Biblioteca Brasileira de Mangás

Desmistificando: Como a forma de publicação interfere nos mangás

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A inconsistência dos mangás…

Mangá é uma coisinha toda especial, cheia de características, algumas próprias dos mangás, outras da demografia, outras da cultura e língua japonesa, mas tem algumas que são frutos da forma que mangás são produzidos e serializados.

Serialização dos mangás no Japão

Pra quem não sabe, a grande maioria dos mangás no Japão são serializados em revistas periódicas – desde semanais, bimensais, mensais, bimestrais e até semestrais e anuais. Esses capítulos são então revisados e compilados num volume próprio.

Existem diversas revistas que trabalham de formas diferentes, mas na grandíssima maioria os capítulos dos mangás são feitos com pouquíssima antecedência, cerca de um a três meses.

Várias das revistas e mangás também têm formulários de pesquisa de satisfação, onde você dá nota, critica, mostra erros, etc. Em algumas esse “ranking” é uma verdadeira competição e as séries últimas colocadas são canceladas. Uma das mais icônicas é a Weekly Shounen Jump da editora Shueisha.

Como isso interfere nas histórias

1 – Inconsistências

Por causa desse caráter imediatista, são poucos os autores que pensam com antecedência a história completa. Na verdade, em muitas séries, principalmente as juvenis, o que vemos é inconsistência. As histórias mudam de rumo e foco, personagens são mortos ou abandonados, tudo para agradar o público imediato e conquistar mais votos. Se aquele “inimigo” não agradou, rapidamente se dá um jeito na criatura. Se por outro lado agradou, dá-se um jeito de revivê-lo ou imitá-lo o máximo possível.

Essa inconsistência e mudança de rumo é comum em todos, mas muito mais óbvio nos mangás longos. Geralmente os primeiros capítulos de um mangá longo não tem nada a ver com a cara atual do mangá. Grandes exemplos disso no Brasil são Dragon Ball, Berserk e Gantz.

Os arcos também mostram claramente a montanha-russa criada pelos votos e opinião dos leitores. Alguns são estendidos por uma eternidade, outros acabam em alguns capítulos, como ocorreu em Inu-yasha. Em Gantz então a história se transforma e se recomeça tantas vezes que fazer uma sinopse que abranja toda a história é impossível.

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Mas as inconsistências vão além disso tudo, assim como a história muda de rumo, personagens mudam de aparência e personalidade do nada. Seja por estar se adequando melhor ao que o público quer ou por evolução de traço do autor.

Um exemplo clássico é o Sesshoumaru, meio-irmão de Inu-Yasha, que no mangá inicialmente aparece com um aspecto infantil e rapidamente evolui para uma aparência adulta e séria.

Algumas séries japonesas são conhecidas por mudanças ainda mais agressivas, principalmente com relação às personalidades, a Bulma de Dragon Ball é um bom exemplo disso, além dos muitos personagens que se transformam em Gantz.

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Isso interfere também nos títulos. O autor tem que criar um título logo no primeiro capítulo com base em uma ideia que pode se transformar em algo muito diferente. Um exemplo clássico é, novamente, Dragon Ball – no início a caça às Dragon Balls é o centro da história, mas após alguns volumes as esferas do dragão não passam de parte do universo e ninguém dá muita bola para elas. O mesmo pode ser visto em Card Captor Sakura, onde após o primeiro arco não há mais captura nenhuma de cartas.

Ou seja, a forma como é publicado limita e até torna os títulos “mentirosos”, na verdade, os títulos perdem e muito sua importância. É difícil encontrar nos mangás títulos “inteligentes”, títulos que estejam de alguma forma conectados ou crie expectativa. Que sentimento uma obra com títulos como Inu-Yasha, Naruto, One Piece, Sailor Moon te passa? Seria como se Cinquenta Tons de Cinza (Fifty Shades of Grey) se chamasse “Christian Grey”, ou Um Estudo em Vermelho (A Study in Scarlet) se chamasse “Sherlock Holmes”.

Pense consigo mesmo, quantos títulos japoneses você já viu com um nome criativo e enigmático? Uma metáfora, uma alusão, uma pergunta? Se compararmos os nomes de livros com os mangás, dá para ver fácil como são super sem-graças ou até meio viajados demais.

Não quer dizer que todos os livros tenham títulos criativos, existem vários que seguem a mesma fórmula óbvia, como Helena, Romeu e Julieta. Agora, achar um mangá com um título bem pensado… Títulos interessantes em mangás geralmente vêm das obras originais, como Cinco centímetros por segundo ou Um litro de lágrimas.

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São todos assim? Não, não são. Existem diferentes editoras com diferentes formas de trabalhar os seus títulos e obras. Há autores que fazem roteiros e pré-definem mais ou menos um início e fim. Há até mangás que são lançados direto em formato volume/livro mesmo, sem passar por nenhuma revista. Há editoras que permitem a mudança de nome, por exemplo, da obra ao se encadernar. Há autores que reescrevem e redesenham os capítulos iniciais. Ou seja, existe um pouco de tudo.

Geralmente quando as obras têm roteiristas ou são baseadas em outras obras, elas tendem a ter uma maior estabilidade e consistência. Obras mais adultas (para a meia-idade) também tendem a ser bem estáveis e pensadas, talvez por causa da maturidade e exigência do público mais velho. Mas quando o assunto são as histórias juvenis…

Uma das franquias mais conhecida pela total inconsistência é a Jump, desde a Shounen até a Seinen. Talvez exatamente por causa da idade e foco no entretenimento. Afinal, Naruto não é menos divertido por ser inconstante.

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Vale a pena comentar que isso não acontece apenas nos mangás. As tirinhas ocidentais sofrem a mesma coisa, Garfield mesmo se contradiz o tempo todo, afinal o importante é ter graça, não consistência.

Na televisão é a mesma coisa, os sitcoms ocidentais também são totalmente inconstantes. Na internet você encontra listas e mais listas de informações controversas ou mudanças de personalidade nos sitcoms mais famosos como Two and a Half Man, Friends, The Big Bang Theory e How I Met Your Mother.

Ou seja, se por um lado algumas obras prezam a continuidade e isso é importante para criar o mistério e sacadas na série, outras são mais imediatistas e alteram e moldam a história para atingir a risada e diversão.

2 – No capítulo anterior…

Outra consequência marcante da forma de publicação dos mangás são os constantes diálogos e narrações sobre os acontecimentos dos capítulos anteriores, ou reapresentação dos personagens e sinopse.

Geralmente nas versões em revista há nas bordas várias informações e mensagens dos autores. Algumas delas possuem quadros com sinopses e apresentação dos personagem a cada folha, mas que são cortados fora quando é encadernado (ou adaptado e colocado no início do volume). Outros utilizam a primeira página do capítulo para incluir um “no capítulo anterior” e informações sobre a série (como novos volumes) ou acontecimentos importantes, estes também acabam sendo excluídos na versão final.

Já alguns autores preferem incluir essas informações através de narrações, diálogos ou até mesmo fragmentos de outros capítulos e repetição das últimas páginas. E estes aqui acabam no volume final. Um exemplo clássico é a quantidade de vezes em que Sakura, de Card Captor Sakura, se apresenta, diz sua idade e sua missão. Sailor Moon é outra obra que parece ter sido escrita para pessoas completamente desmemoriadas.

Alguns deles são tão óbvios e repetitivos que chega a ser irritante, especialmente em capítulo de obras semanais, que em sua maioria são curtos. Felizmente isso tende a acontecer cada vez menos conforme a série se populariza, mas até chegar lá, se prepare para ser informado de nomes, idades, missões e objetivos todo santo capítulo.

3 – Quantidade exaustiva de capítulos

Na verdade, capítulos têm uma utilidade muito importante em histórias e textos, seja para delimitar assuntos, pedaços da trama, acontecimentos, dias, etc; seja para facilitar a leitura casual, delimitando pedaços menores do texto para que o leitor tenha bons lugares para parar sua leitura sem causar confusão.

Mas, no caso dos mangás, os capítulos são um certo valor predeterminado de páginas baseado nos lançamentos das revistas. Uma revista de periodicidade mais rápida acaba com capítulos até confusos de pouquíssimas páginas, que quando são encadernados representam uma enorme quantidade de paradas desnecessárias que até quebram o clímax e emoção do capítulo.

São poucos os mangakás que têm a sutileza de alterar e reestruturar os capítulos na versão encadernada. Alguns, por exemplo, lançam capítulos com “partes”, que no volume viram um único capítulo, Hellsing teve disso. Uma quantidade menor ainda de autores realmente reestruturam e até reorganizam os capítulos, criando e redesenhando páginas para “corrigir” os buracos.

Ainda existem os autores que são conhecidos por retirar todos os capítulos e lançar os volumes sem nenhuma ou quase nenhuma parada. Alguns desses de forma tão perfeita que é um verdadeiro desafio identificar onde seria os começos e fins dos capítulos originais.

Ou seja, enquanto alguns autores investem em adaptar o que é lançado nas revistas para um volume, reconhecendo que são mídias diferentes, outros não têm esse cuidado, às vezes causando uma quantidade exaustiva de inícios e fins de capítulo que só quebram a leitura.


Essas foram algumas das coisas em que a forma de publicação interfere nos mangás. E a você, leitor? Te incomoda essa coisas? Consegue perceber quais autores têm um cuidado maior e quais não? 🙂

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