O caso da editora que anunciou um mangá popular em 2016, mas que ainda não conseguiu começar a publicá-lo

Uma edição esperada na ESPANHA e que nunca chega…

Vocês devem se lembrar. Em 2015, a editora JBC anunciava que publicaria no Brasil o mangá Akira, de Katsuhiro Otomo. O que era a felicidade de tudo e todos, logo se converteu em uma novela quase sem fim, com demoras na recepção do material e das aprovações. Somente agora, quatro anos depois, a JBC conseguiu a aprovação de todos os volumes e a publicação do título pode ser um pouco mais rápida.

Mas se você pensa que uma enorme demora para a publicação de um mangá  é algo exclusivo do Brasil, você está completamente enganado. O mesmo caso que aconteceu no Brasil, ocorreu na França, com quase todos os volumes de Akira sendo continuamente adiados por problemas idênticos. Várias e várias vezes a editora francesa pediu desculpas pelo atraso e deu uma nova data. Foi uma luta.

Outro caso bastante emblemático é o de Rosa de Versalhes nos Estados Unidos. A obra foi anunciada em 2015 com previsão de sair em 2016 e nada, houve quem achasse até que a editora havia desistido de publicar. Somente agora em 2019 as capas foram divulgadas e a edição americana começará a sair.

Na Espanha, algo do mesmo naipe acontece agora, a editora Norma está enfrentando problemas com uma outra flor, uma Sakura, uma das mais famosas Sakuras, a caçadora de cartas, que segue emperrada e emperrada. É disso que falaremos hoje.


O caso de Card Captor Sakura na Espanha


Assim como no Brasil, na Espanha editoras vão e vem. Algumas empresas grandes se mantém por anos, outras entram em falência, novas surgem e assim por diante. Desse modo, lá em 2001, no auge da febre de Card Captor Sakura no ocidente, a obra  foi adquirida na Espanha pela editora Glénat, filial espanhola da conhecida editora francesa.

Primeira edição espanhola

A Glénat Espanha publicou o mangá por inteiro entre 2001 e 2002 em idioma espanhol, além de lançar três artbooks e uma série de outros produtos derivados. Em 2007, a mesma empresa publicou o mangá novamente no país, mas dessa vez em idioma catalão, falado na região da Catalunha (onde fica Barcelona). Anos depois, porém, os franceses saíram da jogada e a Glénat Espanha virou EDT. Com o tempo, a empresa foi perdendo licenças, ficando fraca, até que acabou fechando. Card Captor Sakura, então, ficou livre no mercado. Aí entra a Norma.

Em novembro de 2016, a Norma (uma das maiores editoras do país) anunciou que adquirira a licença do mangá e o relançamento aconteceria em 2017, seguindo a versão de aniversário da revista Nakayoshi, uma versão lindíssima que reduzia os 12 volumes para apenas 9 tomos. ENTRETANTO, estamos em agosto de 2019 e até o momento o mangá não começou a ser lançado e segue SEM QUALQUER PREVISÃO.

Edição Especial Japonesa Feita em Comemoração aos 60 Anos da Revista Nakayoshi, a revista que publicou o mangá de Sakura.

Mas o que aconteceu para que o mangá não saísse até hoje? A resposta não é muito difícil de saber para quem acompanha o mercado de mangás no Brasil, ou mesmo para quem leu atentamente a introdução desse post, pois o motivo é basicamente o mesmo de  sempre e não muda só por ser um país diferente: a dificuldade nas aprovações. Sim, a nova versão de Sakura não saiu até hoje na Espanha por causa da demora de conseguir aprovar tudo.

O grupo CLAMP está sendo muito exigente e cobrando os mínimos dos mínimos  dos mínimos detalhes, de modo que a empresa faz uma coisa, não é aprovada, faz outra, não é aprovada, faz mais uma e mesmo assim não consegue nada, e assim se vão três anos de negativas. Em 2017, pouco tempo depois do anúncio do mangá, Annabel Espada – responsável pela área de mangás da Norma – deu entrevistas a diversos sites espanhóis dizendo que a empresa não esperava encontrar esse cenário e estão comendo o pão que o diabo amassou.

Em uma dessas entrevistas, realizada para o site Mision Tokyo, a editora comentou em detalhes toda a situação. Basicamente em junho de 2017 o primeiro volume estava totalmente pronto para ser impresso. Ou seja, estava traduzido, editado e tudo mais. Faltava apenas uma coisa terminar as aprovações…

Segundo o site, dentre as aprovações o inferno está sendo a gama de cores. Os japoneses querem que a edição do Card Captor Sakura seja idêntica à japonesa em termos de cor, formato e detalhes. O problema é que os materiais fornecidos pelo Japão não são exatamente os mesmos. O mais absurdo da situação é que uma das cores necessárias para a produção do mangá foi feita exclusivamente e especialmente para o CLAMP no Japão:

 […] O principal problema da gama de cores é porque no Japão é usada uma paleta chamada DIC que contém as cores tradicionais japonesas, enquanto nós usamos o famoso Pantone. E apesar de serem muito semelhantes, às vezes há cores que não combinam, como o “Rosa Sakura”. […] Quando a pedimos ao Japão eles nos disseram que [essa cor] era um DIC especial que a gráfica tinha feito para as mulheres do CLAMP”.

O problema das aprovações não se resumia a tentar conseguir uma cor exatamente igual. O CLAMP queria uma prova impressa, como um teste de como seria o produto acabado. Assim, a empresa tem que preparar o arquivo, falar com a gráfica, fazer os demais trâmites e enviar para o CLAMP no Japão.

Algo que parece fácil de fazer, torna-se um inferno quando o teste de impressão não é aprovado porque “a cor do cabelo de Sakura não é o que CLAMP quer, e sim mais laranja”. Repita todo o processo que – envolve imprimir quando há espaço no planejamento das publicações normais da editora e enviar para o Japão – um mês pode passar perfeitamente. Se você adicionar que o CLAMP não vê a prova impressa assim que o recebe, o tempo de espera aumenta… e quando termina com uma recusa temos que começar tudo de novo.

Nessa explicação de 2017, a editora pediu paciência aos leitores e disse que esperava conseguir lançar o mangá em fevereiro de 2018. Não foi possível. Em Junho de 2019, dessa vez para o site En Tu Pantalla, a mesma Annabel voltou a falar da situação e disse que o problema era o mesmo e ainda não tinha sido resolvido, a questão das aprovações. Novamente, a responsável pela área de mangás da Norma enfatizou a situação:

Eles [os japoneses] pedem que os tons [da nossa edição] sejam exatamente iguais aos da edição japonesa, mas isso é quase impossível, primeiro porque os materiais usados (papel, tinta, folha metálica) no Ocidente não são os mesmos que os usados no Japão e, embora procuremos o equivalente, não é outra coisa senão isso, um equivalente.

Perguntada sobre o estado atual do mangá, a editora até brincou:

Felizmente parece que o tom dourado já temos, agora estamos com o toque final do cabelo de Sakura, a varinha e o Kero… felizmente são apenas 9 [volumes]!!

Esse é o caso de Card Captor Sakura na Espanha. A nova e belíssima edição do mangá, que todo fã da obra gostaria de ter, está esbarrando em burocracias. Aplausos para a editora espanhola por perseverar, pois está sendo um suplício sem tamanho. Se até hoje você não tinha entendido os problemas da aprovação de Akira pela JBC, agora você deve ter tido uma noção melhor: algumas vezes os japoneses são criteriosos demais.

Card Captor Sakura – Clear Card Arc #01. Edição espanhola

Apesar desse imbróglio (ou justamente por causa disso), o mangá Card Captor Sakura – Clear Card Arc (a sequência direta) acabou saindo na Espanha e antes do que o relançamento do mangá original. A editora Norma só o anunciou bem depois de ter divulgado a obra clássica e mesmo assim começou a publicá-lo antes. A Norma não teve problemas de aprovações em Clear Card.

Para terminar, vale comentar que o problema com aprovações desse mangá não ocorreu apenas na Espanha. Na Argentina, a Ivrea anunciou a edição em meados de 2017, mas o mangá ficou penando para sair pelo mesmo motivo. A empresa argentina chegou a comentar que se encontraram com os editores da Espanha em um evento e discutiram o assunto, sobre o que fazer e tal.

Passado um tempo, porém, a edição argentina foi aprovada, mas a espanhola segue no aguardo. Além da Argentina, essa edição especial de Sakura já foi lançada no México pela Kamite, na França pela Pika, e nos Estados Unidos pela Kodansha US, mas não ficamos sabendo de problemas nesses países.

Eu espero que a JBC tenha conhecimento desse caso espanhol, assim caso um dia a editora resolva lançar essa versão, ela só a anuncie quando tiver com todas as aprovações em dia, pois do contrário correremos o risco de acontecer a mesma coisa por aqui.


Eu sei que alguém vai perguntar, então faremos a pergunta nós mesmos: Por que um país consegue a aprovação mais rápida do que outro? No caso de Sakura, o mercado espanhol é muito maior do que o argentino e mesmo assim, os nossos hermanos saíram na frente.? No caso de Akira, o mercado francês é um dos maiores do mundo e mesmo assim o México conseguiu aprovações muito mais rápidas. A resposta para essas discrepâncias é bem simples: “quem sabe?”.

Sim, não é algo que possa ser respondido de pronto ou que tenha uma única resposta. A gente sempre acompanha as falas de editoras pelo mundo e de tudo o que a gente já ouviu, pode ser qualquer coisa. Nesses casos de ter que enviar provar impressas para o Japão, talvez um determinado país tenha um tipo de papel que outro não tenha, talvez as gráficas de um país sejam melhores do que em outro, talvez mudou a equipe que cuidava das aprovações, etc. Possibilidades há várias e várias e não tem como saber qual a razão de cada caso específico.

Para terminar, deixamos para vocês um tweet do dia 11 de agosto de um espanhol, porque otaku é otaku em todo lugar e vive fazendo piada:

 

2 Comments

  • trabalho em uma empresa japonesa, e muitas coisas que fazemos precisa ser avalizada e autorizada pela matriz do japão, e a turma de lá é chata pra k7, pedem minimos detalhes de coisas que todos sabem que no final nao faz diferença nenhuma, mas é tara de japones por qualidade extrema e em todos os detalhes

Comments are closed.

%d