É interessante observarmos que, embora o mercado de mangás no Japão tenha mais de 70 anos, ele já passou por diversas mudanças significativas, especialmente quando o assunto é forma de consumo e veículo de publicação.
Nas primeiras décadas, essa forma de consumo era bem diversificada, o próprio senhor Tezuka evidencia isso com seus trabalhos, com séries que foram lançadas por capítulos em revistas, volumes que foram lançados avulsos, séries que saíram em revistas e depois foram reescritas e retrabalhadas, séries por encomendas de editoras, etc.
Na década de 70, começam a surgir os animes como subproduto dos mangás, com diversas adaptações das séries mais famosas, não só aumentando o alcance desta mídia, como criando toda uma cadeia de produção e necessidade de bons materiais para serem adaptados.
Tudo isso vai culminar na década de 80, com a era de ouro das revistas de mangás que vendiam muito mais que os volumes de mangás da época e da atualidade, até seu auge em 1995.
As Revistas
Desde sua criação, cada revista possuía um perfil, que mais tarde deu à luz os gêneros shounens e shoujos da vida. Com o tempo, a equipe, que julgava e decidia que séries publicar, passou a ser muito mais envolvida no processo, direcionando os artistas, fazendo exigências, participando do processo de criação e produção dessas histórias. E, com isso, revistas começaram a funcionar como “marcas”, inclusive sendo super destacadas nos volumes físicos.
Abaixo você pode ver as capas de Rosa de Versalhes, Glass Mask e From Far Away, todas devidamente identificadas como publicação da Margaret e Hana to Yume (duas revistas Shoujos), não só pelo nome do selo no topo, como pelo design padrão (como pode ser visto nos dois últimos da Hana to Yume).
Quando Revistas Vendiam Muito Mais Que Mangás
Essa tendência não só criou grandes marcas – sendo o caso mais bem-sucedido, o da Jump – como fortaleceu ainda mais as revistas. Você não mais só comprava a edição por ter um capítulo do autor que você gostava, mas comprava a revista por ser a revista que você gosta, ou seja, comprar a Jump por ser Jump.
E graças a tudo isso, quarenta anos atrás entramos na era de ouro das revistas. Para você ter uma ideia do nível da coisa, o volume mais vendido até 1980, o One Piece da época, era Doraemon, com 1,2 milhões de cópias; nesse mesmo período, a Shounen Jump começava sua ascensão e vendia mais de 3 milhões.
Como você pode notar no gráfico, a partir da década de 80 a Shounen Jump explodiu em popularidade e deixou e muito para trás os volumes de mangá avulsos mais vendidos. Mas não foi só ela, várias outras revistas tiveram seu auge durante esse período, a grandíssima maioria sempre na casa dos milhões.
E essa hegemonia das revistas ficava ainda mais clara na soma total de edições de ambos, com as revistas representando por volta de 70% do número de cópias vendidas na década de 90.
Vale a pena frisar que estamos falando em números de cópias e não em renda. Esse dado mostra a forma mais popular de se acompanhar as séries, que é via revistas. Por outro lado, em se tratando de vendas, os mangás eram significativamente mais lucrativos, ou seja, um volume de mangá trazia mais lucro que o volume de revista. Dessa forma, embora revistas fosse 70% das cópias vendidas, isso gerava apenas 60% dos ganhos, confira no gráfico abaixo.
O Caso Jump
Como já deu para perceber, ninguém teve mais sucesso nessa empreitada do que a revista Shounen Jump. Graças às suas políticas de enquetes e rankings, a editora rapidamente acompanhava o desejo dos leitores, cancelando séries e trazendo novas, alcançando enorme popularidade.
Com a conclusão de vários desses, dois anos depois, em 1997, a Jump equiparou-se às vendas da concorrente, a Shounen Magazine, e por uns bons anos competiram no mesmo patamar até começarem a cair mais acentuadamente a partir de 2003.
Hoje em dia a Shounen Jump caiu abaixo de 2 milhões de cópias em média desde 2017, enquanto a Shounen Magazine caiu abaixo de 1 milhão desde meados de 2016. Ambas, assim como as revistas em gerais, continuam em queda constante.
O Declínio das Revistas e Início da Era Digital
Em 2005, houve a primeira inversão e o fim da era de ouro das revistas. Nesse ano, pela primeira vez desde que se começou a levantar os dados de venda no Japão, os volumes avulsos geraram mais receita que as revistas, mesmo essas ainda representando 60% do número total de cópias vendidas.
Ainda naquele ano, um novo jogador apareceu, seu nome: mangá digital. Inicialmente com um futuro duvidoso, em 10 anos conseguiu se equiparar à renda gerada pelas revistas. Mais dois anos (2017) e essa mídia ultrapassou também os volumes físicos com um crescimento espetacular, inclusive sendo responsável pela recuperação do segmento como um todo, ultrapassando 300 bilhões de ienes em 2014, algo nunca visto na história dos mangás.
E foi em 2014 também que aconteceu a segunda inversão (ver gráfico G2), agora revistas não só geravam menos, como tinham um menor total de cópias em circulação, fechando assim de vez a época em que revistas vendiam mais que mangás em qualquer aspecto, o fim definitivo de uma era.
Foi por volta dessa mesma data (2014) que revistas digitais também passaram a representar uma pequena fração da venda de revistas. Mas tal número não se equiparou ao poder de venda dos volumes de mangás e continua pequeno até os dias de hoje. Se quiser entender mais a fundo a situação atual, confira aqui.
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Curiosamente a Era Digital, que podemos dizer que se iniciou em 2017, está quase batendo com a mudança de era do calendário japonês, de Heisei para a nova era (ainda sem nome). Ainda mais curioso é que a era Heisei começou em 1989, bem na época do crescimento vertiginoso das revistas. Se Heisei foi então a era das revistas, que a próxima seja dos volumes digitais!