Biblioteca Brasileira de Mangás

Desmistificando: Discutindo os Relançamentos

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Cavaleiros

E o que eles nos dizem sobre o mercado!

Os primeiros relançamentos no Brasil e a segunda leva parecem todos estar ligados à uma editora chave, a Conrad. Em sua época, ela era a única que apostava em várias versões de suas obras, como foi o caso de Cavaleiros do Zodíaco, Vagabond e Dragon Ball.

Mesmo após seu fim, seus mangás inacabados e suas obras de estrondoso sucesso foram parte da segunda leva de relançamentos do país pelas editoras JBC e Panini. E até mesmo os “inovadores” relançamentos da JBC estão conectado à Conrad através do editor Medauar (que foi editor-chefe da antiga editora).

Note como acima citamos dois tipos diferentes de relançamentos, um é o relançamento propriamente dito dentro de uma mesma editora e o outro um via editoras diferentes, que embora seja um relançamento no país, do ponto de vista da editora não difere em nada de outros lançamentos.

Teria essa diferença qualquer consequência? Há, sim, um pequeno detalhe importante: quando a mesma editora relança uma obra, ela tem acesso e conhecimento de quanto vendeu no passado, dessa forma podendo fazer previsões e tendo uma ideia do potencial real de uma obra. Editoras diferentes não possuem esse tipo de informação, embora possam ter acesso via antigos funcionários e editoras japonesas, mesmo assim a informação seria limitada e resumida. Essa diferença torna o relançamento por uma mesma editora mais fácil que por editoras diferentes, menos arriscado e trabalhoso também (assumindo que seja feito corretamente).

Seja como for, o benefício para uma empresa de fazer relançamentos é reexplorar uma obra que tenha dado bons lucros no passado (seja esse um passado imediato ou longínquo). No caso do passado imediato, a obra vendeu bem o bastante para justificar uma nova versão, geralmente oferecendo benefícios diferentes, para os fãs que gostariam de ter um volume especial em mãos. Como o caso de All You Need is Kill e Death Note. Em contraste, os relançamentos de sucessos num passado distante, buscam primariamente novos leitores que não tiveram acesso à obra durante sua publicação original, ou que nem eram consumidores na ocasião. Nesses casos, as versões são geralmente “padrões”, como o caso de Dragon Ball, Evangelion e One Piece.

Essa diferença é importante para entendermos o público e renovação dos consumidores. Veja que quando Medauar assumiu a JBC e anunciou os primeiros relançamentos da editora, houve 2 tipos contrastantes de reação: aqueles que estavam felizes em finalmente poder ler e colecionar tal mangá e aqueles que criticavam a falta de lançamentos inéditos. Atualmente vemos menos desses clientes insatisfeitos e uma maior cobrança dos clientes por relançamentos.

Essa mudança de opinião estaria associada principalmente com a renovação dos consumidores. De fato, pessoas que colecionaram a primeira versão de Sakura Card Captor entre seus 15 e 20 anos em 2001, agora tem 30 a 35 anos, esta parcela de clientes que ainda coleciona virou a exceção e minoria. Segundo artigos e informações das editoras, a maior parte do consumidor está localizado entre 14 a 24 anos, algumas obras com maioria entre 14-18 e outras com 18-24. Essa nova geração e maioria consumidora tinha -1 a 9 anos de idade quando publicou-se Sakura, literalmente tinha gente que não havia nascido ainda, mas que atualmente consume esses títulos. E é disso que se trata os relançamentos de obras antigas, explorar essa nova faixa de consumidores que foi sendo formada aos poucos, mas que agora é maioria.

Ou seja, aqueles que reclamavam (ou reclamam) de que deveriam trazer relançamentos de luxo não percebem que a obra não está sendo relançada para eles que tiveram acesso à versão antiga ou estão dispostos a pagar horrores por volume, mas para toda uma ou mais geração de novos consumidores que veem esse relançamento como algo inédito. É intenção da empresa fazer um produto padrão e acessível, não algo caro e limitado. O lançamento de Slam Dunk também é outro exemplo que mostra bem isso, embora seja um volume kanzenban, algo especial no Japão, aqui foi adaptado e “empobrecido” para virar uma publicação acima de tudo acessível. Uma tática mais que válida de trazer algum diferencial por um preço camarada. É claro que, relembrando, há relançamentos para esse tipo de público que quer algo especial, como o Death Note Black Edition e o kanzenban de Cavaleiros do Zodíaco, uma minoria entre eles.

Mas essa não é a única reclamação, há aquele grupo que se incomoda com a quantidade de obras sendo relançada, afinal cada relançamento toma o lugar de uma obra realmente inédita no país e diminui as opções para o cliente que já colecionou aquelas obras no passado e não tem interesse em novas versões.

Para entendermos como um relançamento “toma um lugar” precisamos entender a diferença entre um relançamento e uma reimpressão. Um relançamento é necessariamente um nova versão, isso significa que a diferença entre as duas versões é muito grande, como nova tradução, novo formato, nova diagramação, etc. Por outro lado, uma reimpressão é apenas um novo lote, no máximo uma nova edição, é só a impressão de novos volumes. Essas edições podem ser revisadas, atualizadas ou com capas novas, mas são pequenas alterações localizadas, continua sendo basicamente a mesma coisa de antes, são bem comuns com mudanças ortográficas ou simples atualizações de dados afim de manter o livro em dia.

Isso significa que a mão de obra associada a uma reimpressão é infinitamente menor que a associada a um relançamento. De fato, na maioria das vezes há uma retradução e reedição, sem contar com uma republicação e reserialização. Ou seja, se a empresa estipula que lançará 10 mangás ao mês, este relançamento ocupada um desses lugares, tirando a chance de algo inédito assumir a posição.

(Vale a pena comentar que embora a reimpressão não ocupe um lugar nas serializações ou na linha de produção editorial, ela ocupa espaço dentro do orçamento da editora. Assim a depender das restrições econômicas dela, fazer reimpressões podem sim tirar lugar de uma das publicações principais. Por isso mesmo reimpressões podem ser indicativos de saúde financeira da empresa.)

Isso significa que a editora deve considerar o que mais vai lhe trazer lucro: o relançamento ou um lançamento de algo novo (ou até a reimpressão). Quanto mais relançamentos elas fazem, maior a prova de que o público consumidor se renovou bastante.

Mas esse surto de relançamentos também pode indicar algo um pouco mais preocupante, uma crise ou estresse da editora ou mercado. Como comentamos ali em cima, a editora sabe quanto vendeu certas obras e sabe o potencial que aquilo tem. Embora exista a possibilidade que duas gerações gostem de coisas absolutamente diferentes, em geral a comunidade não muda tanto assim, Sailor Moon e Cavaleiros do Zodíaco continuam famosos, mesmo sendo sucessos do passado. Isso traz uma segurança para a editora, a probabilidade dela relançar Sakura Card Captor, que vendeu muito no passado, e vender apenas 100 unidades é astronomicamente pequena. Por outro lado, trazer Corrector Yui (alguém lembra disso? Haha) da mesma época é um enorme perigo, pois a editora não faz ideia do que esperar. Mas há a possibilidade de que esse inédito venda absurdamente mais que Sakura e seja uma mina de ouro esperando para ser descoberta. Até mesmo porque um relançamento pode excluir os clientes de longa data que já possuem as primeiras versões.

Essa predileção do certo ao duvidoso das editoras atualmente pode ser indicativo de um “medo” ou maior insegurança das editoras para arriscar um sucesso. O que pode ser também, por sua vez, reflexo de uma situação desfavorável do mercado nacional ou crise interna dentro da própria editora.

Outro perigo do relançamento é a editora ficar presa nesse ciclo e passar a parar de investir em títulos atuais e possíveis best sellers. O relançamento faz muito sentido para as obras que realmente venderam muito bem no passado, mas passam a não valerem a pena para obras de venda mediana (por mais que certas pessoas queiram ter a chance de colecionar). Se a editora passa a se concentrar em apenas relançar qualquer coisa minimamente viável, ela perde espaço entre os clientes de longa data e a chance de se renovar, se limitando e caindo ainda mais num ciclo vicioso que pode lhe custar caro.

Dessa forma, relançamentos jamais devem ser a prioridade de uma editora, por maior que seja a sua pressa em colecionar e ter aquelas obras antigas em mãos. É importante que os leitores entendam essa dinâmica e que compreendam que não dá para ter as duas coisas ao mesmo tempo, ou é o relançamento ou é o lançamento inédito. Encontrar o balanço certo é imprescindível para a saúde da editora.

Quanto aos clientes, cabe aos dinossauros que colecionam a mais de 10-15 anos (cof, eu, cof) entender que você virou exceção e os novos consumidores têm fome pelos antigos sucessos e não querem pagar 50 reais o volume só porque você já tem uma versão. Já os novatos, cabem a eles entender que a editora não pode viver apenas deles, excluindo a parcela de veteranos e repetindo o passado. Infelizmente nem todo título será relançado, pois não vendeu o bastante na época e apostar numa decepção de vendas é um risco muito grande.

Mantenham em mente esse equilíbrio entre investimento em sucessos antigos e investimento no novo sempre que forem reclamar que a editora não relança aquela obra que você tanto quer. No final das contas a empresa deve pesar o que é mais benéfico para ela naquela momento, um relançamento de venda garantida, um risco em um lançamento inédito ou até quem sabe novas reimpressões e investimento na séries que já está sendo publicada.

Atualmente as editoras têm dado preferência aos relançamento e lançamentos, ignorando quase totalmente os investimentos em volumes  antigos de séries atuais. Ao ponto de lançar 3 versões do mesmo mangá em vez de reimprimir e relançar a mesma versão. Aparentemente tem muita gente que compra todas elas, fazendo o relançamento muito mais lucrativo. De certa forma, ter tantas versões de Cavaleiros do Zodíaco e Naruto acaba sendo “culpa” do público que continua comprando todas as versões, da renovação rápida dos consumidores, aliada ao formato imediatista dos lançamentos em bancas (que torna a obra impossível de se achar depois de certo tempo). Não que isso seja algo ruim, afinal, se tem quem compre, significa que isso é algo que o público quer.


E esse foi o Desmistificando de hoje, a coluna semanal, lançada nas quintas-feiras, sobre o mercado e mangás brasileiros e internacionais. Você pode ver todas as outras postagens anteriores desta coluna aqui. Se você tem sugestões ou comentários utilize o formulário abaixo, são sempre bem-vindos! 🙂

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