O que muda entre as versões? É só o “luxo”?
Com a chegada de Cavaleiros dos Zodíacos e Slam Dunk baseados na versão “kanzenban”, muitos se perguntaram qual a diferença entre essas versões e os tankoubons originais. Vários leitores, contudo, só identificavam as diferenças de páginas e outras envolvendo características físicas. Meio que repetindo aquela ideia de que kanzenban é a coisa mais luxuosa do mundo. Mas quais são de fato as diferenças entre essas versões japonesas? E como essas diferenças interferem na nossa versão?
Diferenças Físicas
Antes de realmente entrar no assunto, vale a pena fazer um adendo sobre essas “características físicas”. Que tipo de papel, gramatura e formato que o livro original tinha em nada, quase nada, interfere na versão brasileira. Não importa com que papel e formato o livro foi lançado no Japão, no Brasil será lançado no formato que a editora brasileira preferir (com a devida aprovação japonesa).
Exemplo disso é como no Japão quase todos os mangás são lançados em um tamanho de bolso como as light novels de bolso da NewPOP, os mangás da L&PM e o próprio Naruto Pocket. Aqueles formatos maiores, chamados de formatinhos, são escolhas das editoras brasileiras, embora haja o tamanho B6 japonês que é bem similar, mas não tão usado assim. Outro exemplo é o uso de papel offset, por lá a esmagadora maioria é papel jornal mesmo. Um exemplo ainda mais claro disso é Death Note Black Edition, a compilação original, feita pela Viz Media (empresa americana), pegou o conteúdo de tankoubons, adicionou páginas coloridas da revista e lançou num formato totalmente diferente.
Sendo assim, da mesma forma que se pede para as editoras enobrecerem os mangás brasileiros (com offset, brindes, capas especiais), uma editora pode empobrecer em relação ao original. Nada novo no mundo das editoras e publicações. Existem exceções, por exemplo, você pode licenciar com um formato e nome em especial, como é o caso de Black Edition. Mas mesmo os dois, se compararmos a sério, encontraremos diversas pequenas diferenças envolvendo papel, espessuras e certas características (como as laterais do miolo que eram pretas no original).
É por esse motivo que as características físicas do volume original pouco ou nada interferem na experiência de um brasileiro, logo discuti-las acaba sendo um esforço fútil. Diga-se de passagem, nenhum dos kanzenbans que serão lançados este ano tem exatamente as características dos originais. Saint Seiya – Cavaleiros do Zodíaco (Kanzenban), por exemplo, o original japonês não é em offwhite (lux cream), mas em offset, não tem capa dura, mas cartonada, e é levemente maior (embora seja por questões de tamanhos padrões de cada país). Ou seja, foi muito enobrecido. O de Slam Dunk por sua vez foi empobrecido.
Para encerrar de vez, podemos comentar as três versões de Naruto no Brasil ou os vários relançamentos da JBC. Veja que são todas baseadas num mesmo volume japonês. As maiores mudanças sofridas foram devido à mudança de conteúdo nas adaptações e traduções e escolhas de formato. Não foi o original japonês que se usou que mudou, continua o mesmo volume tankoubon que foi explorado no Brasil de três formas diferentes.
Tendo isso em mente, qual de fato é a diferença física entre tankoubons e kanzenbans? Kanzenbans são publicados em papel offset, formato bem maior (A5) com mais páginas que o original, mudando o total de volumes, capa cartonada e sobre-capa inédita (às vezes enobrecida) com o título geralmente em alfabeto latino (quando se trata de um título ocidental) ou com novo design, todas as páginas coloridas originais e presença de extras. Tankoubons possuem imagens de abertura de volumes (que são retirados nos kanzenbans), são feitos em papel jornal e baixa-média gramatura, super leves, com capas flexíveis e sobre-capa, formato menor, geralmente de bolso, podem ter algumas páginas coloridas (geralmente 4), alguns podem vir com pôsteres (especialmente os da Jump), possuem posfácios e textos dos autores que geralmente são excluídos no kanzenban por ficarem datados, possuem histórias “tapa-buraco” para preencher a quantidade requerida de páginas, às vezes sobre a história, outras apenas de mesma autoria, que geralmente não entram no kanzenban. Nem todas as editoras trabalham com esse formato e cada uma que o usa apresenta pequenas diferenças.
Abaixo uma comparação simples de um kanzenban e dois tankoubons da mesma série.
Diferenças de Conteúdo
Agora sim, estamos numa parte importante das diferenças, as de conteúdo. Logo de cara temos a possível inclusão de novas páginas e materiais, além das páginas coloridas que saíram na revista e não no tankoubon (geralmente por volta de 60 páginas coloridas por volume). Vários gerentes já comentaram como conseguir essas imagens e ilustrações para adicionar nos tankoubons normais é bem difícil, mas se você licencia a versão kanzenban já prevendo o uso delas, a coisa facilita.
Mas a verdade é que nem sempre esses extras e páginas coloridas aparecem nas nossas versões. O pessoal que compra mangá desde os primórdios ainda lembra como páginas coloridas eram a coisa mais rara da face da Terra, mesmo as que vinham nos tankoubons, até hoje algumas editoras simplesmente lançam em preto e branco ou simplesmente as excluem do livro. O próprio kanzenban de Slam Dunk virá com número de páginas coloridas reduzidas.
Isso dificilmente acontece apenas no Brasil, não é incomum que nos outros mercados os extras sejam cortados fora ou adaptados, especialmente aqueles “omakes” e “freetalks”, que são os prefácios, posfácios e aqueles textinhos que aparecem nas páginas e volumes. Ou seja, ter naquela versão original não significa que terá na versão traduzida. Na verdade, você poderia muito bem traduzir de uma versão kanzenban, mas lançar como se fosse um tankoubon. No caso de Rurouni Kenshin, por exemplo, a JBC tinha em mãos o kanzenban da obra (apareceu num vídeo ou outro), só que não temos a confirmação se foi usado ele para a tradução e digitalização das imagens.
Mas imagine que tenha de fato sido esse o caso, o “tankoubon” de Rurouni Kenshin seria então baseado num kanzenban, um “meio-kanzenban” ou “dois-terços-kanzenban” (rs). Numa realidade dessa em que os extras foram retirados, as características físicas são totalmente diferentes, a capa é diferente e não há páginas coloridas… Haveria alguma diferença?
Sim, há. A depender do autor e livro em questão, muito mais do que você imagina. Para começar, não é incomum que sejam incluídos novos capítulos em novas versões e relançamentos, o volume kanzenban de 21st Century Boys virá com um epílogo inédito, por exemplo. Às vezes o autor até altera a história e capítulos mesmo, redesenhando e reescrevendo, que é o caso de Kimba (de Osamu Tezuka) que possui 3 versões diferentes, muito diferentes, a última sendo a lançada aqui no Brasil. E as duas versões de O Mito de Arata (Arata Kangatari), a segunda (REMIX) tendo sido reescrita e redesenhada parcialmente pela autora.
As mudanças, entretanto, são geralmente mais sutis, envolvendo correções de erros gramaticais, atualizações de dados e moedas, alterações de balões que contenham algo inapropriado ou referência ininteligível para a época. Não muito diferentes das que ocorrem entre a publicação na revista e a primeira compilação em tankoubon.
No famoso Hokuto no Ken, por exemplo, certo balão foi trocado três vezes de (tradução livre) “O lugar de um porco é no matadouro…” para “O lugar de um porco é no chiqueiro!” e finalmente “Não tenho nada a dizer para um porco!!”. Você vai encontrar esse tipo de alteração especialmente em séries antigas.
Uma versão mais atual que teve várias alterações de todos os tipos foi Sailor Moon, a mudança do formato dificilmente é a única mudança entre as duas versões. Para começo de conversa a primeira serialização de 18 volumes continha 52 capítulos (originalmente eram 60, mas foram rearranjados pela autora, unindo alguns e somando 52), a segunda de 12 tem os exatos 60 capítulos da forma como foi serializado na revista. Além disso, há literalmente centenas de pequenas alterações no decorrer dos volumes, desde alterações de diálogo até retoques na arte, até páginas novas e textos retirados. Alguns são bem sutis, até frívolos, mas outros são ligeiramente mais importantes e esclarecedores, com direito a novos balões. Se você é curioso, pode ver várias dessas alterações listadas aqui.
Diferenças Significativas?
Definir se são ou não significativas só analisando caso a caso, mas em geral as mudanças feitas pós-morte do autor são apenas de inclusão de cartas ou rascunhos originais, além de correções gramaticais ou de “politicamente correto”. Dificilmente mudam a história em si ou valem mesmo a pena se preocupar.
Mas as mudanças que são feitas pelos próprios autores quando vivos podem ser muito significativas e melhorar muito a história (pelo menos no ponto de vista do criador). Traduzir e produzir a versão nacional a partir da mais recente seria a melhor forma de trazer a história como o autor considera “ideal”. Esse pode ser, inclusive, o motivo que levaria um autor a exigir que a editora traga aquela versão, talvez o que aconteceu com Slam Dunk. A versão kanzenban publicada entre 2001 e 2002 foi talvez a chance do autor de corrigir e ajeitar arrependimentos e erros.

Infelizmente não conheço ou encontrei nenhum japonês maluco que tenha tido a paciência de checar página por página e comparar. Mas visto que a versão da Conrad era baseada no tankou e a da Panini será no kanzenban, será possível para os próprios brasileiros conferirem as mudanças de conteúdo, especialmente as visuais. Aí em cima, por exemplo, note que além da cor em si, a roupa passa de branco para preto, voltando para branco na versão kanzenban; outra mudança é o balão cor de laranja que vira branco.
Conclusão
Idealmente, as editoras brasileiras deviam sempre procurar traduzir das edições mais recentes, especialmente as obras mais datadas, independente do formato a ser utilizado (como também estão fazendo com Lobo Solitário). Afinal, essa versão alterada seria a mais “perfeita” aos olhos do autor, a forma mais correta da sua obra. Quando levamos em consideração então a forma de publicação, onde os autores ficam presos a prazos e números de páginas semanais, tendo que sacrificar coisas para dar tempo de lançar, fica ainda mais claro o quão melhorado pode ser a versão mais nova.
Tendo tudo isso em mente, a reclamação de “não faz sentido trazer kanzenban e lançar simplificado” perde e muito seu poder. Um kanzenban pode ser muito mais que seu offset original, que suas novas capas, que seus extras e páginas coloridas, pode ser uma história significativamente diferente e melhorada. Sinceramente, gostaria de ver mais “meio-kanzenbans” ou volumes “BASEADOS” neles, especialmente quando se trata de um pedido do autor.
Por último, vale a pena fazer um adendo que existem várias versões de vários nomes diferentes no Japão, um número considerável delas se tratam apenas de reorganização e relançamento, sem de fato alterações ou inclusões. Dentre elas, as que possuem mais alterações são as Shinsouban (como Sailor Moon, Kimba e Negima), Kanzenban (como CdZ e Slam Dunk) e Aizouban (ainda inédito no Brasil). Conheça mais sobre elas aqui.
E esse foi o Desmistificando de hoje, a coluna semanal, lançada nas quintas-feiras, sobre o mercado e mangás brasileiros e internacionais. Você pode ver todas as outras postagens anteriores desta coluna aqui. Se você tem sugestões ou comentários utilize o formulário abaixo, são sempre bem-vindos! 🙂
Cara eu acho que aqui no Brazil a grande questão a ser discutida não é nem a qualidade do Kanzenban que concerteza é excelente e meréce o valor cobrado nele,mais sim se o Brasileiro é capaz ou não de pagar o valor cobrado,estamos vivendo uma crise economica com mais de 15 milhões de desempregados.não tiro o mérito do Kanzenban mais sera que esse realmente éra o momento de lançar um produto tão encarecido em um pais com uma situação economica tão dificil quanto a nossa.
Na verdade, por mais irônico que possa ser, fazer produtos mais caros e exclusivos em momentos de crise é uma saída comum para as empresas. Exatamente por ser um produto de quantidade mais limitada e apenas depender de uma faixa menor de clientes de classe mais alta.
Por outro lado, lançar coisas mais baratas e em grandes quantidades requer uma quantidade maior de clientes, e aí sim 15 milhões de desempregados dói.
A chave da questão é: que classes sociais estão sofrendo com a crise? Que classes e parcela da população está mais estável. O mais “inteligente” seria focar nessa parcela mais estável. Nessas horas não dá para analisar números crus. Há várias faixas de trabalhadores que não foram afetados ou que foram beneficiados pela crise. Pessoal de concurso público de emprego vitalício não sofreu nada. Várias áreas tecnológicas estão aproveitando o Real baixo e ganhando muito com venda internacional. A sacada é conseguir atingir e produzir algo que essas pessoas querem.
Pensa assim, você pode ser uma empresa de carros e produzir milhões de Gols e ganhar um lucro X, ou produzir 10 Jaguars e ganhar o mesmo valor. Vender mais não significa ganhar mais, são estratégias diferentes.
É claro que para o leitor, que foi afetado pela crise e gostaria de poder consumir aquilo, fica a impressão de injustiça. Mas nem sempre o produto foi pensado para o seu perfil. :/
Muito Bacana a matéria !
Tive a oportunidade de ver o Kanzenban dos CDZ e tenho que afirmar que a edição está um luxo que nunca vi em nenhum mangá nem da Conrad.
Acho que o preço está válido pelo acabamento que tem o produto.
Tá tão bom assin mesmo?Estou pensando seriamente em comprar o primeiro volume…
Eu só vi por cima, mas parecia bem feito, cosmeticamente estava lindo.
Esse trecho
“Tendo isso em mente, qual de fato é a diferença física entre tankoubons e kanzenbans? Kanzenbans são publicados em papel offset, formato bem maior (A5) com mais páginas que o original”
o formato maior não seria B5? A5 é pequeno
e já perguntando sobre isso, qual o tamanho das revistas ondem as histórias são lançadas originalmente? tem algum padrão?
Bruno, não foi a intenção parecer que A5 é um formato enorme. A5 é 148 x 210 mm, tankoubons são geralmente 10-13 x 15-19 mm, vai depender da editora. Foi mesmo um exagero da minha parte.
Existe coisas maiores que kanzenbans, como os B5 (176 x 259 mm) utilizados em alguns relançamentos, nos Mooks (versões enormes e econômicas e em várias revistas, grandíssima maioria.
Ah sim, entendi
Muito legal a matéria! Parabéns!