Nanquim são as obras com bom acabamento, destinado a um público mais limitado e privilegiado. Há quem diga que o modo como eles fazem as obras é desnecessário, mas a verdade é que ter um boa encadernação é importante para se fazer uma leitura prazerosa, basta ver que há vários mangás de outras editoras que são difíceis de se folhear ou quase não dá para abrir por inteiro, perdendo parte da arte ou travando a leitura por precisarmos forçar um pouco mais as páginas para lermos tudo. Os mangás da Pipoca & Nanquim não têm esse problema e são perfeitos, fisicamente, para a leitura. Então, em nossa opinião, todos os mangás de todas as editoras tinham que ser assim.

O problema é que nem sempre o bom acabamento que nos permite ler sem problema vem acompanhado de obras-primas ou mesmo de boas histórias. Se Virgem Depois dos 30 era aquela coisa única e impactante, para fazer pensar e mudar nossa visão sobre certos aspectos da sociedade japonesa, O Último Voo das Borboletas pouco apresenta e deixa uma sensação de ser nada demais. A história demora para engrenar e as soluções terminam por ser simplistas, sem nada que nos fizéssemos pensar. O drama de Kichou é interessante, as coisas que ela faz por amor também, mas ficou muito no lugar-comum. Eu gostei da obra, não chega a ser um mangá ruim, mas – a despeito de ser uma narrativa pouco usual – é algo normal demais e que não vai ficar na memória.

Em minha opinião, esse mangá só vale a pena de verdade se você quiser uma história com uma temática diferente, mas que não se importe de o enredo ser convencional e sem muitas emoções. A obra é boa, mas por R$ 44,90 precisava realmente ser muito melhor…

  • Ficha Técnica

Título Original:  蝶のみちゆき
Título NacionalO Último Voo das Borboletas
Autor: Kan Takahama
Tradutor: Drik Sada
Editora: Pipoca & Nanquim
Dimensões: 15,5 x 22 cm
Miolo: Papel Lux Cream
Acabamento: Capa cartonada com sobrecapa.
Classificação indicativa: 18 anos
Número de volumes no Japão: 1
Número de volumes no Brasil: 1
Preço: R$ 44,90
Onde comprar: Amazon

4 Comments

  • Fabian Kurayami

    Concordo 100% sobre o hype excessivo nos quadrinhos do PN.
    Eles são ótimos vendedores, mas tem bastante obra mais ou menos que eles lançam e o pessoal encara como obra prima.

    No caso em particular de “O último vôo…” acho um ótimo mangá. É um nouvelle manga, então o ritmo ´mesm diferente. Mas achei a história bastante singela e os detalhes historicos mt acurados.

  • Breno Leme

    Gostei da resenha, te acho uma das pessoas mais sensatas e sem histerias para resenhar esse tipo de quadrinho, principalmente do Pipoca e Nanquim.
    A galera nos grupos do Facebook, Twitter e Instagram, eles elevam as obras do P&N a níveis estratosféricos, falam nos vídeos de divulgação “comprem, vai ser um dos melhores mangás do ano” a galera compra a ideia e começar a contagiar outros e as vezes não é nada disso.

    Tem muitos quadrinhos bom? Tem, só que é inegável que desde a reimpressão de Moby Dick e Guardiões do Louvre tenho ficado mais cauteloso, não nego que deve ser obras importantes para com os franceses, quem foi no museu do Louvre por exemplo vai gostar, deve dar algum sentimento, mas falar que o mangá é para todos como nos vídeos de resenha, que a história é emocionante que vai fazer você chorar, pfut faça me um favor!!!

    Esse eu só pego numa promoção muito boa nem da arte eu gostei desse mangá só achei legal a capa metalizada de dentro e pior que eu fui quase entrando no “hype” de pegar na pré-venda, bom quem sabe pego nas minhas férias do trabalho ou usando o Rappicréditos porque ai eu pego sem pagar nada kkkk

    • Eraldo Rocha Filho

      O pessoal do PN como editores, são excelentes vendedores, o canal dos caras é o shopitime das HQs, e a galera compra as palavras deles como se fosse a verdade absoluta.
      Alias, mangá com preço ELEVADÍSSIMO e totalmente fora da realidade.

      • Herbert

        Melhor definição!
        Kkkkkkkk
        Pode crer o shoptime das hqs! Eles são vendedores muito bons mesmo. Eu quase comprei vários, por sorte ponderei na última hora dei uma olhada em algumas coisas online e escapei de coisas que eu não gosto. Se você for se guiar só pelos vídeos do PN não tem livro do pipoca ruim apenas os que ainda não foram editados por eles.
        Kkkk

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