“O Gourmet Solitário”: comparando as edições da Conrad e da Devir

O que tem de igual e o que tem de diferente? Confira…

Nos primeiros dias de janeiro, a editora Devir publicou no Brasil o mangá O Gourmet Solitário, de Jiro Taniguchi e Masayki Kusumi. A obra acompanha as andanças de um comerciante japonês que, em suas viagens de trabalho, precisa parar em algum lugar para se alimentar. O título, então, é um grande compêndio de lugares e comidas típicas nipônicas, feito para você ler e ir apreciando o momento, observando os detalhes, etc. Aqui no blog já temos uma resenha sobre esse mangá e você pode conferir, clicando aqui.

Ocorre que não é a primeira vez que ele é lançado no Brasil. Em 2009, a Conrad o publicou por aqui com o título de Gourmet, em uma de suas últimas incursões nesse ramo de mercado. Com o lançamento do mangá pela Devir, resolvemos, então, realizar uma comparação entre as duas versões da obra, e ver o que há de semelhante e o que há de diferente entre elas.

Notadamente, por terem sido publicadas com uma diferença de dez anos e por empresas distintas, muitas coisas são desiguais, tanto em questão de adaptação, escolhas editoriais, quanto em qualidade de imagem. Tentaremos mostrar isso a seguir.


DETALHES SOBRE A OBRA


Antes de mais nada é preciso lembrar que o mangá O Gourmet Solitário foi publicado originalmente no Japão na Gekkan SPA!, uma revista de negócios, cultura e entretenimento da editora Fusosha, entre 1994 e 1996, tendo seus capítulos compilados em um único volume. Entretanto, em 2008, a obra começou a ganhar capítulos especiais de forma irregular, até que em 2015 foi lançado um segundo número do mangá reunindo esses novos capítulos. Ainda saíram outros depois disso até que Jiro Taniguchi falecesse, mas nunca foram compilados em um volume próprio até o presente momento.

No Brasil, a Conrad lançou apenas o primeiro volume, pois foi apenas o que existia na época. Quando saiu o segundo no Japão, em 2015, a Conrad já não licenciava novos mangás há anos e praticamente ninguém considerava a hipótese de que a empresa pudesse vir a publicar esse número, o que efetivamente nunca aconteceu.

Isso não quer dizer que o título tenha terminado incompleto, pois se só existia um volume antes, ele era o todo que se podia publicar. Além disso, na verdade cada capítulo do mangá é um mundo à parte, com um começo, meio e fim, não existindo continuidade narrativa entre os capítulos. Ou seja, você pode ler um capítulo hoje, um amanhã, parar de ler, voltar daqui a um ano e não terá perdido nada mesmo se tiver se esquecido de algo, pois cada capítulo é independente.

Muitos consumidores tinham a expectativa de que a Devir lançasse os dois volumes existentes em apenas um tomo, como ela fez com Tekkon Kinkreet e Uzumaki, obras também lançadas anteriormente pela Conrad, porém ela apenas republicou o primeiro volume. A Devir nunca comentou se pretende trazer o segundo…

Sumário, edição da Conrad
Sumário, edição da Devir

Mas isso não significa que não exista conteúdo inédito na versão da Devir. Como mostram as imagens acima, a edição da Conrad possui 18 capítulos no total, enquanto a versão da Devir possui um a mais, um capítulo especial mostrando o personagem se alimentando em um hospital após ficar internado. Esse é o capítulo especial lançado em 2008 e ele não faz parte do segundo número original.

Essa não é a única diferença de conteúdo entre as versões. Se a edição da Devir possui um capítulo a mais, a edição da Conrad possuía um texto do próprio Jiro Taniguchi. É um conteúdo bastante interessante e que não se encontra na nova versão do mangá.


TAMANHO E DETALHES FÍSICOS


As edições brasileiras de O Gourmet Solitário possuem tamanho e detalhes físicos diferentes. O mangá da Conrad foi publicado no formato 14,8 x 21 cm, com miolo em papel offset e capa cartonada com sobrecapa. As capas internas são totalmente brancas e também não teve nenhuma página colorida.

A título de informação, o tamanho do mangá é similar ao de obras como BEASTARS, Usagi Drop ou Minha Experiência Lésbica com a Solidão. Ou seja, é um pouquinho maior do que os mangás normais da Panini ou da JBC, por exemplo.

Sobrecapa (Conrad)

O mangá da Devir por outro lado vem no formato 17 x 24 cm, com miolo em papel Munken Print Cream e capa cartonada com sobrecapa. As capas internas possuem uma coloração vinho, mas também não há páginas coloridas.

O tamanho é o mesmo das outras obras do selo Tsuru, como Marcha para a Morte, O Homem que Passeia, entre outros. Ou seja, ele possui um tamanho maior do que a versão anteriormente editada no Brasil.

Sobrecapa (Devir)

Se você reparou bem nas sobrecapas, existe uma diferença circunstancial que vai além das imagens utilizadas pelas duas editoras (enquanto a Conrad utilizou várias pequenas passagens do mangá para fazer a sua capa, a Devir utilizou-se de apenas uma imagem padrão para a sua). A versão da Conrad parece ter sido feito em leitura ocidental.

E realmente não é outra coisa senão isso, mas apenas a sobrecapa. Ela foi feita com sentido de leitura ocidental mesmo, provavelmente se prevenindo aos lojistas que iriam expôr o mangá de forma errada, uma preocupação bastante válida na época. Isso é nítido, pois a capa (que fica abaixo da sobrecapa) está com o sentido de leitura normal, bem como o mangá inteiro.

Quanto ao acabamento como um todo, a versão da Devir é superior à versão da Conrad. Para começar, o papel utilizado pela Devir faz parte do grupo dos offwhites, sendo visualmente mais bonito e melhor para a leitura. Além disso, apesar do tamanho maior, ele é bem leve.

Fora isso, a encadernação da edição da Devir é melhor, permitindo folhear o mangá totalmente e sem qualquer problema. Não que a edição da Conrad seja ruim nesse quesito, mas ele não é tão primoroso quanto a edição da Devir. Esta é possível até mesmo deixá-lo aberto, sem segurar e sem o mínimo esforço. A versão da Conrad até permite isso, mas não tão efetivamente quanto à edição da Devir.

Conrad
Devir

IMAGENS E DETALHES DE EDIÇÃO


Um dos pontos que mais chama a atenção ao comparar as duas versões é que a da Devir possui uma qualidade de imagem melhor do que a da Conrad. O mangá da Devir já é maior por natureza, de modo que a gente vê os quadrinhos com mais detalhes, mas igualmente a qualidade do que vemos é superior em relação à primeira versão brasileira. Comparem:

Conrad x Devir

Se você olhar com atenção, nas páginas em que um quadrinho cobre toda a página, a versão da Conrad corta uma parte da imagem, enquanto na versão da Devir podemos ver ela por inteira. Na imagem abaixo, por exemplo, aquela primeira placa não é visível na versão da Conrad, assim como parte das roupas no lado esquerdo.

Conrad
Devir

Na imagem abaixo, é possível ver mais um exemplo disso. A placa da primeira versão brasileira apenas termina e não dá para ver o restante da imagem. Na segunda versão, conseguimos ver o céu, com a imagem mais completa.

Conrad
Devir

Outro detalhe de edição é o modo como a Devir deixa as imagens mais limpas em determinados momentos. Volta e meia, os autores deixam um quadrinho inteiro dedicado à apreciação do prato da mesa, colocando os nomes de cada coisa que está sobre ela. Nisso, a Conrad utilizava caixas de texto para detalhar, de modo que o quadrinho ficava bastante preenchido. A versão da Devir, por outro lado, não utilizava as caixas, fazendo a imagem ficar mais limpa.

Conrad
Devir

Nem sempre a não utilização de caixas de texto deixou o quadrinho mais visualmente belo do que a edição da Conrad, mas o normal é assim na maioria dos casos, não somente na questão dos pratos, mas em outros momentos do mangá também, como nas imagens abaixo.

Conrad
Devir

PLACAS


Por ser um mangá que perpassa o Japão, com diversos restaurantes e locais, há uma grande quantidade de placas na obra, daí que as editoras fazem caminhos um tanto quanto opostos no tratamento delas. Não existe propriamente uma regra, mas no geral, a edição da Conrad tinha as placas traduzidas, enquanto a versão da Devir manteve elas no original.

Conrad
Devir
Conrad
Devir
Conrad
Devir

Como dito, isso não é uma regra, pois há várias placas menores e sem importância que a Conrad não traduziu também. Do mesmo modo, há algumas placas específicas que foram traduzidas pela editora Devir e assim por diante. Não existe um certo ou errado na questão, são apenas escolhas diferentes, mas ao traduzir você evita de colocar notas de rodapé desnecessariamente. Nesse caso, então, nossa preferência enquanto leitores vai para a versão da Conrad.


ONOMATOPEIAS


Se as placas a Devir mantém a maioria delas intactas, as onomatopeias são todas ocidentalizadas. Isso é, as originais são apagadas e elas são redesenhadas no nosso alfabeto. A Conrad, por sua vez, manteve as onomatopeias originais e colocou uma legenda nelas.

Conrad
Devir

No Brasil, o normal é que as editoras mantenham as onomatopeias tal qual o original japonês, mas a Devir tem feito o inverso desde que começou a publicar quadrinhos japoneses por aqui. Trata-se de uma questão controversa, pois as onomatopeias fazem parte da arte do mangá e redesenhá-las seria acabar com isso, sendo considerado uma afronta pelos consumidores mais fanáticos. Entretanto também é preciso lembrar que elas são feitas de modo que o leitor japonês consiga entender certas coisas que estão acontecendo apenas e tão somente pelo uso delas, de modo que traduzir termina por ser uma forma de manter as intenções originais do autor, só que para o público que não fala japonês.

Conrad
Devir

Nas imagens acima, por exemplo, a versão da Devir é mais intuitiva aos nos mostrar o som ambiente que fazia na rua. Então, novamente, é uma questão de escolhas e preferências e não de certo ou errado (a nosso ver). Nós fazemos parte da turma do “tanto faz”.


ESCOLHAS DE TRADUÇÃO


Por ser um mangá sobre comida torna-se meio que inevitável a utilização de nomes em japonês, pois a maioria são pratos do Japão e que não possuem uma tradução direta para o idioma português. Daí que notas de rodapé ou um glossário tornam-se essenciais para entender mais sobre o que o protagonista está comendo. A versão da Conrad utilizou-se de um glossário. A versão da Devir utilizou-se das notas.

Entretanto, houve certas escolhas de tradução que foram um tanto quanto estranhas ao comparar as versões. Não no sentido de serem escolhas equivocadas e sim no sentido de serem pouco congruentes com as demais escolhas de tradução de cada editora. Vejam as imagens abaixo:

Conrad
Devir

Nesse capítulo em questão, o protagonista resolveu comer em um daqueles tradicionais restaurantes de sushi na esteira, daí que na versão da Conrad o protagonista chama o local de rodízio de sushi, enquanto na versão da Devir a empresa usa o nome em japonês, Kaiten-zushi. Até aí nada demais, cada editora apenas seguiu um caminho diferente. Só que, no sumário, a Conrad colocou o título do capítulo como “Kaitenzushi”, enquanto a Devir colocou Sushi na Esteira. Não consegui entender o motivo.

Agora, na imagem abaixo nós temos uma inversão do que foi feito na primeira imagem. A Conrad traduzira o tipo de restaurante, mas agora manteve o nome de um prato em japonês. A Devir, por outro lado, manteve o tipo de restaurante no original e agora traduz o nome do prato. Dessa vez, no entanto, o sumário de ambas as versões condizia com o nome do prato adotado nos quadrinhos.

Conrad
Devir

O normal de ambas as versões é utilizar o nome em japonês mesmo, colocando uma nota de rodapé (Devir) ou explicando no glossário (Conrad), embora um ou outro nome termine por ser traduzido para o nosso idioma.

Ainda nesse tópico de tradução, outra coisa que chama a atenção é o preciosismo da Devir em relação ao ambiente japonês. Quando alguém entra em um estabelecimento nipônico é comum que os atendentes digam “Irasshai”. Em geral, se costuma traduzir isso, tanto nos mangás, quando nos animes, mas a Devir manteve no original.

Conrad
Devir

Entendemos a razão de se ter mantido isso (é uma obra de visitas a restaurantes nipônicos e a empresa deve ter querido preservar o máximo possível a atmosfera), mas particularmente, enquanto leitores, achamos desnecessário, pois esse é o tipo de palavra que você pode adaptar sem problema, tipo o “Itadakimasu” que virou o clássico “obrigado pela comida” nas dublagens de animes.


PREÇOS E CONCLUSÃO


Para terminar o texto, falemos de preços. O mangá saiu pela Conrad em 2009 custando R$ 26,90. Não pense esse valor com olhos atuais. Esse preço era um valor extremamente alto para a época, representando quase 6% do salário mínimo. Pela correção do IPCA (para dezembro de 2019) equivale a cerca de R$ 48. Já a edição da Devir saiu ao preço de R$ 45,00. Ou seja, contabilizando a inflação acumulada, a versão da Devir está mais barata do que foi a edição da Conrad em sua época.

Hoje, a versão da Conrad está obviamente esgotada e só é vendida a preços enormes, mas ainda que não fosse assim, a versão da Devir é melhor e vale mais o investimento. Se você tem a antiga versão, no entanto, recomendamos a compra apenas se você é muito fã e quer uma edição melhor, afinal só tem um capítulo extra nele. Também recomendamos se você deseja o segundo volume da obra, afinal para ele ser lançado em algum momento no futuro, esse primeiro tem que ser um sucesso, então quanto mais pessoas comprarem, melhor.


FICHA TÉCNICA DA EDIÇÃO DA DEVIR


Título Original: 孤独のグルメ
Título NacionalO Gourmet Solitário
Autor: Masayuki Kusumi; Jiro Taniguchi
Tradutor: Arnaldo Oka
Editora: Devir
Dimensões: 17 x 24 cm
Miolo: Papel Munken Print Cream
Acabamento: Capa cartonada com sobrecapa
Classificação indicativa: Livre
Número de volumes no Japão: 2
Número de volumes lançados no Brasil: 1 (?)
Preço: R$ 45,00
Onde comprar: AmazonComix

%d blogueiros gostam disto: