Não creio que existam obras de leitura obrigatória, mas se existem realmente mangás assim, um que é obrigatório de verdade para qualquer pessoa que vê quadrinhos como uma arte, é Gen Pés Descalços, de Keiji Nakazawa. Com forte viés autobiográfico, Gen Pés Descalços narra os horrores da explosão da bomba atômica em Hiroshima, bem como as consequências e transformações no Japão pós Segunda Guerra Mundial.
Apesar de ser originalmente destinado a um público adolescente (começou a sair na Weekly Shonen Jump), a obra é extremamente forte e visual, feito para o leitor se chocar com a crueldade que era a guerra e o que ela fez com as pessoas naquele país. Nenhuma cena de qualquer mangá com violência extrema publicado no Brasil consegue se equiparar ao que é retratado em Gen Pés Descalços. Não é que exista violência gráfica, acontece que a experiência de leitura, sabendo que tudo aconteceu de verdade, faz a obra ficar mais intensa com os artifícios da arte e da ficção. Você vai lendo, vai lendo, vai lendo e, de repente, as coisas vão ficando complicadas, coisas acontecem e tudo parece servir de lição para que ninguém repita tais coisas.
Gen Pés Descalços é uma obra que realmente merece uma leitura, para que mais pessoas consigam entender como os governantes podem manipular a mente das pessoas e como o contexto social (a inflexão pela guerra, a escassez de alimentos e a consequente fome) pode fazer com que pessoas maltratem seus semelhantes por pouca coisa. A simples leitura do volume 1 já te mostrará exatamente isso e abrirá seus olhos para que você questione sempre as atitudes das pessoas que estão no poder.
Tendo sido traduzido em diversos idiomas, inclusive o Esperanto, Gen é talvez o mangá mais estudado nas universidades de todo o mundo, sendo alvo de pesquisas em diversos ramos do saber, como História, Filosofia, Comunicação, entre outros. Ou seja, por sua natureza temática ele deixou de ser um mero quadrinho de entretenimento e denúncia, para se tornar um dos primeiros (talvez o primeiro) mangás cultuados até mesmo por aqueles que acham (ou acharam em algum momento) que histórias em quadrinhos eram apenas coisas para crianças. Esse é um dos grandes méritos de Gen.
Composto por dez volumes no total, a obra teve duas publicações no Brasil, ambas pela editora Conrad. A primeira delas está comemorando 20 anos agora em novembro. Segundo o Guia dos Quadrinhos, o título começou a sair por aqui em novembro de 1999 e, na época, teve apenas 4 edições. Foi o primeiro mangá lançado pela Conrad.
Ao que consta, essa edição de Gen era baseada em uma versão americana, com leitura ocidental, e que não cobriu todos os volumes originais, além de haver diversos cortes. Quem acompanhou essa versão na época, então, não chegou a ver o final de fato. Entretanto, essa foi uma importante porta de entrada para esta série no Brasil e essa data (os vinte anos do início de sua publicação) merece ser lembrada hoje.
Em 2011, a Conrad lançou uma nova versão, com leitura oriental, e contemplando todos os volumes, mas isso é uma história para uma outra ocasião.
Memória é a nossa postagem de curiosidades em que buscamos relembrar algum fato, episódio ou época do passado do nosso mercado de mangás. Ela é publicada (quase) sempre uma vez por mês (embora algumas vezes publiquemos mais). Você pode conferir todas as postagens dessa série clicando aqui. Para ver outras curiosidades em geral, clique aqui.
Grande obra! Mas ainda acho que foi esticada mais do que deveria. No final as histórias parecem mais do mesmo.
Gen Pés Descalços é praticamente sinônimo de obra de arte.