[TRADUÇÃO] Entrevista de Nagabe no Lucca Comics & Games, na Itália

Autor esteve presente no país europeu

Entre os dias 28 de outubro e 1º de novembro de 2022, aconteceu na Itália o famoso evento Lucca Comics & Games, considerado um dos maiores do mundo. Na ocasião, um dos autores convidados a participar foi Nagabe, criador de A Menina do Outro Lado.

Durante o evento ele participou de várias atividades, dentre as quais deu entrevistas para alguns veículos de mídia italianas. Dois deles (Tom’s Hardware e NipPOP) publicaram suas perguntas em seus sites. Resolvemos, então, trazer esse conteúdo para o blog, traduzindo as entrevistas e apresentando-as a vocês.

Foto: Tom’s Hardware

ENTREVISTA PARA O SITE TOM’S HARDWARE (https://www.tomshw.it/)


PERGUNTA: Em A Menina do Outro Lado há uma tendência e brincar muito com os contrastes: preto e branco, claro e escuro, bem e mal. Essas dicotomias, entretanto, costumam ser muito surpreendentes, porque o que acreditávamos pertencer exclusivamente à escuridão é muito brilhante e positivo, ou vice-versa. Isso é uma metáfora para o fato de que as aparências na realidade muitas vezes enganam?

NAGABE: Eu não queria inserir mensagens precisas à força em A Menina do Outro Lado Eu joguei algumas pistas aqui, algumas dicas ali e só. Eu também sabia, claro, durante a confecção da obra, que o branco sempre tem acepção positiva, enquanto o preto é considerado negativo. Mas ao inserir referências não forçadas, não quis necessariamente “subverter os papéis”. Eu queria que o leitor tirasse suas próprias conclusões da leitura.

A Menina do Outro Lado foi adaptado em 2022 em forma de anime, feito pelo estúdio de animação japonês Wit Studio. Perguntamos a Nagabe qual o papel que ele desempenhou no desenvolvimento do produto e se ele gostaria de ver a transposição de seus outros trabalhos para a tela no futuro.

Não colaborei diretamente na realização do anime. Discuti o projeto com o diretor e outros membros da equipe durante os estágios iniciais, mas decidi dar carta branca a eles porque pude ver sua experiência e competência. E, na verdade, quando olhei o trabalho final achei lindo, não teria nada a acrescentar. No futuro eu gostaria de ter uma série de mini episódios baseados em meus contos, talvez com o mesmo estilo do anime de A Menina do Outro Lado.

Foto: Tom’s Hardware

No que diz respeito à escrita do mangá, queríamos aprofundar com Nagabe um aspecto puramente narrativo: em A Menina do Outro Lado, há uma reviravolta muito surpreendente em relação a Shiva, a protagonista do mangá. Então perguntamos ao mestre Nagabe se isso era algo que ele planejou desde o início da obra ou se a ideia surgiu durante o processo de escrita.

Sim, desde o início eu tinha em mente que queria desenhar (a qualquer custo) aquele momento preciso da trama. Em meus projetos iniciais, talvez ainda não estivesse em sua forma final, mas eu esperava escrevê-lo. Minha intenção era justamente inserir um elemento forte que também fosse capaz de aquecer o coração.

Shiva está sempre junto do Sensei, uma criatura sombria que vive no mundo “de fora” e que tem um aspecto entre o antropomórfico e o demoníaco, como os demais seres que povoam essas terras. O que te inspirou para o design desses personagens?

Me inspirei principalmente nos animais para dar a aparência desses personagens, e acho que os chifres dos animais tem um charme muito grande, acho eles muito bonitos e interessantes de desenhar, então sempre procuro colocá-los no contexto das criaturas que desenho.

Por fim, queríamos perguntar a Nagabe se ele tem algum projeto futuro em andamento sobre o qual possamos conversar:

Digamos que eu ainda estou pensando nisso.

Fonte: Tom’s Hardware

Foto: NipPOP

ENTREVISTA AO SITE NIPPOP (https://www.nippop.it/)


PERGUNTA: Uma questão para quebrar o gelo: o seu trabalho parece refletir sobre a condição humana, a começar pelas pequenas coisas (dormir, comer, tomar banho), especialmente em A Menina do Outro Lado – Dear [volume especial lançado após o final da série principal]. É um aspecto que você quer explorar de uma forma particular em seus trabalhos?

NAGABE: Na verdade eu gosto muitíssimo de observar esses pequenos momentos na vida dos seres humanos. E é realmente essa sensação que você tem ao realizar essas ações simples – principalmente se forem realizadas por uma garota como Shiva (que é humana) e um personagem como o Sensei (que não faria essas coisas normalmente) – que eu gostaria de transmitir. Acho muito legal observar uma mistura de gestos tão simples entre dois personagens tão diferentes. Não é realmente uma reflexão sobre a condição humana, mas mais simplesmente me faz sentir uma sensação maravilhosa desenhar e ver dois personagens tão diferentes interagindo de forma natural.

No traço, cenários e enredo de sua obra é fácil encontrar influências do folclore europeu. O que te inspirou a fazer A Menina do Outro Lado com esse estilo preciso? Existem obras ocidentais que o influenciaram particularmente?

Gosto muitíssimo do estilo europeu, principalmente o preto e branco, os desenhos a tinta, e existem muitas obras e artistas que me fascinam. Gosto muito de Moomin, por exemplo, que tem sido uma grande inspiração para esse tipo de estética, mas também de grandes pintores como Mucha.

Em outras ocasiões você falou sobre como a ideia por trás de A Menina do Outro Lado surgiu quando você estava na universidade. Como nasceu este trabalho? Como você conseguiu trazê-lo para o público em geral?

Na verdade, eu estudei ilustração na universidade e minha ideia era trabalhar em uma empresa de videogames como designer de personagens. Enquanto estudava, comecei a postar meus desenhos no Twitter, principalmente de Shiva e do Sensei – personagens que já estavam formados em minha mente. Graças a esses posts, fui contatado pela editora japonesa, que me ofereceu escrever uma história inteira baseada nesses dois personagens. A partir daí nasceu um pouco de tudo, e meu caminho mudou graças a essa oportunidade.

O estilo com que você desenhou A Menina do Outro Lado é bem particular. Como você chegou a essa estética?

Como já mencionei, há duas razões em particular. A primeira vem do fato de eu gostar muito de desenho a tinta (principalmente de muitos artistas europeus) e eu ainda queria criar algo que se aproximasse muito do meu gosto pessoal de arte. Por outro lado, dentro de uma história em quadrinhos, em nível narrativo, acho que cores opostas são imediatamente compreensíveis para o leitor e são capazes de criar um equilíbrio. Além disso, essas cores tornavam o contraste entre claro e escuro, certo e errado, visível à primeira vista. Um contraste tão imediato que também cria em mim uma grande vontade de ver como, uma vez encontrados, esses dois personagens tão diferentes um do outro – um inteiramente branco e o outro completamente preto – interagiriam entre si. Essas são as duas principais razões pelas quais o estilo da obra é tão particular, baseado no ‘conflito’ entre preto e branco – que não é tanto um conflito, mas um encontro.

No mangá, o Sensei é uma figura protetora, quase paterna. Ele é de alguma forma inspirado por seu pai?

Costumo separar a dimensão fictícia da obra e da vida real. Obviamente, o amor familiar e os relacionamentos dentro da família como conceitos gerais sempre me interessaram muito, mas não tenho certeza se posso fazer a conexão entre o Sensei e meu pai. Eu provavelmente poderia tê-los ligado em um nível subconsciente, então definitivamente não foi uma escolha consciente ou pensamento racional. Acredito que o personagem não se refira tanto ao meu pai, mas sim a uma ideia geral de amor familiar.

Foto: NipPOP

Quando você começou a desenhar e serializar o mangá, você esperava que fosse apreciado em um país tão distante quanto a Itália?

Na verdade, no começo nem pensei que teria muitos leitores no Japão, muito menos fazer sucesso na Europa, na França e na Itália! Ainda hoje acho difícil acreditar que meu trabalho atravessou o mar e foi lido por tantas pessoas – isso me deixa incrivelmente feliz.

Um tema importante na premissa da história de A Menina do Outro Lado é o da contaminação, o medo de se contaminar – tema que desde 2015 (ano em que começou a publicar o mangá) vem se tornando cada vez mais importante e relevante. Havia uma razão por trás da escolha de incluí-lo na história? Esse é um tema que você gostaria de trabalhar agora, principalmente depois desses dois anos de pandemia?

Quando comecei a escrever o mangá obviamente ainda não existia o problema da COVID. Então, eu queria tentar explorar o tema da linguagem corporal, especialmente no caso de duas pessoas que não podem ser tocadas (elas não podem apertar as mãos para se cumprimentar ou expressar afeto, como elas podem transmitir seus sentimentos um pelo outro?). Se vocês não podem se tocar, como vocês se ajudam? Este é um tema que me interessou muito, e hoje acaba por ser mais importante. Certamente será algo em que pensarei bem nos meus próximos trabalhos também.

O que você acha mais difícil de desenhar, os personagens, os cenários ou outra coisa?

As coisas mais difíceis certamente são os edifícios, as igrejas e as paisagens Quando comecei a desenhar A Menina do Outro Lado eu nunca tinha estado no exterior, então tive que me basear puramente nas fotografias que tinha visto e transpô-las para o mangá, criar tudo a partir delas. Esta foi certamente a coisa mais difícil, porque eu queria recriar uma atmosfera na qual nunca havia vivido.

Em que se baseou a criação dos dois personagens principais, Shiva e Sensei? Como eles vieram à sua mente?

Talvez a primeira inspiração para esses dois personagens tenha sido uma fotografia de uma garotinha toda vestida de branco em um ambiente muito escuro, em uma floresta muito escura, que vi por acaso. Me impressionou tanto que a figura do Sensei nasceu (mais do que de um personagem ou entidade específica) do escuro dentro daquela fotografia. A partir daí, nasceu a faísca para o que se desenvolveu mais tarde em A Menina do Outro Lado.

O mangá [no original japonês] tem um subtítulo peculiar: Siúil a Rún, título de uma música em gaélico. Qual foi a razão por trás dessa escolha em particular?

Na verdade, foi uma recomendação do meu editor, feita enquanto discutíamos o trabalho. Ele me contou sobre essa música irlandesa e, ouvindo-a juntos, achamos que essa frase em particular era perfeita para o tipo de história que queríamos criar.

Outra questão importante é a da discriminação, da marginalização, do preconceito em relação aos outros. Na sua opinião, tais histórias, mensagens desse tipo (isto é, ir além das aparências, além dos preconceitos) são necessárias não apenas no Japão de hoje, mas no mundo em geral?

Na verdade, quando comecei a escrever o mangá falar sobre discriminação não era minha intenção principal, não achei que estava mandando uma mensagem forte ou denunciando isso. Meu objetivo era ver a amizade e as interações entre dois personagens para quem o mundo inteiro dizia que sua amizade estava errada. Mais do que uma história de discriminação, é uma história de laços que surgem apesar do fato de que as pessoas ao seu redor não os apreciam. Então, claro, a beleza das histórias que são contadas é que cada leitor pode ver em cada uma delas um tema que é importante por si só. É ótimo ser um escritor, criador de mangá, e que os leitores possam interpretar o que você mostrou a eles à sua maneira.

A Menina do Outro Lado tem atmosferas que lembram o mundo dos contos de fadas – é quase uma reminiscência de um longo conto de fadas ilustrado. Já pensou em criar livros ou ilustrações para livros de histórias para crianças – ou mesmo para adultos?

Adoro livros ilustrados e sou um leitor assíduo – aliás, esse foi um pouco o rumo que eu estava seguindo na minha formação. No meu futuro vejo que certamente posso criar obras desse tipo, mas já no início de a A Menina do Outro Lado discuti com meu editor sobre o desenvolvimento da história como um livro ilustrado ou se deveríamos seguir o caminho do mangá. No final decidimos pelo último. Mas isso certamente não significa que eu gostaria de fazer um livro ilustrado no futuro.

Fonte: NipPop


NOS SIGA EM NOSSAS REDES SOCIAIS



%d blogueiros gostam disto: