Biblioteca Brasileira de Mangás

“Do mesmo autor de”: o caso das inscrições desnecessárias

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love-hinaPara que essa informação poluindo a capa?

Há pouco menos de um mês, a editora JBC divulgou a capa nacional do mangá UQ Holder!, obra atual do mestre de Ken Akamatsu. Como todas as capas costumam ser, a de UQ Holder! é a reprodução da capa original apenas alterando algumas coisas e colocando as inscrições em língua portuguesa.

É claro que, como qualquer coisa envolvendo mangás, o público otaku foi achar um ponto de discórdia (e sendo pela JBC, as pessoas discordariam de qualquer coisa mesmo^^). Dessa vez foi a inscrição “o mesmo autor de Love Hina”, logo abaixo do nome de Akamatsu. Muita gente criticou essa inscrição dizendo que esse tipo de informação “não era mais necessária” e que ficava poluindo a capa. Que péssimo trabalho, hein JBC?

Mas será que inscrições como “Do mesmo autor de” ou outras como “Completo em x volumes”, costumeiramente usadas pela JBC (mas também usadas pelas outras editoras), são inscrições realmente desnecessárias ou elas têm um sentido de existir? Viemos analisar…

Mangá, um produto comercial

I

Sempre que falamos de cinema, livros e quadrinhos tendemos a exaltar essas mídias como coisas grandiosas por serem obras culturais. Se é O Grande Sertão: Veredas, Dom Casmurro, O Encouraçado Potemkin, Tempos Modernos, Gen: Pés Descalços, Persépolis ou Maus, a grandiosidade aumenta, pois estaríamos apreciando a “alta cultura”, legitimada pela Academia (vulgo: Universidade). Ao ler essas obras (ou assistirmos a esses filmes) estamos dando vida à flâmula “Desligue a televisão e vá ler um livro”. Sentimo-nos especiais, afinal somos diferentes da ralé que vê Até que a Sorte nos Separe ou lê Crepúsculo ou Naruto.

É claro que isso é um exemplo extremo. Para muita gente, Gen: Pés Descalços é apenas um mangá como outro qualquer e lê-lo não nos torna uma pessoa melhor do que quem não o leu, por exemplo. Porém, existem fanáticos e que acabam não apreendendo nada do que as obras culturais lhes ensinam e querem criar barreiras para que mais e mais pessoas tenham acesso a essas obras.

Quer exemplos de fanatismo? Damos. Pessoas dizendo que não deveria existir filmes dublados, pois eles “destroem a obra original”; pseudointelectuais dizendo que livros estrangeiros só devem ser lidos no idioma original para não estragar “as intenções do autor”; e, claro, otakus dizendo que honoríficos são necessários por ser mais “fiel ao original”.

Veja que não há nada de errado com filmes dublados. Afinal, ninguém sabe todos os idiomas do mundo para assistir ao filme no original. E mesmo a inserção de legendas não é totalmente inclusivo, visto que há pessoas que não conseguem acompanhar “as letrinhas” ou mesmo não gostam de ter que dividir a atenção entre a imagem e a leitura. Então, não é uma questão de destruir a obra original, a dublagem é uma necessidade para fazer mais pessoas terem acesso a esse produto cultural.

Com livros nem precisamos dizer o porquê de não haver nada de errado com traduções, não é mesmo? É rigorosamente a mesma coisa que com filmes estrangeiros. E o não-uso de honoríficos já falamos aqui em uma postagem anterior.

Produtos culturais não devem restringir o acesso ao público leigo. Muito pelo contrário, eles devem fazer o leigo começar a se interessar mais e mais por aquele produto porque, mais do que cultural, trata-se de um produto comercial. Nesse sentido, traduzir o livro, dublar o filme e eliminar honoríficos e outros termos desnecessários são técnicas válidas para ampliar mais o público.

Mesmo espelhar mangás (i.e transformá-lo em leitura ocidental) é uma técnica na hora de comercializar esse produto cultural. Será que se a JBC tivesse espelhado Super Onze ele não teria vendido mais? Afinal, o público alvo da editora eram crianças então faria mais sentido manter uma ordem de leitura que elas estavam acostumadas, não é mesmo?

II

Sendo um produto comercial, a obra cultural deve vender o máximo possível para que outros produtos semelhantes continuem a ser produzidos e cheguem até nós. Afinal, quem vai investir em filmes, livros ou quadrinhos se ninguém comprar? Os fanáticos não podem ser considerados quando se trata de vendas.

Nesse sentido, no nosso mundinho particular dos mangás, as editoras brasileiras precisam fazer de tudo o que for ao alcance delas para que seu produto venda e ela tenha lucro, possibilitando que ela continue a trazer outras histórias em quadrinhos japoneses para a gente. É claro que as editoras (alicerçadas no público consumidor habitual) não irão colocar leitura ocidental nos mangás, mas precisam realmente fazer o máximo que puderem para vender mais o produto. E isso pode significar traduzir o título, fazer capas espelhadas (mesma imagem na capa e quarta-capa) ou, mesmo, colocar inscrições para chamar a atenção das pessoas.

Sinopse + completo em 15 volumes + O mangá que deu origem à série de sucesso do Netflix

É por isso que alguns mangás possuem as inscrições “do mesmo autor de” ou “completo em x volumes”, entre outras. Elas servem como um atrativo para o leitor comum, aquele que não acompanha blogs, páginas de editoras no Facebook, e nem sabe o que está sendo lançado ou não no Japão.

Love Hina tem muitos fãs no Brasil e a inscrição “O mesmo autor de Love hina” é um apelativo à memória afetiva de muitas pessoas e pode fazer com que ela adquirida UQ Holder! só por isso. Por mais que o fã de Love hina saiba o nome do autor, ele poderia passar despercebido e a inscrição acaba servindo como um reforço.

Já a inscrição “Completo em X volumes” serve mais para chamar a atenção das pessoas que não gostariam de ficar presas a séries One Piece infinitas e queiram algo curto ou relativamente curto. Veja que, com tanto mangá nas bancas, é difícil escolher novas séries para acompanhar e saber que uma ou outra vai ser curta, ajuda bastante na hora da decisão.

Não é só no mundo dos mangás

Às vezes, as reclamações das pessoas (algumas até da “imprensa especializada”) parecem sugerir que o nosso mundinho particular dos mangás deva ter privilégios que outras formas de cultura não tem. Para vender mais DVDs, as produtoras colocam na capa nomes dos atores, diretores, dubladores (geralmente em animações, mas não restrito a elas) e remetem a outros filmes ou programas. Por exemplo, o DVD de “Ponte para Terabítia” possui a inscrição “Dos mesmos criadores de As crônicas de Nárnia” e dublado por Pérola Faria e Rafael Almeida (atores que faziam sucesso na novela das oito na época). Tudo propaganda, tudo uma forma comercial de vender mais e mais DVDs.

Livros também não escapam disso. A inscrição “mesmo autor” é bastante corriqueira, principalmente em livros da cultura pop. Fora isso muitas vezes para vender mais cópias, principalmente de autores iniciantes, é comum que exista um prefácio de um autor famoso (Livro X, com prefácio do autor Y), para instigar a curiosidade do fã do autor famoso (“se esse autor indica o livro, então deve ser bom”).

Livro com a inscrição “Autora da série Crepúsculo” e capa do filme^^

E o fenômeno dos livros com capas de filmes? Do mesmo modo que as inscrições, é igualmente uma forma de chamar a curiosidade da pessoa que viu o filme ou que pretende ver. Todas essas estratégias fazem parte de um mesmo plano que é o de tentar fisgar um possível consumidor que, de outro modo, talvez nem ligasse para aquele DVD, livro ou mangá.

Por mais que achemos que a capa deva ser bonita e servir como um enfeite, tendo o mínimo do mínimo necessário, a verdade é que ela é um dos locais, talvez o maior local, de propaganda possível. É pela capa que o consumidor deve ser fisgado (sempre compre um livro pela capa, não é o que dizem? Rs) e para isso as informações devem estar presentes nela. A obra é do mesmo autor de um mangá famoso? Coloque nela. A obra fez sucesso no Netflix? Informe isso na capa. O mangá tem poucos volumes? Deixe isso à mostra.

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Para concluir

Você que conhece a obra e que vai comprá-la pode achar desnecessário que exista esse tipo de inscrição nas capas dos mangás, por já conhecer o autor, saber quantos volumes tem certo título, etc. Mas nem todo mundo é assim. Na verdade, a coisa mais rara é saber de tudo e mais um pouco do que acontece em um certo segmento cultural. O público consumidor comum pode nem ter ideia, por exemplo, de que existe um mercado de mangás no Brasil. Ele pode assistir animes, comprar Naruto na banca (o único mangá que chega na cidade dele), mas mesmo assim nem saber que há lançamentos e mais lançamentos. E isso é muito normal.

Imagine saber de tudo o que está saindo no Brasil? Guardar nomes de autores e saber em que eles estão trabalhando atualmente? Isso é para poucos. Mesmo nas redes sociais dá para se observar isso. Muita gente nem sabia que o Akamatsu ainda estava na ativa e ficou contente ao saber que um novo mangá do autor viria ao país.

É claro que você pode questionar o modo como a inscrição ficou disposta na capa, achar feio e tudo mais (como esse 1 de 5 de Drug-On, figura acima), mas as inscrições não são desnecessárias. Existe um sentido de existir e espero que este texto tenha ajudado na compreensão disso.

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BBM.

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