Biblioteca Brasileira de Mangás

Como a Periodicidade molda e limita o mercado de mangás

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periodicidadePequenos comentários de uma redatora convidada…

No Brasil, até pouco tempo atrás a forma mais comum de quadrinhos era a de revistinhas de quadrinhos (ou gibi). Quase tudo que se trazia ao Brasil acabava sendo adaptado para esse formatinho típico. Mangás não foram exceção.

Além da inversão do sentido de leitura e outros detalhes de adaptação, as revistinhas continham apenas um capítulo (às vezes meio) com pouquíssimas páginas, jeitinho bem modesto e preço bem camarada, como a primeira edição de “Akira”, “Dark Angels” e a edição de “Ranma ½ pela Animangá. Desde então a forma como tratamos e publicamos mangá mudou muito, mas algumas coisas ainda persistem. A principal delas, na humilde opinião desta redatora, é a periodicidade.

Mas será que já não passou da hora de uma “reforma” na periodicidade também? Por que o mercado brasileiro ainda trabalha quase que exclusivamente com publicações mensais e bimestrais?


I

Vamos analisar o quadrinho brasileiro mais icônico, a “Turma da Mônica”. Todos os meses você vai encontrar um novo volume da “Magali”, por exemplo, com cerca de 70 páginas por menos de quatro reais. Convenhamos, qual o esforço necessário para uma pessoa comprar um volume deste todos os meses? Mesmo que você compre todos os “tipos”, o preço total não ultrapassa cinquenta reais.

Mas a “Turma da Mônica” tem mais uma característica muito importante, é episódico. Você não precisa comprar na ordem ou ter todos os volumes para que a história faça sentido. Um leitor pode muito bem passar seis meses sem comprar e retomar sem a menor consequência (fora não ter dado lucro ao Maurício de Souza).

Para a Mônica, a periodicidade mensal é perfeita. Adequa tanto o leitor mais casual, ao leitor mais assíduo; tanto aquele que tem renda limitada, quanto ao que tem uma piscina de dinheiro. Mas essa lógica funciona para os mangás?

Mangás, por mais “descartáveis” que sejam em sua maioria, não possuem um preço baixo — variam de 12 a 40 reais cada. Uma pessoa que se comprometa a comprar todos os títulos possíveis chega a gastar mais de 500 reais ao mês.

Para piorar a situação quase mangá algum é episódico, você precisa começar do 1 e ler na ordem para apreciar o produto não que seja absolutamente impossível de se começar da metade. O que significa que o leitor novo que pegou o bonde andando terá que arcar com um valor grande para conseguir passar a acompanhar a série e qualquer um que abandone por seis meses terá sérios problemas para retomar a coleção.

Nessa comparação simples, parece adequado que mangás sejam mensais ou bimestrais? Vamos analisar mais a fundo as consequências da periodicidade.


II

Pressão financeira e estrangulamento do mercado

Atualmente comprar um mangá é como financiar um carro ou móvel nas Casas Bahia, todos os meses, religiosamente, você paga seu “boleto”. Não é preciso ser nenhum gênio para perceber que a menor instabilidade econômica imediatamente ameaça o pagamento dessas “parcelas”.

Tomando em conta a crise econômica no Brasil, essa instabilidade é mais que uma ameaça, é uma realidade. Quanto mais longo o mangá, maior a probabilidade que uma hora não vai dar mais para pagar.

Não podemos esquecer também que uma considerável parcela dos leitores são adolescentes que podem ter “cotas” de mangás que possam comprar por mês ou recebem mesadas de quantias fixas. O que obviamente reflete no poder de compra deles. Quanto maior essa pressão financeira, maior é a perda de leitores pelo simples fato de não conseguirem mais comprar.

Uma periodicidade mais longa, como trimestral ou semestral, permite, não só que haja “folgas” para aqueles que estão mais apertados, como também que os leitores com renda mais limitadas economizem com antecedência para comprar o produto.

Na realidade atual, essa faixa de consumidores que possuem renda limitada ou instável acaba não consumindo ou se atêm apenas às séries curtas. Por que esse indivíduo começaria a comprar “Bleach” se ele sabe que em alguns meses ele vai acabar não conseguindo acompanhar e abandonar a coleção? Que tipo de leitor conseguiu comprar “Death Note: Black Edition” mensalmente por 40 reais? Ter esse montante para gastar num livro é mesmo a realidade brasileira?

Essa forte pressão financeira também cria uma outra consequência, nada benéfica para as editoras: a cultura de ler do amigo, a compra de usados, a cultura de comprar a série completa com descontos e de “esperar” pelos descontos e eventos.

Do ponto de vista da empresa, ler do amigo e comprar usados não gera lucro algum. Comprar as séries com desconto também é péssimo, pois a empresa deixa de ganhar o dinheiro durante a publicação (que é quando ela está arcando com custos de licença, gráfica, funcionários) para ganhar menos com o que “sobrou” no futuro. Vale lembrar também, que a empresa ganha menos, não só pelos descontos, mas também pela desvalorização monetária do Real.

Mas é péssimo também para você, leitor! A diminuição gradual de leitores de uma série causa aumentos e correções de preços devido à diminuição também da tiragem. O que antes era dividido entre 60 mil unidades, por exemplo, terá que ser pago com a venda de 30 mil.

Outro perigo é o temido cancelamento, quanto menor o número de leitores assíduos, maior a probabilidade de a empresa jogar a toalha. Até porque é impossível a editora saber se quando um título for completado várias pessoas adquirirão o produto.

Diversidade de títulos

Você já deve ter ouvido várias vezes como “nos Estados Unidos têm muito mais obras licenciadas”, e todos vão te fazer acreditar que é só porque os americanos têm mais dinheiro e mais consumidores. Mas não é bem assim, vejamos alguns dados:

Entre fevereiro a julho de 2015 nos Estados Unidos foram publicados cerca de 60 títulos ao mês, incluindo relançamentos e todo tipo de versões (segundo dados do Anime News Network). No mesmo período foram lançados no Brasil cerca de 35 mangás ao mês, incluindo os brasileiros e relançamentos (segundo dados das Comix e checklists). Nesses valores estão excluídos os novels e guias.

Colocando em valores assim, não fica muito claro por que eles têm tanto mais que nós, afinal temos o equivalente a ~60% do mercado deles! A diferença toda está na variedade total de obras. O Brasil cada mês repetirá mais da metade dos títulos do mês anterior; sendo assim o total de 210 volumes lançados naqueles seis meses equivalem a menos de 90 obras diferentes. Sendo que dessas, cerca de uma dezena equivale a volumes únicos.

Nos Estados Unidos os mesmos seis meses tiveram aproximadamente 385 volumes lançados e, surpreenda-se, cerca de 255 séries diferentes. Há muitas repetições também devido aos volumes com mais de uma versão (um com capa dura e um com capa cartonada; com e sem brindes) e a grande quantidade de relançamento “omnibus” (aqueles encadernados que equivalem a 3 volumes num preço mais em conta). No período em questão foram por volta de 35 lançamentos no formato omnibus. Em obras longas, como “One Piece”, são lançadas a versão tankoubon e a omnibus ao mesmo tempo (similar à situação de “Naruto no Brasil).

Ou seja, embora tenhamos uma quantidade mensal de volumes à venda que equivale a ~60% do valor americano, em diversidade de obras (baseado naquele período) temos apenas o equivalente a ~35%.

E qual o motivo dessa diferença toda? De todas essas 255 séries, nenhuma foi mensal. A periodicidade mais curta foi bimestral, reservada para mangás como “Gantz”, “Toriko”, “Fairy Tail”, etc. Mas a grandíssima maioria foi trimestral ou semestral/anual.

Veja você que o motivo do Brasil ter menos séries não está apenas relacionado ao número de leitores, mas à periodicidade padrão. Preste atenção que as editoras americanas fazem lançamentos mensais, mas não com as mesmas obras! Os diversos títulos são lançados alternadamente em ritmos trimestrais ou mais. O número de leitores e consumidores está mais envolvido com o número total de volumes e tipo de publicações do que com a variedade de obras.

É exatamente por isso que após ser licenciado no Brasil, após alguns anos, as editoras brasileiras acabam ultrapassando as publicações francesas e americanas ou acabam todos se encontrando no último volume disponível.

Presença do Nicho

Mas o que a periodicidade e diversidade influencia nos títulos de nicho?  Vamos brincar de faz de conta de novo: imagine um leitor que possa comprar 3 mangás aqui no Brasil e um mesmo indivíduo no EUA.

Nosso otaku brasileiro gosta de, supomos, shoujo e todo mês ele compra os 2 shoujos da JBC e alternadamente compra 2 da Panini. No total esse otaku consome 4 títulos. O que acontece se certo mês a NewPOP lançar um mangá shoujo que ele quer? Este otaku terá que escolher entre abandonar uma das coleções ou esperar a conclusão de uma para ir atrás do da NewPOP. Assumindo que ele decida esperar, do ponto de vista da NewPOP aquele mangá não parece ter leitores interessados, “shoujo não vende mesmo”, pode até passar na cabeça deles.

Nossa cópia gringa vive uma realidade diferente, como seus mangás saem trimestralmente ele pode colecionar 9 obras shoujos diferentes, com aquela mesma limitação de 3 ao mês. Se uma empresa X lançar mais um shoujo, é fácil para este leitor colecionar todas as 10. Basta sempre atrasar a compra e ir economizando aqui e ali. Este cara não precisa comprar o volume lançado este mês, como é trimestral ele pode comprar no próximo sem que isso o faça atrasar a coleção. Depois de um tempo tendo que ficar atrasando a compra e dando um jeitinho, alguns desses títulos irão ser concluídos e o leitor vai poder normalizar seu consumo e passar a consumir no exato mês de lançamento novamente.

O que isso significa? Que enquanto no Brasil o leitor é forçado a escolher quais ele vai comprar seguidamente por meses, às vezes anos, nos Estados Unidos é mais fácil de se colecionar todos ao mesmo tempo durante as janelas de lançamento.

Se já existe essa competição pela fidelidade do consumidor nos mangás mainstream, quando aquele nosso otaku vai poder comprar mangás de nicho ou simplesmente experimentar algo novo? Na configuração americana, talvez tenha um mês que só saia 1 mangá que você coleciona. Esse leitor pode então ou guardar para outros meses ou tentar algo novo.

Não ficou muito claro? Mais um exemplo idiota: Imagine que você só tem 2 horas livres todos os dias para assistir televisão. Você como noveleiro assumido gasta ambas assistindo as novelas da Globo. Quando esse noveleiro terá a chance de simplesmente navegar pelos canais e de deparar com “Once Upon a Time”? Em comparação, o viciado em seriado tem uma maior mobilidade, aquele dia sem episódio novo pode ser usado para conhecer novas séries facilmente e, em vez de aproveitar só as novelas, ele pode aproveitar 14 seriados totalmente diferentes.

Ou seja, quanto mais curta for a periodicidade, menor é a variedade de títulos disponível e menor ainda é a presença dos nichos, pois a competição pela atenção do consumidor é acirrada demais. Como pouquíssimos priorizam o nicho/underground ao mainstream; o nicho não vende, acaba ignorado e abandonado pelo mercado. Como é o caso dos shoujos, yaois, yuris e gekigás.

Menor presença de séries longas, epidemia de série curtas

Exatamente pela soma de todos os tópicos acima, séries longas sofrem muito mais. A curva de abandono fica muito acentuada pois, além daqueles que desistem de comprar por terem perdido interesse, há enorme número daqueles que não podem mais comprar ou passaram a buscar alternativas para ler a série.

O resultado disso é a epidemia das séries curtas, pois quanto mais curta a série, menor o risco. Se uma série curta não vende bem, é mais fácil dar um jeito e finalizá-la mesmo assim. Mas numa série longa é inviável que a editora passe meses ou anos com aquela obra entalada mensalmente.

De nada adianta que o volume 1 tenha vendido 80 mil se no volume 20 mal chega a 20 mil. A insegurança e desvantagens da periodicidade mensal acabam extinguindo a presença das séries longas, dando lugar às dezenas de séries curtas.

Fora que, as desvantagens do ritmo mensal são menos evidentes em séries curtas. É mais fácil para o leitor ter que parar de comprar e retomar uma série de 5 volumes do que uma de 80. É mais fácil de se comprometer a pagar por 5 meses seguidos do que por 8 anos.

Impedimento de Edições Especiais

Na verdade, a justificativa é a mesma do nicho. Se meu leitor está preso a comprar os mesmos mangás mensalmente por 8 anos, quando ele terá tempo para economizar e comprar uma versão de luxo? Ainda mais quando as empresas chegam ao cúmulo de lançar versões de “luxo” em periodicidade rápida de 1 a 3 meses?

Outras editoras de quadrinhos (no Brasil e no mundo) que trabalham com publicações de luxo lançam suas edições semestralmente e até anualmente, pois, obviamente, é necessário dar tempo para que o consumidor arrecade 80 reais para investir num mangá de papel de qualidade, capa dura e páginas coloridas.

Tempo de exposição e visibilidade

Que atire a primeira pedra quem nunca “pulou um volume” e foi forçado a se virar para conseguir achá-lo. Ou quem nunca ficou namorando uma certa obra por um tempo antes de decidir comprar. Ou ainda quem descobriu depois de um tempão um certo lançamento.

O tempo que uma obra fica à mostra é uma das maiores propagandas gratuitas para o seu produto. Não é à toa que nos mercados os pontos estratégicos são ferozmente disputados. Com mangás não é diferente, cada vez que você vai checar se seu volume chegou, você é exposto a todos os outros mangás disponíveis e, fatalmente, um vai começar a te deixar curioso. E até, quem sabe, te fazer comprá-lo.

Com periodicidades curtas essa exposição do volume é limitada. Se um certo consumidor se interessou, mas não pode comprar aquele mês, ao voltar no mês seguinte, quando tem dinheiro, aquele provocador sumiu e ele nem se recorda mais de tê-lo visto.

Em periodicidades longas, a exposição e visibilidade de cada volume é muito maior. Isso é especialmente importante para os primeiros volumes, os volumes únicos e os “retornos”.

Mas existem outros benefícios frutos do maior tempo de “vitrine”: acontece bastante que certos volumes não sejam enviados para certa cidade e, até que os leitores consigam comunicar à editora, os volumes chegam fora de ordem ou são pulados mesmo; numa periodicidade mais longa há mais tempo de correção de coisas assim sem ter que atrasar a periodicidade.

A maior janela auxilia também na distribuição nacional integral, já que demora mais tempo para movimentar os produtos até o Acre, por exemplo. Um mangá bimestral não fica 60 dias exposto, existe o tempo que leva para chegar até a banca e depois quando é retirado antes da chegada do próximo volume. Em um lugar muito afastado um mangá pode acabar ficando apenas uma quinzena exposto. É claro que estamos assumindo que as distribuidoras estão fazendo o trabalho delas bem e deixaram os volumes à exposição e não trancados em depósitos…

Outro benefício é o tempo “de sobra” para solicitar mais volumes (em caso de esgotamento), troca de volumes com defeitos ou fazer pedidos. Ao invés, muitos leitores se veem forçados a ter que buscar online, já que os volumes não chegam, chegam em menor quantidade e esgotam ou o famoso “já foram recolhidos e retornaram à editora”.

Maior tempo para estabilização do número de leitores

Obviamente, demora um tempo até todas as pessoas interessadas descobrirem o volume 1 daquela obra, demora para ele contar ao amigo, que vai comprar e contar a outros amigos e assim vai. Um espaçamento maior significa que você dará um tempo maior para esses consumidores acharem seu produto e te dar uma ideia mais certeira de quantas pessoas estão comprando aquilo. Isso é especialmente importante no Brasil, onde as editoras vão adaptando as tiragens para se moldar ao número de leitores imediatos daquela obra (ou seja, leitores que estão comprando em dia).

Menor estranhamento quando alcança o Japão

Quando uma obra alcança o Japão é de impressionar a quantidade de pessoas que “reclamam” da demora do próximo volume. E como podemos culpá-los? Um leitor normal não está em dia com os lançamentos japoneses e a maioria dos sites, inclusive das editoras, é bem desatualizado nesse sentido. Depois de comprar uma obra todo mês, de repente param de lançar. O que ele pode pensar? Talvez tenham cancelado? Será que acabou assim mesmo? Pararam de publicar?

Por outro lado, se seu leitor tem o costume de comprar a obra trimestralmente, ele não vai sentir tanto a “demora” dos novos volumes e se adaptará muito mais facilmente ao lançamento que agora acompanhará os japoneses (que lançam em ritmos mais lentos).

Por outro lado, nossa periodicidade e acompanhamento da produção japonesa é tão absurda que empresas como a Panini às vezes esperam anos para retomar uma série e, é claro, só para lançá-la em ritmo rápido de novo. Como algo assim faz o menor sentido? Não basta chocar o leitor uma vez, temos que fazer isso várias vezes!

O ritmo mais lento também ajuda a evitar que haja essa pausa, talvez o tempo de os alcançar seja mais que o bastante para permitir a conclusão no país de origem.

Não é à toa que cada vez se traz menos títulos em publicação no Japão. Por que será? Passar anos desaparecido ou abandonado é mais que motivo aceitável para desistir de uma série ou achar que foi cancelada e se desfazer de sua coleção.

Maior tempo para produção e resolução de problemas

Quantas vezes você já ouviu as editoras falarem de atraso? Se os volumes têm um maior espaçamento entre eles, significa que você tem um tempo maior para resolver problemas. Se um certo título é mais trabalhoso, você pode “produzi-lo” com calma. Ao invés disso, o que vemos são editoras lançando na pressa, sempre reclamando de “atraso na aprovação da capa”, ou que não foi “enviado o material”. Ou então prometendo trocar certo papel, mas continuando a lançar mesmo assim “porque eles precisam lançar para pagar as contas”.

Numa realidade em que fossem obras trimestrais, se aquela obra está “emperrada”, a editora pode adiantar um outro volume e encaixar alguma coisa a fim de resolver a situação. No caso mensal, a editora não pode lançar mais de um volume da mesma obra, nem pode começar uma série nova; ela acaba ou tendo que adiar e segurar as contas ou lançar como der.

A quantidade de “não deu tempo” que ouvimos das editoras mostra como essa periodicidade rápida pode interferir também na qualidade e preparação dos produtos.


III

Mas, mesmo diante de todas essas vantagens de uma periodicidade mais longa, há aqueles que reclamarão:

Não quero ter que esperar mais ainda para ler meu mangá!“, dirá um otaku. Não percebe ele que as pessoas que conseguem arcar com várias obras mensais são a minoria e que, ao excluir parte dos consumidores, ele está diminuindo as chances de várias outras obras chegarem ao Brasil. É um tiro no pé. Você, que consegue comprar vários volumes ao mês não vai deixar de consumir vários mangás, mas, em vez de ficar preso só a alguns títulos, poderá simultaneamente ler várias obras. Não será necessário esperar 8 anos para ter a chance de ver um novo mangá por aqui. É “uma troca equivalente”.

Periodicidades longas fazem o leitor esquecer a obra!“, essa é uma pérola muito usada. Se você esqueceu a obra (de nem lembrar mais o que era mesmo), é porque você não gostou tanto dela assim. Por acaso você esqueceu todos os animes que assistiu no passado pois faz tempo que não os assiste? Obras que nos marcam ficam conosco; se você gosta daquela obra, você não irá esquecê-la. É claro que em algum ponto você pode não lembrar mais que ia sair tal volume em tal data, e é aí que entra a propaganda! Assim que você ver o novo volume ali na banca, você se recorda. Inclusive, nos Estados Unidos, é muito comum que haja chamadas no fim dos mangás com as próximas obras que sairão no próximo mês, quer propaganda mais efetiva e direta ao público-leitor?

Mas o tempo de espera não faria o leitor perder o interesse?“, diria o leitor ainda não convencido. É claro que existem limites, se você fosse obrigado a esperar muitos anos por algo, você poderia até perder o interesse, mas em geral isso não acontece. Veja só um exemplo, cada vez que é lançado um novo “Asterix” no Brasil, o volume vende e vende muito. E olha que os fãs da série tiveram que aguentar não só a espera, como decaimento de qualidade (até isso ser resolvido). Ninguém por aí diz: “Não vou mais comprar Asterix porque não posso comprar todo mês!” ou “Não vou comprar o último livro de George R. R. Martin, demorou demais!”. Ou seja, se você gosta daquilo, você vai lembrar ou quando ver a propaganda/lançamento relembrar. Em geral só deixamos de acompanhar algo quando já não vale o esforço: “Cansei de assistir Supernatural, tá dramático demais!” ou “Chega, Hunter x Hunter tá parecendo rabisco, o autor não respeita mais a série!”.

Ah, mas…“, o leitor insiste. Pense, leitor, em todos os ramos de quadrinhos, livros, seriados, filmes, animações, música; quantos não trabalham com longas periodicidades?  Quantos sofrem de “esquecimento”? Senhor Eminem passou anos “desaparecido”, nem por isso vendeu menos quando retornou. As trilogias de filmes vendem rios, independentemente de ter demorado um ano ou mais para serem produzidas. Você acha que alguém esqueceu o que é Star Wars? Você pode não lembrar detalhes, nomes, nem a história, mas você lembra se gosta ou não. Quem nunca travou na hora de responder o que mais gostou em certa obra? Você não se recorda do que gostou, mas você gostou, isso é fato!

Mas isso não significa que não há espaço para obras mensais!“, diz um leitor mais sabido. De fato, uma publicação como o Naruto pocket da Panini é um lançamento que faz todo sentido ser mensal ou bimestral, até mesmo pelo preço mais camarada. Mas existe outro fator importante que ajuda: ter anime no Brasil. Lembra como um grande problema era não ser episódico? Se a pessoa já assistiu todo o anime de Naruto ou Dragon Ball, por exemplo, ao começar a ler do volume 20 ele vai conseguir se situar sem muita dificuldade. Ou seja, vai funcionar como se fosse episódico, o leitor se pular alguns volumes terá uma facilidade imensa de se adaptar até que possa voltar atrás e comprar os volumes pulados. Fora que tem uns que são tão famosos que (mesmo que perca consumidor por ser mensal), o volume de vendas é tão grande que mais que compensa ter aquilo vendendo um novo volume todos os meses (depois basta lançar novas versões e recuperar o público perdido, né, Panini?).

Olha, ‘são realidades diferentes’ não dá para comparar; lá é EUA, aqui é Brasil“, diz alguém que anda assistindo Henshin Online demais. Pois saiba que não é só EUA não. Países europeus em sua grande maioria trabalham com uma variedade de periodicidades sendo o trimestral e bimestral mais presentes, até mesmo os minúsculos como Hungria, Finlândia e Suíça. Na Ásia a mesma coisa.

Mas mesmo assim são países mais ricos!“. Então que tal Argentina? Se formos agora no site de uma das maiores editoras de lá, a Ivréa, você logo nota como cada série tem sua periodicidade, algumas mensais, algumas bimestrais, algumas trimestrais (mais semelhante ao estilo da Panini). Não importa o país que olhemos, as periodicidades são pensadas para cada título. Por que as nossas parecem emperradas no mensal e no máximo bimestral?

Tá, então você quer o quê? Que tudo seja lançado trimestralmente?“. Não necessariamente. Cada título merece um estudo e planejamento próprio e, muitos deles, não deveriam ser mensais de jeito nenhum pelos muitos motivos que conversamos acima. Mas, acima de tudo, mensal devia ser a exceção, não a regra. Um dos maiores problemas do mercado de mangá atual é exatamente a falta de diversidade (e presença de nichos) e número de leitores. E não, não sou eu quem está dizendo isso, são vocês e as editoras. Quem disse que “Shoujo não vende” e “Vocês não compram” foram os editores-chefes. Quem reclama da falta de yaoi, novel, yuri, genkigá, shoujo, josei, bara, mangás históricos, dentre muitos outros são os próprios consumidores. O mercado de mangás do Brasil como conhecemos atualmente nasceu há 15 anos e mesmo assim continuamos entalados no shounen. Não há público para os outros gêneros?

Talvez não tenha mesmo“, alguém pode concluir. Talvez. Mas se esse é o caso, como a editora NewPOP continuamente lança nichos e mais nichos e não entra em falência? Ou ainda, depois de tantos nichos ainda consegue disputar algumas séries e autores de grande sucesso com as outras? E como cada vez mais chega novas editoras no ramo que também não falem? Até um tempo atrás o mundo era Panini e JBC, hoje temos NewPOP, Nova Sampa, LP&M, Jambô, HQManiacs e Alto Astral… Teriam todas essas editoras decidido trabalhar numa área sem consumidor? Insanidade coletiva?

No Japão as obras têm aumento de número de vendas conforme os volumes saem, no Brasil só diminuem“, foi o que um palestrante disse no NewPOP Day 2015 para justificar a epidemia de obras curtas e periodicidade. Na verdade essa pessoa repetiu a mesma coisa que ouvimos várias vezes de certos representantes de editoras. E nada disso é verdade. Primeiro que no Japão existem todo tipo de caso, desde esse até o contrário e meios-termos. Em todo caso, existem vários momentos que uma obra acaba aumentando o número de vendas, como no lançamentos de filmes, anime e jogos. E isso influencia no Brasil também, obviamente! E segundo, no caso do Brasil, o motivo principal de não haver aumento, de o “número 1 é sempre o que vende mais”, é que:

1. É muito caro comprar uma séria toda de vez para poder pegar o bonde andando, e isso deve ser feito em um mês, pois no próximo já tem material novo. Imagine você comprando 10 volumes numa tacada só, ainda tendo que lutar com unhas e dentes para encontrar os benditos volumes em um lugar só, ou tentando achá-los no preço de capa e pagando horrores de frete. (Note que a periodicidade mensal aqui só piora a situação.)

2. As editoras raramente trabalham com reimpressão (o que graças ao panteão mundial tem mudado ao poucos) e o volume 1 sempre tem tiragem maior. Ou seja, como comprar algo que não tem oferta?! Como poderá o volume 10 vender mais se tem menor tiragem? O impedimento aqui chega a ser físico.

Veja que o que estrangula as vendas é a própria política de venda das editoras, no Japão as editoras estão sempre aumentando as tiragens a cada novo volume (com reimpressões de antigos), eles investem nas obras. No Brasil as tiragens são cada vez mais espremidas, se adaptando aos compradores imediatos, não há investimento ou planejamento de venda futuras. É feito e comercializado para ser vendido naquele momento e os restos são jogados meses depois para a “Fase 2”. Lançar mais rápido não evita a curva da queda, muito pelo contrário, é a mensalidade e caráter instantâneo das vendas que causam a curva. No Brasil, mangá é vendido como se fosse jornal ou revista VEJA, como se tivessem que vender tudo naquele mês do lançamento e depois não tivessem mais valor algum. Faz sentido uma postura dessas?!

Por causa do caráter imediatista, acontecem coisas como o caso do esgotamento no lançamento do volume 1 de Ataque dos Titãs que gerou atraso e um corre-corre danado para conseguir achar os ditos-cujos. Não dava para não sentir uma impressão de como estava tudo saindo às pressas, com um planejamento muito duvidoso. Dito e feito, dois anos após o lançamento, enquanto o mangá ainda está ativamente sendo lançado (atualmente no 13), o volume 1 ao 3 já sofrem de horríveis aumentos de preço, neste exato momento os 3 volumes custam juntos R$199,70 na loja Comix, por exemplo. O mesmo acontece com outras séries como os CDZs da JBC, Kimi ni Todoke e Air Gear. As vendas diminuem sem parar pois não se cria espaço para novos leitores de forma alguma. Empresas que deixam suas séries em publicação chegar num estado desses não têm o direito de reclamar de falta de público.


IV

Se você começa a pensar que talvez tudo isso faça mesmo algum sentido, por que as editoras não trabalham com periodicidade maiores?

Vale lembrar, meu caro leitor, que a maioria das editoras nacionais são de pequeno porte. O supermercado da esquina tem mais funcionários que elas. Ou seja, essas editoras têm limitações em seu poder de compra e de investimento. A JBC neste momento está trabalhando com cerca de 15 títulos, todos esses títulos têm preços de licença envolvidos, taxas e impostos, fora os custos de produção. Se ela decidisse transformar tudo em trimestral e continuar a lançar 15 obras ao mês, ela teria que licenciar e arcar com os custos de 30 novos mangás do dia para a noite.

Logo o ritmo mensal é reflexo em parte da falta de poder monetário que as empresas têm ou tiveram no passado. A própria Panini alterou aos poucos suas periodicidades até chegar na situação atual em que a maioria de seus títulos novos são bimestrais, se tornando assim mais acessível.

Por outro lado, o fato da JBC, por exemplo, apostar apenas em 15 obras consecutivas, aumenta o risco de ela fazer má escolhas. Se a JBC trabalhasse com 50 obras alternadas em ritmo trimestral, se 5 só “se pagarem” a editora pode rearranjá-las de forma que minimize o impacto, sem ser forçada a cancelar ou ficar no vermelho. Já se essas mesmas 5 acontecessem quando se tem 15 mensais, a JBC terá que arcar e segurar a barra desse período ruim e torcer que as próximas não sejam assim.

Ou seja, embora o investimento para a empresa seja grande e exaustivo de início, a quantidade de obras garante à empresa uma maior segurança no futuro. Que é o que acontece com a NewPOP. Embora seja uma empresa pequena  1/4 da JBC em número de funcionários —, possui atualmente cerca de 15 séries “ativas” (ou seja, em publicação no Brasil), outras 24 licenciadas (ainda não iniciadas) e a constante provocação de “mais por vir”.

A editora utiliza-se da alternância para viabilizar séries menos procuradas com séries de sucesso, evitando assim cancelamentos e ajustando-se às necessidades de cada obra. Embora de fato peque em divulgar com antecedência seus checklists e divulgar planejamento de lançamentos, a editora mostra que o sistema funciona e muito bem, mesmo tendo, inclusive, preços em média mais elevados que a concorrência e se propondo a volumes de maior qualidade física, com tiragens semelhantes às concorrentes. Se longas periodicidades não funcionassem, a NewPOP estaria falida, ao invés de estar completando 9 anos de vida.

Quase todos os países com “mercado jovem” também trabalham com mensal, afinal um mercado inteiro com 2~3 títulos disponíveis não é difícil de acompanhar. Na época em que a Conrad lançava Dragon Ball e a JBC Samurai X, comprar todos os mangás era fácil e barato, não só por causa dos meio-tankoubons como por causa da falta de oferta.

Mas o mundo gira, anos se passam e chega uma hora que o mercado tem que amadurecer e se adaptar às mudanças. O que não vemos acontecer. As duas maiores editoras com mais de 60-80% dos lançamentos (a depender do mês em questão) pouco mudaram em relação a 10 anos atrás nesses quesitos. Inclusive, teimam em continuar a usar a fórmula de sempre e transferem a culpa das más vendas ao público-leitor e à crise. Até quando irão as editoras culpar o consumidor “que não compra” pelos fracassos de venda de seus títulos?

Não é irônico que um país mais instável economicamente utiliza-se de um sistema que depende da estabilidade econômica de seus leitores (ou seja, a capacidade de eles comprarem todo mês sem falta)? Será que não percebem que a cada vez mais estão “excluindo” uma parcela consumidora que, se depender da crise, será cada vez mais maioria? Quanto tempo será que levará para o mercado nacional “descobrir” os benefícios de uma periodicidade maior que o resto do mundo já segue há décadas?


* Os dados apresentados neste texto são todos aproximados para simplificação e clareza. Para produzir a parte brasileira do gráfico foram utilizadas as informações dos checklists e da loja online Comix, a maior de seu segmento que informa quando cada título é recebido por eles. Para produzir a lista americana foram utilizados os dados da coluna “North American Anime, Manga Releases” do site Anime News Network, também o maior de seu segmento. Por utilizarmos dados de terceiros, existe uma possível margem de erro. Nossa intenção não são dados acuradíssimos, mas dados para ilustrar nosso argumento.
* Agradecimentos especiais ao sinhô K’on pela revisão e lapidação.
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