Biblioteca Brasileira de Mangás

Desmistificando: Como é feita a Classificação Indicativa dos mangás?

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Este mangá não é para você….

Muitos leitores já se perguntaram como se decide a classificação indicativas dos mangás. Essa pergunta é baseada no fato de que algumas obras simplesmente parecem mais “pesadas” do que outras e no entanto recebem Classificação Indicativa menor. Pois bem, adoraria poder vir aqui e dizer como há, neste sistema de classificação, regras e tudo mais. Mas a coisa é muito mais “jogada”…

Na verdade existe um órgão governamental, a Coordenação de Classificação Indicativa (Cocind) do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação (Dejus) que é responsável por classificar filmes, games eletrônicos e programas de televisão no Brasil.

O órgão foi criado no final da década de 80 para proteger as crianças e adolescentes daquilo que não era recomendado para sua idade. A função é basicamente decidir isso e colocar avisos.

Mas por que isso não engloba os livros e quadrinhos? O caso dos livros é que são apenas palavras, você pode descrever uma relação sexual, mas uma pessoa sem a maturidade para aquilo não vai entender ou conseguir imaginar o que está sendo descrito. A inocência de uma criança a protege das palavras, por isso mesmo elas repetem coisas às vezes inadequadas sem ter a menor ideia de por que aquilo “é coisa feia”. Até aí, faz sentido, mas quadrinhos não são só palavras…

Segundo a constituição:

Art. 21. Compete à União:
XVI – exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão;

Note que “diversões públicas” é um tanto vago, para o Cocind, os livros de RPG são algo que se enquadra nessa classificação e são obrigados a passar pela classificação. Já quadrinhos não.

A verdade é que mangá e quadrinhos em geral são inexpressivos demais para essa coordenação gastar seus recursos com isso. De fato, atualmente várias coisas inexpressivas (mas que deviam por lei ser analisadas) entram na “Autoclassificação”, que significa que serão classificadas pelo produtor usando os moldes deles e que pode ser alterado caso o Dejus não concorde. Isso acontece por falta de verba e mão-de-obra. Obviamente, eles preferem se focar nos que realmente são vistos e vendidos e deixam os bobinhos com o bom-senso.

Quando falamos de inexpressivo estamos comparando com outra mídias como filmes e programas televisivos. Existem mais de 60 milhões de menores de 18 anos no Brasil, se uma editora lançar um hentai e vender 40 mil cópias para meninos de 11 anos, são 40 mil traumatizados em 60 milhões, isso são 0,07%. Logo não é prioridade.

Resultado: inexpressivo, massivamente considerado coisa de criança e agrupado com livros. Não só não é julgado pelo órgão responsável como nem é obrigatório a Classificação Indicativa, inclusive vários mangás e quadrinhos não têm aviso algum (nem de Livre).

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Então, como é feita a Classificação Indicativa dos mangás? Algum funcionário da editora lê e diz “vamos colocar para xx anos”. Essa classificação é feita volume a volume e por isso tomos diferentes da mesma série podem ter classificações diferente como o caso de Thermae Romae em que o volume 2 é +18 e os demais +16. Isso, entretanto, é raro, já que mangás são lançados em revistas com demografias específicas, um shounen, por exemplo, é sempre livre ou até 16 anos. O que ocorre às vezes é que algo considerado 16 por lá é considerado 18 por aqui, causando essa pequena flutuação.

A coisa é tão de qualquer jeito que os avisos também não seguem os moldes oficiais – sim, existem regras, com medidas, avisos de conteúdo e tamanho de fontes, é por isso que todos têm avisos com a mesma cara.

Modelo de um aviso segundo às regras da Classificação Indicativa.

A Panini e a JBC (clique nos links nos nomes das editoras para ver exemplos) costumam colocar uma frase na lateral da capa ou no código de barras, a NewPOP coloca um símbolo no fundo junto com os gêneros (abaixo). As editoras às vezes colocam avisos também no interior dos mangás, como em índices ou editoriais.

Exemplo da NewPOP.

Uma coisa muito interessante, que mostra como as editoras desconhecem ou não seguem as “regras”, é que o padrão oficial é “Não recomendado para menores de __ anos”. As editoras por sua vez escrevem uma variedade de coisas como “Proibido para menores de __ anos”, “Impróprio para menores de __ anos”, “Recomendável para maiores de __ anos”, “Inadequado para menores de __ anos”, “Recomendado para maiores de __ anos” ou ainda “Restrito para menores de __ anos”. Te desafio a achar um caso em que a Classificação Indicativa esteja escrita corretamente em um mangá! É como achar uma agulha num palheiro.

É mais curioso ainda observarmos que a Classificação Indicativa tem como objetivo informar e indicar assuntos e temas não recomendáveis e não proibir.  A CI não é censura, é uma recomendação. Não cabe ao governo ou editora alguma proibir, restringir ou considerar impróprio ou inadequado. A única coisa que se pode fazer é não recomendar certa coisa para certa idade devido a x, y e z motivos, para que os responsáveis possam tomar suas próprias decisões.

Preste atenção que existe uma imensa diferença entre não recomendar e recomendar. Você não recomendar uma obra para certa idade é dizer que não acha que aquilo é bom para aquela faixa etária. Agora recomendar é dizer que acha que aquilo deve ser lido por aquela faixa etária. Não entendeu? Analise uma frase fictícia: “Olha, recomendo irmos no dia 18, mas se quiser no dia 15 pode ser também”. Ser recomendado para algo não diz nada a respeito das outras faixas, ser recomendado para 18 anos não significa que não é recomendável para 17, 16, 15, etc.

No fim das contas todas as editoras falham bravamente em fazer uma Classificação Indicativa. Daria para vir aqui e mostrar as regras e guias de autoclassificação, do que pode ser ou não daquela idade, mas isso não vale nada se o funcionário dessa editora não utilizá-las. (Agora se você quer saber mesmo assim, leia o guia oficial.)

No fundo às vezes pode ser usado as classificações japonesas e americanas, ou talvez, como alguns acusam, ser usado a de 16 anos para evitar ter que lacrar o produto. Quem sabe…?

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A CI nos mangás é uma mera cortesia das editoras, como já deu para notar, mas eles ainda assim são obrigados a colocar uma advertência de conteúdo, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art. 78. As revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com a advertência de seu conteúdo.

Note que Classificação Indicativa e Advertência de Conteúdo são dois animais diferentes. A lei não pede para você recomendar nada, ela pede para que você avise sobre o conteúdo. Você poderia simplesmente usar “Possui cenas de nudez”.

Ou seja, aquilo lá só lembra a Classificação Indicativa, mas no fundo é só um aviso que a constituição pede.

O interessante desse artigo também é a parte sobre “embalagem lacrada”, note que ele diz “impróprio e inadequado”, mas em lugar algum da legislação existe uma definição do que seria, logo é comum se considerar apenas aquelas coisas para 18+. É por isso que as coisas para 18+ vêm lacradas para bancas.

Por outro lado, veja que “revistas e publicações” é outra coisa vaga e geralmente é interpretado como periódicos e não livros. Dessa forma, livros e quadrinhos mandados para lojas e livrarias não precisariam ser embalados, já viu algum livro embalado?

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Depois disso tudo, acho que deu para notar como as leis são vagas e abertas à interpretação. E a não ser que algum dia um mangá seja alvo de algum escândalo fenomenal que venha a chamar a atenção das outras mídias e população, as editoras podem fazer o que bem quiserem, ninguém dá a mínima.


Desmistificando é uma coluna semanal, lançada nas quintas-feiras, sobre o mercado e mangás brasileiros e internacionais. Você pode ver todas as outras postagens anteriores desta coluna aqui. Sugestões e comentários também são sempre bem-vindos! 🙂

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