Resenha: Zero no Tsukaima #01 (mangá)

O isekai dos bons tempos

Desde os tempos remotos existiram obras de ficção que imaginavam o protagonista indo parar em um mundo paralelo (quem não lembra de Alice no País das Maravilhas e O Mágico de Oz?), no entanto, no Japão, séries com esse mote vêm se tornando cada vez mais comum nos últimos tempos com obras e mais obras sendo lançadas e ficando populares, quase todas elas partindo do imaginário comum do mundo otaku.

Daí que, embora muita gente ame, também há uma série de consumidores que olham com desgosto só em ouvir a palavra isekai (como ficou conhecido esse tipo de obra). Embora a gente entenda as pessoas que detestam, acaba sendo mais um preconceito que limita o consumo das pessoas e quando algum bom mangá (anime ou light novel) se utiliza desse estratagema é difícil convencer todas as pessoas a darem uma chance, tendo em vista que elas já vão com o seu conceito pré-concebido.

Zero no Tsukaima é uma das obras que sofrem com isso. Embora não faça parte da leva atual de isekais, essa série termina por ser envolta pelos pré-conceitos e termina relegada, mesmo ela tendo uma trama – em certos aspectos – bem diferente do que as obras mais modernas.

Zero no Tsukaima nasceu como uma light novel escrita por Noboru Yamaguchi no ano de 2004, mas sua fama se deve à adaptação em anime, cuja primeira temporada foi ao ar entre julho e setembro de 2006.

A light novel original foi publicada no Japão até 2017, totalizando 22 volumes no total. O autor, porém, acabou morrendo antes de concluir a história, de modo que os fãs jamais poderão ver uma nova obra dele. Apesar disso, ele deixou registrado o passo a passo para o final de Zero Tsukaima e os editores conseguiram escrever os livros 21 e 22 e não deixar a obra incompleta.

O anime, por sua vez, teve quatro temporadas ao todo, a última delas em 2012. Além do anime, a obra também teve algumas adaptações em mangá, a primeira delas feita por Nana Mochizuki, que foi completa em 7 volumes no Japão.

No Brasil, a NewPOP anunciou a série de light novels em dezembro de 2018, mas até o momento ela não começou a publicá-la. A empresa também anunciou a adaptação em mangá feita por Nana Mochizuki e ele teve a publicação iniciada agora no final de julho. No post de hoje, falaremos justamente do primeiro volume do mangá.

A obra se passa em um mundo paralelo chamado de Hallucigenia, onde todos os nobres têm o poder de usar magia, no entanto a jovem Louise de la Vallière, aluna da academia de magia do reino de Tristain, é um completo desastre, sendo alvo de chacota de todos, chamada até mesmo de Louise, a Zero. No início do segundo ano nessa escola, todos os estudantes devem invocar seus espíritos familiares (um servo protetor eterno, que geralmente é algum tipo de animal ou criatura mágica) e Louise planeja usar esse evento como forma de mostrar a todos que também tem poderes. No entanto, sua invocação acaba gerando mais risos, pois ela termina por invocar um humano de outro mundo, Saito Hiraga, vindo da terra. A partir de então acompanharemos a vida de Louise e Saito nesse mundo paralelo, com diversas aventuras ao longo do caminho.

Zero no Tsukaima não dista de outras obras de ficção em seu desenvolvimento, utilizando os lugares comuns das obras de aventura e fantasia. Louise não é outra coisa senão aquele personagem fraco, deixado de lado, e que não é levado a sério, mas que tem um grande poder, mesmo ela mesma não sabendo disso. Nesse volume inicial, isso já se mostra em alguns momentos, como quando a garota faz uma magia e destrói uma certa parte da escola que era quase indestrutível.

Na esteira de Louise, vem Saito. Sua própria invocação é como uma prova dos poderes da garota, já que Saito é um Familiar Humano (coisa praticamente inexistente) e ele possui um símbolo antigo que o liga a um antigo familiar poderoso, conhecido como Gandalfr, que era proficiente em qualquer arma. Logo nesse volume inicial, Saito tem um confronto e consegue vencer facilmente.

Em meio a isso, a obra nos mostrará o dia a dia dos personagens na escola de magia, bem como algumas outras tramas, como um certo personagem querendo se apropriar de uma arma misteriosa e poderosa.

É uma obra, portanto, que tem todos os elementos para pegar os leitores de obras de fantasia, agradá-los e fazê-los ser fisgados pela trama, ainda que nesse início pouca coisa seja mostrada…

O problema é que o mangá não passa a emoção que precisa. Ele falha em desenvolver bem a história e os personagens, de modo que as coisas vão acontecendo e você só consegue sentir um “ah tá”, sem qualquer alegria que as cenas deveriam passar. A luta de Saito, por exemplo, é extremamente mal feita, em um momento o rapaz pega uma espada e no ponto seguinte ele já derrotou, sem que conseguíssemos ver isso pelos quadros do mangá. Era um momento de grande emoção e foi simplesmente jogado, sem nada de mais.

Nana Mochizuki parece não conseguir utilizar a mídia dos quadrinhos para fazer a história fluir naturalmente, de modo que existe alguns atropelos aqui e ali, o que faz com que até mesmo os personagens não se desenvolvam bem.

Os personagens secundários quase não tem “”tempo de tela”” suficiente para se fazerem conhecidos e vermos suas personalidades de forma mais enfática, com suas imagens sendo reservada apenas a seus estereótipos (a garota sedutora, a garota leitora, o garanhão, etc). Mesmo Louíse e Saito são personagens em que pouco vemos suas personalidades (e olha que o mangá é sobre eles).

Todos os que viram a adaptação em anime certamente sentirão um grande fastio com esse mangá, pois ele simplesmente não parece aquele Zero no Tsukaima que aprenderam a amar, sendo apenas um simulacro, uma pequena fatia condessada do que é a obra… Isso se torna bem enfático na questão do idioma.

Uma coisa muito comum nessas obras isekais é haver uma total falta de verossimilhança para com a linguagem. Se pegarmos obras como Guerreiras Mágicas de Rayearth veremos os invocados a outro mundo falando a língua das pessoas daquele lugar com a maior naturalidade, como se fosse o mesmo idioma. Algumas obras tentam até fazer algo diferente, colocando uma língua escrita (caso de Re:Zero, por exemplo), mas a fala – milagrosamente – é a mesma do “mundo real”.

Isso é inverossímil em vários níveis, mas a gente acaba deixando passar, afinal é uma obra de ficção. Entretanto, quanto mais você acompanha séries, mais você vai ficando inteirado das coisas até que chega um momento em que você acha mais fácil acreditar que uma pessoa possa realmente ir a um mundo paralelo, do que duas sociedades completamente diferentes falarem o mesmo idioma.

As línguas sofrem influências culturais e sociais ao longo do tempo. Elas não são fixas e vão se modificando de acordo com o contato com os membros da própria sociedade, com membros de outras sociedades, dentre diversas outras variáveis. Assim, duas sociedades distintas que falam a mesma língua, tendem a ter diferenças enormes entre uma e outra (basta ver, por exemplo, as variáveis existentes entre o português brasileiro e o de Portugal). Se é assim no nosso mundinho, é claro que não faria sentido um idioma ser igual ao outro de um outro universo.

No anime de Zero no Tsukaima as coisas acontecem de uma forma mais organizada nesse sentido, de uma forma que sabe da existência desse problema e lida com ele de uma forma prática. Basicamente, Saito é invocado e não entende o que as pessoas do outro mundo estão falando. Do mesmo modo, as pessoas do mundo paralelo não conseguem entendê-lo. Para nós, expectadores, as duas partes estão falando o mesmo idioma, mas para o “mundo da ficção” os dois falam línguas diversas. Esse estratagema é bem interessante, pois inibe a existência das diferenças entre linguagem através do tempo e espaço e faz com que o autor não precise abordar isso. Logicamente, em algum momento eles terão que falar a mesma língua e isso acontece rapidamente quando Louise faz uma magia, ela dá errado como de costume, e os dois terminam por compreender-se um ao outro. Cada um pensa que o outro está falando a própria língua, mas na verdade é apenas uma espécie de tradução (tipo aquela coisa de colocar um peixe dentro do ouvido de O Guia do Mochileiro das Galáxias). Uma escolha perfeita para a obra seguir sem um empecilho.

O mangá de Zero no Tsukaima ignora isso totalmente e Saito já chega ao mundo alternativo sabendo falar o idioma do local. A grande sacada apresentada no anime, simplesmente deixou de existir no mangá, uma pena…

Isso é só mais uma coisa que faz o mangá não ser muito aprazível. Claro que se não tivéssemos visto a animação, isso poderia passar batido e apenas acharíamos que a obra faz igual aos outros títulos de fantasia, mas quando temos a comparação com o anime e sabemos o que fizeram nele, só podemos dizer que Nana Mochizuki não conseguiu realizar uma boa adaptação…

A edição brasileira de Zero no Tsukaima veio no formato 12,8 x 18 cm (mesmo tamanho de Citrus e Given), com miolo em papel offset 90g e capa cartonada simples, além de algumas páginas coloridas. Como todas as obras da NewPOP, a edição está perfeita, muito caprichada, permitindo folhear e abrir o mangá sem o menor problema.

Apesar de custar R$ 24,90 (um preço muito caro, como todos os mangás recentes), o acabamento faz com que o leitor se sinta pagando um preço mais justo do que ao comprar a maioria dos mangás das duas principais concorrentes (que custam cinco reais mais caro e usualmente possuem uma qualidade inferior).

Entretanto o desenvolvimento desse primeiro volume de Zero no Tsukaima não foi dos melhores, com ele entregando muito pouco do que é a série. Assim, ele se junta a outras adaptações de light novels que ficaram abaixo da média, como Shakugan no Shana e Re:Zero – Capítulo 1.

Desse modo, não recomendamos esse mangá. O melhor é ficar com o anime e/ou esperar o lançamento da light novel.

Ficha Técnica

Título Original: ゼロの使い魔
TítuloZero no Tsukaima
Autor: Nana Mochizuki
Tradutor: Sayuri Tanamate
Editora: NewPOP
Número de volumes no Japão: 7 (completo)
Número de volumes no Brasil: 1 (ainda em publicação)
Dimensões: 12,8 x 18,1 cm
Miolo: Papel offset
Acabamento: Capa cartonada simples
Classificação indicativa: 14 anos
Preço: R$ 24,90
Onde comprar: Amazon

2 Comments

  • Essa resenha diz bem o porque toda vez que lançam alguma adaptação de LN eu nem compro mais. Antigamente eu até apoiava pra mostrar interesse, mas em pleno 2021 eu sinto que não precisa mais disso. pena que o publico otaku no geral tá longe de ter essa mentalidade.

  • Lindalberto Leal

    De fato, e bem raro que uma adaptação em mangá de uma light novel seja boa, não sei o critério que as editoras usam, mas eu particularmente já conhecia esse mangá e não possuia muito interesse nele, porém a novel original e algo que eu quero muito ler, inclusive pretendo assinar, pois a última temporada do anime deve ser provavelmente uma das animações mais rushadas que existem, foram 12 volumes em 12 episódios, coisa que num ritmo normal de adaptação facilmente teria mais de 50 episódios, e eu quero vê a história do jeito certo, porque Zero no Tsukaima foi um dos primeiros animes que fora da Tv aberta

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