Resenha: O plot twist que deu certo em “Guerreiras Mágicas de Rayearth”

Reviravoltas interessantes…

ATENÇÃO: O TEXTO A SEGUIR CONTERÁ SPOILERS DE GUERREIRAS MÁGICAS DE RAYEARTH, O SEXTO SENTIDO, GRANDE SERTÃO: VEREDAS, PUELLA MAGI MADOKA MAGICA, CHAPOLIN e SEGUNDO SOL. LEIA POR SUA CONTA E RISCO.

Provavelmente você já ouviu alguma vez na vida a expressão Plot Twist. Trata-se de um recurso bastante utilizado em narrativas que consiste em uma reviravolta inesperada no enredo, que serve para dar conclusão à história ou modificar totalmente tudo o que se sabia até então de uma dada obra. A morte de Mami Tomoe em Puella Magi Madoka Magica, a descoberta de que Diadorim é uma mulher em Grande Sertão: Veredas, o retorno de Remy em Segundo Sol, todos estes são exemplos claros de plot twists nas mais diversas mídias.

Nem toda reviravolta no enredo é igual, entretanto. A morte de Mami Tomoe é um daqueles básicos e simples, que – com o desenrolar normal dos acontecimentos – mudam o rumo da trama. Até então víamos ela como uma das protagonistas, uma das mais fortes personagens, mas ela perde a cabeça do nada e o medo se impõe. A partir daí a história vai ficando mais e mais sombria. Mas existem aquelas reviravoltas que são mais elaborados e muito bem pensadas, mostrando-se na cara do leitor/expectador e mesmo assim passando despercebido. O exemplo mais claro disso é no filme O Sexto Sentido. Na trama, o personagem de Bruce Willis é um psicólogo que vai tentar ajudar um garoto que é capaz de ver espíritos. A trama se desenvolve e, no final, ocorre a grande reviravolta, descobrimos que o próprio personagem de Willis já era um dos espíritos que o garoto via desde o começo. A questão é que tudo estava lá. Havia diversas cenas do homem interagindo com as pessoas e elas comportando-se de forma estranha. Bastava olhar atentamente que o expectador conseguiria antecipar o final do filme.

Nem todo plot twist é bem executado, nem todo plot twist é legal de se ver. Alguns são feitos de forma a enganar o seu público da forma mais vil possível. Em Segundo Sol, por exemplo, novela exibida pela Globo em 2018, o personagem Remy (interpretado por Vladimir Brichta) é assassinado em um certo momento da trama e a culpa recai em Luzia (a protagonista, interpretada por Giovanna Antonelli). Tanto os personagens da trama, quanto o público acham que ele morreu mesmo, só que depois descobrimos que a morte era falsa. Era tudo um plano e nada mais que isso. O problema é que nada foi dito em frente às câmeras, o expectador foi totalmente iludido e ludibriado, sem que ele pudesse “se defender” da “pegadinha” do autor. Em outras palavras, os roteiristas da trama não tinham repertório e quiseram fazer uma surpresa pela surpresa.

Claro que nem tudo é tão preto no branco assim. Existem reviravoltas que são feitas às escondidas do espectador, mas fazem sentido dentro do contexto, como em obras de humor. Em um episódio de Chapolin Colorado, por exemplo, ocorre uma Festa à Fantasia em que uns contrabandistas irão atuar. A dona da festa, ao saber que isso aconteceria, chama o Chapolin para ajudar. No dia da festa, lá está o Chapolin atuando como um herói e buscando acabar com os contrabandistas. No fim, porém, descobre-se que ele, na verdade, era um dos convidados e que estava disfarçado de Chapolin. O Chapolin de verdade tinha se atrasado porque não passava táxi^^. Ou seja, essa reviravolta escondida do expectador serve para uma situação de humor nonsense.

Sobre grandes reviravoltas na história, quem nasceu nos anos 1980 e início dos anos 1990 provavelmente conheceu em Guerreiras Mágicas de Rayearth, pelo desenho animado exibido no SBT, o primeiro grande plot twist da sua vida. O anime era muito interessante, em parte devido às lutas constantes na busca de salvar Zefir (Ou Cefiro), em parte pelo humor ocasionado pela personalidade da Lucy e pelo bichinho fofinho Mokona. Na primeira metade da obra veio, porém, o grande baque, a grande surpresa, pois estávamos acompanhando uma outra história e tudo já estava lá, na nossa cara.

Para quem não conhece, a história de Guerreiras Mágicas de Rayearth segue as aventuras de Lucy, Ami e Marine (ou Hikaru, Umi e Fuu) em um mundo alternativo chamado de Zefir. Ao irem em uma expedição da escola na Torre de Tóquio, as três garotas que até então não se conheciam são envolvidas por uma luz misteriosa e ouvem uma voz dizendo “Por favor, salvem Zefir” e elas acabam transportadas para aquele mundo. As três recebem como missão tornarem-se guerreiras mágicas e, com a ajuda dos gênios (uma espécie de robôs gigantes), salvar aquele mundo que se encontra em grande perigo devido à dissolução do poder da princesa Esmeralda (ou Emeraude) e o fato de Zagar (ou Zagato), um dos chefes da guarda da princesa, a ter raptado e a mantido em cárcere.

Na primeira parte da história (19 primeiros episódios do animê ou os 3 primeiros volumes do mangá), que é a que nos interessa, as três jovens lutam contra Zagar (e seus aliados) que quer impedir de todas as maneiras que as guerreiras mágicas cumpram o seu objetivo. O mangá se desenvolve muito bem nessa parte, com as garotas lutando contra os inimigos e, aos poucos, irem despertando os gênios que as ajudarão no objetivo de salvar Zefir.

À primeira vista, Guerreiras Mágicas de Rayearth parecerá apenas uma história juvenil de fantasia, ultra clichê, com a velha luta do bem contra o mal, só que não é bem assim. De fato, a obra é juvenil de fantasia, porém o background da história é diferente e a tal luta do bem contra o mal não existe, nós é que somos enganados pelas autoras (o grupo CLAMP).

A história vai colocando pistas ao longo da trama, mas na primeira leitura a gente não consegue perceber e aí chega o grande plot twist da história. As guerreiras mágicas têm realmente que salvar o mundo alternativo, mas derrotar Zagato não é o objetivo. O único jeito de salvar o mundo é… matar a princesa Esmeralda. Sim, isso mesmo. Elas foram chamadas para salvar o mundo paralelo e acreditavam que precisavam acabar com Zagato e resgatar a princesa, só que na verdade o objetivo verdadeiro de sua missão era matar a pessoa que os invocou.

Basicamente, como Pilar de Zefir, Esmeralda deveria passar seus dias orando pela manutenção da paz no planeta e essa era seu único objetivo. Enquanto fizesse isso, o mundo estaria em paz. Entretanto, ela acabou se apaixonando por Zagato. Seu amor pelo homem a fez não conseguir se concentrar mais em suas orações, ocasionando os problemas que aquele mundo estava enfrentando. As regras daquele mundo eram claras, uma vez que o pilar não conseguisse mais realizar suas funções, ele deveria chamar as guerreiras mágicas de outro mundo para que pudessem por um fim nisso.

O ponto é que Zagato também amava Esmeralda e não queria permitir a morte de sua amada, então ele raptou a princesa e quis eliminar as guerreiras. Lutas e mais lutas se sucederam, mas no fim ele não conseguiu cumprir o seu objetivo.

O grande plot twist da obra era isso, um plot twist que deu muito certo e nos mostrou uma trama interessantíssima, novamente evocando uma das temáticas mais comuns na obra do CLAMP, as diversas formas de amar e as barreiras que não deveriam existir para o amor. Em Guerreiras Mágicas de Rayearth a regra daquele mundo era cruel demais e Zagato lutava para ir contra ele. Lucy e as demais, então, tiveram que enfrentar o duro destino de separar duas pessoas que se amavam. Não à toa, o final dessa primeira parte da história não é alegre, com as garotas chorando pelo que fizeram.

Essa foi uma das reviravoltas mais sensacionais da história dos mangás e animês que a gente teve a oportunidade de ver. E, ainda hoje, passados mais de vinte anos desde a primeira vez que assistimos à revelação do animê, continua em nossa memória como grande exemplo de um plot twist bem feito.


Guerreiras Mágicas de Rayearth foi publicado no Japão entre 1993 e 1996 na revista shoujo Nakayoshi, da editora Kodansha, e rendeu ao todo 6 volumes (em duas fases com 3 cada). No Brasil, o mangá foi publicado em duas ocasiões, uma em 12 volumes entre 2001 e 2002 e outra em 6 volumes entre 2013 e 2014. Em ambas as ocasiões o título foi publicado pela JBC.

O plot twist de que trata este texto ocorreu na primeira fase da história. A segunda fase tem uma outra história, com um outro desenvolvimento, mas isso fica para outro dia.

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