Resenha: Cutie Honey

Mais um clássico que apareceu no Brasil…

Nos últimos anos, obras mais antigas – considerados clássicos – têm aparecido no Brasil mais frequentemente e dando uma movimentada no mercado nacional, ainda que seja de uma forma bem mais tímida do que em outros países em que quadrinhos japoneses são populares. Uma dessas obras a aparecer por aqui é Cutie Honey, de Go Nagai, recém publicada pela editora NewPOP.

O título tem como bagagem ser o primeiro mangá shounen a ter uma protagonista feminina e uma das primeiras obras a ter uma personagem que tem poderes e se transforma (que futuramente inspiraria as famosas garotas mágicas). Além disso, por ser um mangá de Go Nagai, faz parte da sua lista de títulos que deram a gênese do que se convencionou a chamar de ecchi, iniciada com Harenchi Gakuen, com cenas de nudez e pretenso humor envolvendo isso, que vemos em muitos mangás atualmente.

Cutie Honey foi publicado no Japão originalmente entre 1973 e 1974 na revista Shounen Champion, da editora Akita Shoten, sendo concluído em um total de 2 volumes. Segundo Go Nagai, a obra nasceu por sugestão de um diretor da Toei, que queria uma obra “picante” e uma protagonista que se transforma. O autor pensou nisso e criou a ideia de Cutie Honey, apresentando-a ao diretor e sendo prontamente aprovada. Em outras palavras, a obra apareceu ao mundo já como multimídia, planejado tanto para mangá, quanto para anime, com ambas as versões sendo iniciadas praticamente na mesma época.

O título tornou-se um clássico com diversas obras derivadas depois, sendo a animação Cutie Honey Universe, lançada no Japão entre abril e junho de 2018, uma das mais recentes. O mangá foi licenciado em vários, chegando ao Brasil apenas agora em 2020.

A versão brasileira reuniu os dois volumes em apenas um só e foi lançada em uma edição luxuosa, no selo Prime da editora NewPOP. Adquirimos o títulos, o lemos e viemos comentar um pouco sobre ele para vocês.

  • Sinopse Oficial

Conheça a obra precursora dos mangás protagonizados por garotas que lutam contra o mal, consagrando-a como uma das mais icônicas de Go Nagai (Devilman), em edição Prime de volume único. Honey Kisaragi é uma superandroide que possui em seu corpo o “Dispositivo de Fixação Elemental”, uma incrível invenção de seu pai e criador que a permite se transformar no que quiser. No entanto, ele acaba sendo assassinado pela organização criminosa Garra da Pantera, a qual almejava por as mãos na inovadora tecnologia. Com isso, a saída que a androide encontrou foi uma: se transformar na Cutie Honey, a belíssima heroína que lutará contra esse grande inimigo e vingar a morte do pai! HONEY FLASH!

  • História e Desenvolvimento

Um dos panos de fundo mais comuns das obras de ficção tradicional é a luta do bem contra o mal calcado no objetivo da vingança. Nessas histórias, os vilões fizeram um ato de maldade que atinge o protagonista e ele decide lutar pelo bem da sociedade, mas sempre tendo em mente o que ocorreu no passado e buscando uma reparação. Todos os consumidores certamente já deve ter se deparado com essa estrutura inúmeras vezes durante a vida, de diversas formas diferentes. Cutie Honey é mais uma delas.

Na história, uma organização criminosa está atrás do Doutor Kisaragi com o objetivo de roubar-lhe um invento valioso, o Dispositivo de Fixação Elemental, que permite criar materiais de todos os tipos, a partir dos elementos químicos presentes na atmosfera. Precavendo-se disso, ele criou uma superandróide e implantou nela esse dispositivo, de modo que ela ficasse escondida e longe dos malfeitores. Entretanto, a poderosa organização Garra da Pantera (formada por ciborgues e liderada por mulheres com poderes especiais) termina por matar o doutor e Honey precisará se levantar para lutar contra esses criminosos e proteger a si própria, surge então a famosa Guerreira do Amor.

Apesar de seu corpo ser o de uma humana comum, que sente dores e tudo mais, ela é dotada de grande força e com o “dispositivo” Honey pode se transformar de todas as formas possíveis, em enfermeira, em colegial ou até mesmo em uma estátua^^. Assim, durante a obra acompanharemos diversos planos da Garra da Pantera buscando encurralar Honey e, com isso, veremos lutas e as várias transformações da androide.

Cutie Honey não se destaca de outros títulos do gênero, mas é uma daquelas obras de ação que fazem com que o leitor mergulhe na história e acompanhe as batalhas e o desenvolvimento com grande vivacidade. Quem leu Devilman reconhecerá facilmente o estilo do autor nas cenas de ação, com pouco texto e o escalonamento da emoção a cada página, entre outras coisas. Não existe aquela violência da obra mais famosa de Go Nagai, mas as lutas estão lá e agradam bastante.

Em outras palavras, trata-se de um mangá muito legal em que a ação é o ponto alto e você consegue se divertir bastante. Só há um porém no que dissemos até aqui. Você conseguirá se entreter se você abstrair a bobice que é Cutie Honey.

A verdade é que Cutie Honey tem diversas passagens que são estranhas, esquisitas e inusuais, seja no andamento da história, seja nas situações narradas com, por exemplo, umas explicações apenas para fazer piada. Em um certo momento, o autor nos elucida como Honey consegue energia, falando diretamente para nós. Porém, aí o autor para e faz uma piada para lá de simplória, vejam a seguir:

A obra está cheia de momentos bobos assim, em alguns a gente ri apesar da infantilidade, em outros nem isso por serem sem graça demais. A cena acima é apenas para humor mesmo, pois páginas depois vemos Honey apertada para ir ao banheiro, então é uma passagem que não teria sentido de existir, a não ser pela tentativa de fazer o leitor rir. É por isso que é preciso estar com um espírito para aceitar tudo o que vier, de modo que você aproveite a história como um todo, ou o máximo possível. Quem leu Gigant, do Hiroya Oku, pode ter uma noção do que estamos falando, mas Cutie Honey tem bem menos loucuras, fique tranquilo^^.

Esse contraste entre os momentos de ação e as bobices da obra acontece porque Cutie Honey não se resume a ser um mangá de aventura, sendo permeado o tempo todo por cenas de nudez e passagens de humor (muitas vezes envolvendo a nudez). A NewPOP mesmo classifica o mangá nos gêneros comédia e ação, o que é bem acertado dada a natureza da obra.

Honey aparece quase sempre sem roupa, seja na hora de se transformar, seja em momentos mais eróticos e/ou de humor.  Mesmo quando não aparece pelada, a nudez dela é usada como elemento para comédia, para causar riso. Em uma oportunidade, por exemplo, Honey chega no colégio interno em que estuda e é recebida por um grupo de garotas esquisitas que a querem ver sem roupa e tudo isso é usado apenas para fazer humor, para mostrar a garota constrangida e para fazer mais piada ainda com nudez O_o.

A nudez se centra praticamente apenas nela, mas outros personagens também aparecem sem roupas em diversos ocasiões, como quando uma certa personagem sofre maus tratos ou quando um outro personagem tem sua genitália exposta por meio de uma janela de hospital e isso vira alvo de riso das pessoas da obra.

Falando especificamente do humor de Cutie Honey, há passagens bem marcantes e que podem (ou não) funcionar com você, a depender do seu estado de espírito e sua recepção a coisas mais antigas, pois são situações feitas para um público mais juvenil ou que ficaram marcadas no tempo. Por exemplo, em uma determinada cena aparece um personagem com hemorroidas e ele é o tempo todo atacado por um outro cara, sofrendo um golpe em sua região anal, o que o faz ter dores a torto e a direito. A cena de comédia é bem explícita, ela grita que a gente deveria rir, mas nos pareceu sem graça e infantil. Lá no Chaves, a gente ainda ri do Seu Barriga tendo o seu pé com calo acertado o tempo todo porque é algo antigo que a gente se acostumou a ver e a graça ainda permanece, mas nessa cena de Cutie Honey, que tem o mesmo mote (alguém sofrendo um ataque em um local debilitado), não nos agradou por parecer de mal gosto. Entretanto, talvez você consiga achar engraçado e se divirta com esse tipo de cena.

Outra passagem de humor em que não nos faz rir é quando aparecem personagens de outras obras de Go Nagai ressignificados. O autor, para quem não sabe, costuma reutilizar “atores” de obras pregressas e quando eles aparecem em Cutie Honey, com outros nomes, ocorre uma piadinha sobre quem são eles nessa obra. A NewPOP coloca uma nota explicativa, mas a piada só seria efetiva se já o conhecêssemos antes e tivéssemos lido as obras que eles apareceram primeiro. Como não tínhamos essa bagagem de leitura, não houve riso.

Apesar disso tudo, não quer dizer que a obra não nos divirta. Na verdade, ela é um compêndio de comédia do início ao fim. Embora a ação e a nudez prevaleçam, o humor está lá sempre presente, com caras cômicas dos personagens e piadas universais, como um certo personagem sendo feio e se assustando com a própria feiura, dentre outras coisas. Mesmo sendo passagens mais bobas divertem aqui e ali. Não é a maior maravilha do mundo, mas diverte.

Antes de se ver no espelho
Depois de se ver no espelho

É importante comentar que Cutie Honey tem inúmeros defeitos que vão além das piadas estranhas (para dizer o mínimo) e há pontos questionáveis na história que causam desconforto em nós, leitores do século XXI. Se o mangá possui a inovação de ter uma personagem feminina como protagonista de um mangá para garotos, isso não significa que ela seja disruptiva e aborde temas em voga atualmente. Pelo contrário, ela é o resultado de sua época e se apresenta como tal.

Se Honey é uma personagem forte que luta contra o mal, daquelas digna de nota, isso não quer dizer que o autor a use em toda a sua plenitude, pois ela sofre assédio o tempo todo, um assédio que é considerado normal na obra e usado para fazer humor (ela pelada no banho e os homens querendo entrar; ela transformada em estátua e os homens a lambendo, etc). Para além disso, a ambição da Garra da Pantera, o grupo criminoso grande rival de Honey, é demasiado risível e chega ser revoltante. Em um certo momento da obra, a Garra decide roubar um artefato valioso, o Buda Dourado, e um investigador comenta o porquê de o grupo querer aquilo. A resposta é bem característica: o grupo é formado por mulheres, a líder é uma mulher e mulheres gostam disso O_o.

Uma motivação ridícula e se fosse feita em um mangá de hoje deveria ser apedrejada de todas as formas possíveis. Trata-se de algo simplório e sem sentido, narrativamente fraco e de uma infantilidade sem tamanho e que não serviria de convencimento em qualquer história, principalmente em uma obra de comédia como é Cutie Honey. Isso sem falar na clara questão do estereótipo machista desse tipo de fala, que por si só daria pano para manga.

Como se trata de uma obra antiga, da década de 1970, a gente consegue relevar esse tipo de coisa, afinal não se pode julgar uma obra antiga pelo espectro de agora. Como todos os estudiosos de ficção sabem, as obras são produtos de um local, de uma cultura, de uma sociedade e de uma época histórica e mesmo as obras mais fantasiosas refletem um pouco do modo de pensar da época em que foi produzido. A própria NewPOP faz uma ressalva em seus paratextos sobre a existência de cenas e falas que não seriam aceitáveis nos dias de hoje:

Por último, outro ponto que se deve mencionar como demérito é em relação ao final de Cutie Honey, que é bem ruim. Muitas pessoas afirmam que o fim de diversos mangás são péssimos, medíocres ou coisa assim, mas em geral trata-se apenas de gosto pessoal em relação aos rumos que a história tomou e se você analisar com calma, o final costuma ser interessante. O caso de Cutie Honey, entretanto, não é desses. O final é insatisfatório apenas e tão somente porque ele não tem final propriamente dito.

Toda a história de Cutie Honey é a vingança da garota para com a Garra da Pantera, por terem matado seu pai. Então, a obra é sobre a luta entre essas duas grandes forças, a força do bem, contra a força do mal, mas a história não se conclui. Ele é um daqueles mangás em que o final fica em aberto, com a heroína dizendo que enquanto houver inimigos ela continuará lutando, não existindo a batalha final.

É aquela coisa, não estraga a experiência, mas fica com a sensação de que ficaram faltando páginas, ou de que a obra foi cancelada ou abandonada no meio do caminho, etc. Ou seja, é um sentimento de: cadê o resto? Ou de: é só isso?

Não chegamos a perder tempo lendo Cutie Honey, pois apesar dos pesares a obra entretém, as cenas de ação convencem e, embora o humor seja meio bobo e ultrapassado, a gente consegue rir. É uma leitura bastante ágil e você conseguirá consumir as quase quinhentas páginas em menos de um dia sem o menor problema. Então, no fim, até que vale a pena, mas definitivamente não é para todo mundo e temos muitas ressalvas para com o título.

  • A Edição Nacional

A edição brasileira do mangá veio pelo selo Prime da editora NewPOP, em um acabamento luxuoso, com o formato 15 x 21 cm, com miolo em papel Pólen Bold, quase 500 páginas (algumas delas coloridas) e capa dura. O preço foi R$ 94,40.

Assim como a edição de Devilman, trata-se de um produto muito bem feito, bastante maleável permitindo o folheamento e a leitura sem problemas. Apesar de ter um grande número de páginas não é pesado, sendo bem mais leve do que poderíamos supor.

Em relação ao texto, ele é bem adaptado e consegue dar bastante fluidez à obra, aumentando até mesmo o humor em algumas passagens, como em um momento em que bandidos chegam no hospital e um personagem fala que se trata dos doutores da alegria^^. Claro que nem todos os momentos é possível adaptar e a editora coloca notas explicando os nomes dos personagens ou falando que eles eram originalmente de outra obra, etc. No todo, foi um bom trabalho da editora.

  • Conclusão

Nem todos os clássicos são clássicos por serem bons de verdade e sim por sua revolução e engenhosidade na época e o legado que deixaram para depois. Nem todos os clássicos conseguem ser tão atuais como Rosa de Versalhes e Akira; Nem todos os clássicos conseguem nos pegar pela ambientação e a história como Hokuto no Ken e Devilman (sem falar das cenas de ação, é claro).

Cutie Honey termina por ser o mais fraco dentre os clássicos a terem aparecido no Brasil nos últimos tempos. Ele está longe de ser ruim, mas é definitivamente uma obra bem infantil, feita claramente para agradar o público adolescente sedento por batalhas, muita ação e peitos. E como é uma obra mais antiga, ele não é tão bom ao paladar atual. Ainda assim, ele é um título que te cativa pela agilidade, fazendo você ir virando as páginas rapidamente para descobrir os novos acontecimentos, e pelo humor, sendo um entretenimento legal.

E é isso o que é Cutie Honey, um entretenimento comum e normal. É uma obra de ação legal com pitadas de humor e erotismo e nada mais. Visto pelos dias de hoje não é nada grandioso, não é nada  que chame a atenção dentre outros títulos. Claro que o nome Go Nagai (e a história pregressa da obra, como o primeiro shounen com protagonista feminina) faz com que ela se destaque, mas no todo é apenas mais um daqueles títulos sem aquela coisa extra que nos desperta a paixão pelos mangás.

Não é ruim, dá para se divertir, dá para rir e tudo mais, e Cutie Honey só não é tão bem feito quanto o Devilman, o Hokuto no Ken, o Lobo Solitário e outros clássicos, e isso pesa quando a obra custa R$ 94,90. Se fosse mais barato, em uma edição mais normal de capa cartão e dividido em dois volumes, poderíamos recomendar para todo mundo, mas como não é, fica difícil…

Então, a gente indica ele para quem gosta de obras de ação e que curta humor envolvendo mulheres peladas e, ao mesmo tempo, tenha afeição por títulos mais antigos, coisas mais trash, esquisitas, etc. Caso contrário, guarde seu dinheiro, pois tem outros mangás melhores no mercado…

  • Ficha Técnica

Título Original: キューティーハニー
Título NacionalCutie Honey
Autor: Go Nagai
Tradutor: Thiago Nojiri
Editora: NewPOP
Dimensões: 15 x 21 cm
Miolo: Papel Pólen.
Acabamento: Capa Dura
Classificação indicativa: 18 anos
Número de volumes no Japão: 2 (completo)
Número de volumes no Brasil: 1 (completo)
Preço: R$ 94,90
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3 Comments

  • Alscx

    Como gostei bastante de Devilman estava pensando em pegar esse também, mas como pelo jeito não se sustenta tão bem deve deixar passar. Como falaram na matéria tem saído muitos manás clássicos por aqui.

  • D.D

    “Trata-se de algo simplório e sem sentido, narrativamente fraco e de uma infantilidade sem tamanho e que não serviria de convencimento em qualquer história, principalmente em uma obra de comédia como é Cutie Honey.” Não entendi bem isso. Não é exatamente pelo fato disso ser uma comédia que algo assim se torna convincente? Quanto menos a sério algo se leva, mais fácil de relevar e aceitar certas supostas idiotices.

    • Não exatamente. Existem diversos tipos de comédia e níveis de comédia. Uma obra inteiramente nonsense até poderia ter coisas idiotas como, por exemplo, falar que um cara é ladrão porque ele é torcedor do Corinthians. Seria algo problemático (é um estereótipo preconceituoso), mas dentro de uma estrutura inteiramente nonsense, poderia ser relevado porque toda a obra estaria calcado no nonsense e, em última instância, provavelmente até conteria uma espécie de crítica a esse tipo de pensamento estereotipado.

      Cutie Honey é uma comédia que se leva a sério, que tem as suas partes sérias, as partes de ação e tudo mais, com os planos dos malvados para acabar com a Honey, etc. Ela é humor, um humor bem boboca como falamos no texto, mas não é aquele humor totalmente nonsense. É desse tipo de comédia que a gente tava falando no texto, nessa parte que você destacou. E aí quando você coloca uma motivação esdrúxula para o vilão principal toda a parte séria da obra meio que perde o sentido, não dá liga, não convence. Vira algo idiota e fraco narrativamente. Se era para ser uma piada, só serviu para estragar o que vinha sendo feito.

      É claro que existem obras e obras, e coisas não são tão preto no branco como eu fiz parecer. Em algumas, a coisa é feita de tal modo que mesmo uma motivação esdrúxula pode até fazer sentido por ter um algo mais ali, uma crítica embutida ali, mas novamente não é o caso de Cutie Honey. O autor só queria fazer piada mesmo, uma piada bem ruim e que feita nos dias de hoje seria totalmente inaceitável.

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