Resenha: O insólito e o clichê no mangá “Gigant”

A sinopse de Gigant, de Hiroya Oku, aliado a suas capas (com uma moça com peitos enormes) me afastaram de imediato desse mangá. A história de uma atriz pornô que fica gigante me parecia uma bizarrice que eu não teria a menor vontade de ver, pois tudo parecia ser feito apenas e tão somente para apresentar mais uma vez um fetiche por mulheres de peitos grandes, como a gente vê em várias e várias obras no Japão.

Não tenho necessariamente um problema específico com obras que se utilizam disso, pois tem várias obras que eu gosto bastante que trabalham com ele, especialmente em forma de comédia. A questão é que em minha mente, a obra seria apenas e tão somente para isso, sem ter propriamente uma história.

Querendo ou não, às vezes a gente julga o mangá pela capa (e pela sinopse), então eu não pretendia comprá-lo. Por conseguinte, vocês ficariam sem a nossa resenha dessa obra. Entretanto, a editora Panini muito gentilmente nos enviou um exemplar do primeiro volume de Gigant e a gente teve a oportunidade de ler esse volume inicial, o que resultou neste texto que você está lendo agora.

Gigant está em publicação no Japão desde dezembro de 2017 na revista de mangás seinens Big Comic Superior, da editora Shogakukan, e atualmente possui 4 volumes publicados, com o quinto previsto para o final de fevereiro de 2020. Apesar de ter tão poucos volumes, o título já sai em alguns países no ocidente, muito provavelmente pela fama do nome do autor, conhecido por Gantz.

Na Espanha e na Argentina o mangá começou a sair em maio de 2019, em ambos pela editora Ivrea. Nos dois países, três volumes já foram publicados e o quarto está previsto para fevereiro na Espanha e para março na Argentina. Na França, por sua vez, a obra começou a sair em agosto de 2019 pela editora Kioon e dois volumes já foram lançados até o momento. O terceiro está previsto para fevereiro. Na Itália, a obra é lançada pela editora Panini desde novembro de 2019 e agora em janeiro sairá o volume 2. Na Alemanha, a obra começa a sair em março de 2020 também pela Panini. Nos Estados Unidos o título também sai em março, mas pela editora Seven Seas.

No Brasil, a editora Panini começou a lançar a obra em dezembro de 2019, quando foi publicado o primeiro número durante a CCXP. Já distribuído, a obra tem ganhado opiniões diversas com alguns achando divertido e outros falando o quanto a obra é ruim. O que nós achamos desse título? Será que ele é tão fraco quanto as pessoas dizem? Será que ele é tão ruim quanto a gente pensava? Ou ele tem seus méritos? Diremos a seguir.

ATENÇÃO: O PRIMEIRO VOLUME DO MANGÁ POSSUI 9 CAPÍTULOS APENAS. ENTRETANTO, O TEXTO CONTERÁ SPOILERS LEVES DA SÉRIE ATÉ O CAPÍTULO 40. NÃO É ALGO QUE, EM NOSSA OPINIÃO, ATRAPALHE A SUA EXPERIÊNCIA DE LEITURA DO MANGÁ, MAS TALVEZ CERTAS COISAS QUE FALARMOS VOCÊ NÃO GOSTARIA DE SABER. LEIA POR CONTA E RISCO.

  • Sinopse Oficial

Rei Yokoyamada, um colegial cujo pai trabalha para uma produtora de filmes, é inspirado a criar seu próprio curta com seus amigos. Certo dia, enquanto procurava por atores, vê avisos de que a estrela do cinema adulto, Papico, mora na sua região. Enquanto remove os avisos para protegê-la, a atriz aparece. Mal sabe ele que Papico está prestes a ser arrastada para um acontecimento estranho e sobrenatural… Onde ela se torna gigante.

  • História e Desenvolvimento

A gente pode definir Gigant como uma loucura desvairada. O suprassumo da criatividade em meio ao clichê forte e presente. A obra não é outra coisa senão um mangá de lutinha com um pouco de ficção científica, uma lutinha de robôs gigantes daquelas comuns e normais, mas no caso não é tão comum e normal, pois os robôs gigantes do mal são criaturas estranhas e peculiares e o robô do lado do bem é, na verdade, uma humana de carne e osso, que consegue ficar gigante. E essa humana é uma atriz pornô!. Na história, então, a gente verá uma mulher gigante pelada lutando contra monstros do espaço. Genial e criativo no poço do clichê.

Nada disso acontece no primeiro volume. Ele é uma introdução a essa loucura que veio da mente de Hiroya Oku. A história basicamente começa quando um estudante, Rei Yokoyamada, vê diversos cartazes afirmando que Papico, uma atriz de filmes adultos e de quem Yokoyamada é fã declarado, mora na região. Querendo proteger a atriz do assédio, ele começa a arrancar os cartazes, mas acaba dando de cara com a própria atriz. Os dois conversam, se tornam amigos e o que vai acontecer nos volumes posteriores já é possível imaginar desde aqui.

No meio disso, Papico é vítima de um incidente insólito. Ela resolve ajudar um homem ferido, mas este prende um objeto no pulso da garota e logo em seguida transforma-se em um boneco O_o. Antes dessa transformação, porém, o homem diz que agora tudo depende dela, sem muitos detalhes, mas indicando que a atriz agora terá uma missão, embora ela ainda não saiba.

Sobre o objeto em questão, Papico logo descobrirá que ele a faz aumentar de tamanho, a seu bel prazer, o que atiçará a curiosidade e o desejo de certas pessoas, após passar pelo baque inicial da incredulidade da situação. Com isso, ela até mesmo estrela um novo filme pornográfico em que ela é gigante (imagem aqui).

Esse é apenas o início dos fatos insólitos da obra. De repente, o mundo que parecia comum e normal na vida de Rei e de todos os demais começa a mudar.  Chove dejetos humanos, deixando a cidade com um cheiro insuportável, depois um famoso ator começa a correr pelado pelas ruas da cidade, tudo isso após um site colocar uma votação no ar e escolher o que ia acontecer. Pegadinha? Não. Algo está acontecendo de verdade, mas o quê e por quê? Qual a relação daquele homenzinho que virou um boneco? Ele veio do futuro? E, se sim, por que veio? São questões que ficam no ar.

Essa é então a reunião de elementos que está no mangá. O convívio de Rei com Papico, o fato de ela ficar gigante e o site que faz coisas absurdas acontecerem após uma votação entre os usuários da internet. Tudo isso se misturará nos volumes posteriores em uma maluquice maior ainda.

***

Gigant é um mangá daqueles que tem como único foco o entretenimento puro e simples. Ele é daqueles mangás que as coisas acontecem, acontecem, acontecem e acontecem, sem que você tenha muito tempo para respirar, embora o primeiro volume seja apenas uma introdução e as coisas ocorram de uma forma um pouco mais lenta. Você não tirará muitas lições ou pensamentos sobre a obra, pois ele é feito apenas para te chocar, para te fazer rir e para você achar maneiro e ficar dizendo “olha que legal, olha que legal, que divertido” no meio daquela maluquice. Não é que não existam lições a serem tiradas, porém eles terminam por ficar na superfície.

Papico, por exemplo, é desenhada de uma forma esquisita, com peitos enormes e corpo desproporcional, causando um estranhamento, que gera um incomodo ao vermos a forma dela. As cenas dela crescendo, ficando nua aumentam esse incomodo, pois não parece ser feito como forma de fetiche ou totalmente erotizante. Não digo que não existam pessoas que possam achar atraente o modo como ela é representada, mas a imagem como ela passada, parece fora da realidade, como se ela já fizesse parte do insólito que a obra iria abarcar. Ainda assim, isso não é posto em discussão. As coisas apenas acontecem e até existem partes que são eróticas de fato.

Além disso, o fato de Papico ser uma atriz pornô já é interessante, pois tudo começa parecendo que o título será apenas e tão somente uma fetichização com os peitos da moça, mas a obra mostra mais do que isso, existindo uma história a ser contada, com os personagens fazem parte de uma sociedade estranha, que julga, que maltrata as pessoas. Papico, por exemplo, ajuda a família, ela cuida do jeito que pode, porém a própria família vê o seu trabalho como algo repugnante, como algo baixo, que não serve e não auxilia em nada a sociedade a se desenvolver. Trabalhar como atriz pornô só faz as pessoas pensarem mal dela e isso não muda independente do quem olhe. A priori, no mundo ideal, o trabalho dela seria mais um como qualquer outro, porém por envolver sexo e ser um entretenimento para adultos, o trabalho passa a ser malvisto.

O problema é que não há uma evolução. As coisas estão aí, os acontecimentos suscitam isso, mas não há nenhum aprofundamento, nenhuma discussão a mais que possa vir a colocar o mangá em um outro patamar. Papico não é apenas uma atriz de filmes adultos, ela tem uma personalidade e problemas próprios, ela tem uma família que tem problemas, ela tem um namorado idiota, etc. Tudo isso poderia servir para um exame mais profundo sobre como a sociedade enxerga certos integrantes da população de forma abjeta, apenas por seu trabalho envolver algo “indigno”. Ou seja, as coisas ficam na superfície, a gente vê que elas estão lá, mas a obra não as desenvolve de forma adequada.

Outro grande exemplo é quando vemos o choque com o início dos fatos insólitos, quando o carinha se transforma no boneco, quando tem a chuva de dejetos e assim por diante. Essa é uma maluquice que lembra demais obras do realismo fantástico, como os livros de Gabriel Garcia Márquez, só que sem aquela crítica inteiriça que perpassa a obra do escrito colombiano. Nos volumes posteriores, a coisa toma proporções maiores ainda com o surgimento de seres gigantescos dos mais variados e você fica com aquela sensação de “não acredito que o autor fez isso” ou “olha que loucura, esse autor está doido”, mas tudo  isso apenas no âmbito do entretenimento, para você achar “maneiro”, sem uma discussão aprofundada sobre o que está acontecendo. Por exemplo, por qual razão as pessoas que votam no site querem que chova merda? Por que querem que um ator corra pelado? Ou mais adiante na história por que querem a morte de milhares de pessoas? Tudo isso daria uma discussão interessantíssima na obra, mas até o momento, nada disso é aproveitado.

Por tudo isso, Gigant é apenas a diversão e a loucura, com inventividade do autor em meio ao clichê da historinha, sem uma discussão maior, sem um algo a mais. Sim, pois, é isso que você tem que ter em mente, é uma narrativa básica, simples, comum, que você já viu um monte de vezes, só que no meio há um monte de coisas surreais acontecendo, sendo a própria protagonista, uma dessas coisas surreais.

É preciso ficar claro mais uma vez que pela sinopse e pelo tema, com uma atriz pornô como protagonista, trata-se de uma obra +18, pois a personagem acabará aparecendo nua em diversos momentos e haverá cenas um tanto quanto estranhas por assim dizer. Haverá também erotismo aqui e ali, sobretudo em uma determinada parte da história, mas a obra não é sobre isso. A nudez faz parte da trama, assim como ela faz parte da vida de todas as pessoas, mas o que se sobressai é o todo da maluquice da situação. Como se trata de uma obra de ação, a leitura é leve, não há muito texto, de modo que você conseguirá ler os capítulos voando, com várias sequências com muitos quadros com poucos ou nenhum balão.

Para quem quer apenas uma diversão, é uma experiência muito legal e que a gente recomenda. É como ver aquelas filmes ou seriados antigos de ameaça ao mundo, mas ao invés de vermos um megazord, estaremos vendo uma atriz pornô gigante e uma série de outras coisas gigantes esquisitas. Gigant não é a narrativa que vai mudar a sua vida, está longe de ser uma obra grandiosa, mas será um daqueles divertimentos ímpares que (TALVEZ) você não se arrependerá de ter.

  • A Edição Nacional

A edição nacional veio no formato 13,7 x 20 cm (padrão da Panini), com miolo em papel offwhite e capa cartonada simples, com capas internas coloridas e algumas páginas do miolo também coloridas, ao preço de R$ 22,90.

A versão está um primor de qualidade, com uma encadernação daquelas boas, que permitem folhear o mangá de forma levíssima, bastante parecida com a BEASTARS ou Fruits Basket – Edição de Colecionador. O papel é aquele de cor creme, ótimo para a leitura.

Em termos de texto, não notei erros de revisão e nem nada do tipo. Então o trabalho da editora foi bastante competente.

  • Conclusão

Muita gente que eu admiro costuma falar que Gigant é um dos piores mangás que elas já leram. Então, além do meu próprio preconceito com a obra, eu comecei a leitura do título esperando uma experiência péssima, com uma história mal feita, falta de verossimilhança, com problemas de roteiro amadores, etc, etc.

Então eu estava pronto para falar mal do mangá, destacando todos os possíveis aspectos negativos e tal, só que a leitura do primeiro volume de Gigant me mostrou uma obra divertida e bem feita, que acerta justamente onde obras ruins erram. Na obra de Oku, por exemplo, os absurdos que acontecem no mangá são tratados do jeito que eles são, absurdos, mostrando toda a surpresa e a reação das pessoas de forma coerente com o que aconteceria em nosso mundo se situações surreais começassem a acontecer. Ora, é lógico que um produtor de filmes pornográficos iria se aproveitar de alguém se descobrisse que essa pessoa tem a capacidade de ficar gigante, por exemplo. A obra vai indo, se desenvolvendo e o todo é bastante harmônico. Não existe nada profundo, mas enquanto entretenimento, estava bastante divertido.

Por conta disso, eu tive que me aventurar nas versões não-oficiais para entender melhor o porquê de as pessoas não gostarem de Gigant. Eu já tinha visto alguns spoilers da série, então eu já estava preparado para o que aconteceria (basicamente do mesmo modo que você está após ler este texto), mas mesmo assim fui surpreendido e ao termino de todos os capítulos disponíveis (40) eu confesso que ainda assim não entendi direito o motivo das pessoas não gostarem.

Veja bem, a obra não é outra coisa senão o básico clichê de sempre de coisas estranhas estarem acontecendo e alguém precisar salvar o mundo. É a mesma coisa que a gente já viu um monte de vezes em um monte de lugar (Ultraman, Power Rangers, etc), a única diferença é a maluquice do Hiroya Oku ao colocar uma atriz pornô que fica gigante como protagonista, bem como diversas situações inusitadas. Dito de outro modo, é uma narrativa para você ir curtindo o todo e esperando o que vai acontecer no decorrer dela. Nada muito diferente de outras obras em que o entretenimento puro e simples é o esperado.

O que eu posso conjecturar é que talvez a maluquice da situação seja um incomodo e as pessoas não consigam absorver bem a história que está sendo contada e não consigam se divertir com o mangá. Aliado a isso, existe também uma parte que fica muito na cara que o mangá só está servindo de fetichização como eu mesmo pensava antes de começar a lê-lo, e isso pode ter deixado as pessoas com um olhar um pouco travado em relação à obra. Por fim, tem o fato da protagonista aparecer pelada quase o tempo todo e as pessoas acharem que a obra está apenas e tão somente usando-a de objetificação ou coisa assim.

No mais, no meu entender esse aspecto da obra parecer apenas e tão somente um fetiche do autor é uma parte bem pequena, pois o todo não apresenta isso (ou não faz com que nós vejamos isso) e a loucura desenfreada que marca o mangá é que se sobressai, fazendo aquele aspecto fetichizante ser só algo minúsculo, escondido. Gigant trabalha mais a ação e o insólito (e o fato de a protagonista ficar gigante e pelada faz parte disso). Nos volumes posteriores, veremos cenas de ação com Papico totalmente sem roupa, mas é uma ação tão frenética que você precisa se esforçar demais para ver muito erotismo. Ou seja, a gente terá duas coisas distintas acontecendo, uma cena de ação (uma busca de  salvar pessoas) ao mesmo tempo em que vemos uma mulher pelada gigante ser o centro das atenções. É uma mistura do convencional com o nonsense, do clichê com o diferente.

Então, recomendamos o título se você gosta de obras de ação, com um pouco (leia-se: muito) nonsense e não se importa com cenas de pessoas nuas aparecendo (melhor dizendo, uma mulher nua aparecendo). O primeiro volume é só uma introdução (embora a loucura já esteja ali presente e você será fisgado pelo que vê ali), o segundo ainda faz parte desse início, mas a partir do terceiro as coisas engrenarão de uma forma bastante surreal (mas bem divertida). Gigant não é ruim como eu pensava e nem como as pessoas dizem. Pelo contrário, é um mangá bem divertido, para quem deseja uma historinha de ação não convencional, ainda que a estrutura profunda seja o clichê de sempre, que você já viu muitas vezes antes.

  • Ficha técnica

Título Original: Gigant
Título Nacional: Gigant
Autor: Hiroya Oku
Tradutor: Caio Suzuki
Editora: JBC
Dimensões: 13,7 x 20 cm
Miolo: Papel offwhite
Acabamento: Capa cartonada simples
Classificação indicativa: 18 anos
Número de volumes no Japão: 4 (ainda em andamento)
Número de volumes No Brasil: 1 (ainda em publicação)
Preço: R$ 22,90
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ESTA RESENHA FOI FEITA POR MEIO DE UM EXEMPLAR CEDIDO A NÓS PELA EDITORA PANINI, A QUEM AGRADECEMOS MUITO.


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