Resenha: A Menina do Outro Lado (volume 1)

Quando o medo se torna grande demais, erros acabam sendo cometidos

O ano era 2012. Nascia no Rio de Janeiro uma editora de livros que rapidamente se tornaria conhecida por seu estilo de publicação (predominantemente obras de terror e fantasia) e pelo bom acabamento dado a suas obras. Essa editora era a Darkside Books. Em 2017, a empresa começou a publicar quadrinhos e, dentre eles, um mangá apareceu, Fragmentos do Horror, de Junji Ito, que pareceu agradar os consumidores.

No ano seguinte, a editora anunciou a publicação de outro mangá, The Girl From The Other Side (totsukuni no Shoujo) ou como foi chamado no Brasil, A Menina do Outro Lado.

Capa brasileira. Foto: Dark Side Books

De autoria de Nagabe, A Menina do Outro Lado começou a ser publicado no Japão em 2015 pela editora Mag Garden (a mesma empresa que publica The Ancient Magus Bride, Aria e Amanchu!, dentre outras obras) e o título logo chamou a atenção por sua temática interessante ao levantar diversas questões bastante em voga, como preconceito e aceitação, por meio de uma fantasia com toques de mistério e suspense.

Por conta disso, não tardou para a obra ser licenciada em diversos países ocidentais menos de dois anos depois de iniciado no Japão. Nos Estados Unidos, por exemplo, começou a sair logo em janeiro de 2017, na França em março do mesmo ano, na Polônia em abril, enquanto na Espanha e na Alemanha em outubro também de 2017. Dos grandes mercados de mangás ocidentais, apenas na Itália a obra demorou um pouco mais, começando a sair apenas em janeiro de 2019.

No Brasil, como dito, a editora Darkside Books anunciou o licenciamento da obra em 2018, mas o primeiro volume foi publicado apenas agora, no final de fevereiro de 2019. Lemos esse volume inicial e viemos falar um pouquinho desse título para vocês.

  • Sinopse Oficial

Em um país dividido entre pessoas normais e seres amaldiçoados, Shiva é uma menininha que foi acolhida por uma estranha criatura meio animal e meio humana. Sensei, como é chamado, não pode ser tocado e vive fora da cidade. Afastado do convívio com os demais e ciente dos perigos e maldições que os rodeiam, Sensei alerta Shiva para que ela não saia sozinha. Porém, quando a menininha decide reencontrar sua tia desaparecida, regras são quebradas — e a vida que eles conheciam é colocada em risco. A Menina do Outro Lado é uma fábula sobre a criação do afeto e o amor entre duas criaturas tão diferentes, mas com muito a compartilhar. Uma trama atual sobre a condição do diferente e da falta de aceitação. Sobre largar seus medos e enfrentar a vida com um novo olhar. 

  • História e desenvolvimento

Shiva é uma menininha que ainda não sabe ler; Sensei é um ser que parece ter um corpo parecido com um humano, mas com um rosto animalesco. Os dois convivem juntos em uma floresta, com a garota esperando o retorno de sua tia, enquanto o monstro deseja proteger a menininha de tudo e todos.

O clima da história é bastante leve e durante uma boa parte do mangá acompanhamos apenas Shiva e Sensei se divertindo, seja com uma festa do chá, seja com qualquer outra coisa que os faça passar o tempo. A obra nos apresenta a garota com toda a inocência característica das crianças, com ela afeiçoada ao Sensei e desejando sempre o melhor para ele, mesmo ele tendo uma aparência que causa medo e repulsa nos adultos. Do mesmo modo, o “forasteiro” também parece gostar muito dela, ao ponto de não conseguir ver ela sofrer, chegando até mesmo a mentir em uma certa situação.

Festa do chá. Foto; Blog BBM

Os dois vivem realmente com bastante afeto um pelo outro, mas em meio ao clima em que aparenta calma e tranquilidade, uma história mais densa e sombria vai sendo contada. No mundo em que estão existe uma separação entre dois locais, o “lado de dentro” e o “lado de fora”. Em um, vivem as pessoas, em outro vivem os forasteiros, seres iguais ao Sensei. Segundo se conta, o contato com esses seres amaldiçoará os humanos (Shiva, inclusive, é proibida de tocar no Sensei para não ser amaldiçoada), o que traz bastante medo nas pessoas. Contudo, como esses seres estão confinados no “lado de fora” bastava aos humanos não irem àquele local que ficariam bem. Ou era isso que se pensava.

O desenvolvimento nesse primeiro tomo é muito bom, mostrando aos poucos certos acontecimentos e deixando em suspense algumas coisas para irmos montando o quebra cabeças sobre o que está verdadeiramente acontecendo naquele mundo. Quem são os forasteiros? E qual a verdadeira natureza da maldição? Ainda não temos respostas nesse tomo inicial, apenas sabemos que o humano amaldiçoado poderia ser transformado em um “forasteiro”.

O mangá também vai apresentando de forma bem realista, o medo e as angústias dos seres humanos. Embora os forasteiros sejam os responsáveis pela maldição (ou até o momento da história é isso o que nos fazem acreditar), ela estava se manifestando em pessoas comuns, que estão “do lado de  dentro”, sem o aparente contato com eles.

Sensei vendo cadáveres que foram trazidos para o “lado de fora”. Foto: Blog BBM

Por que isso estava acontecendo? Qual o jeito de evitar? A obra nos mostra claramente como a irracionalidade toma conta das pessoas, quando o temor de que algo aconteça com elas se alastra. A falta de informação faz os humanos cometerem atrocidades sob a justificativa de estarem se protegendo, chegando ao cúmulo de assassinarem ou mandarem assassinar pessoas, apenas movidas pelo medo.

O temor em sua essência. foto: Blog BBM

A narrativa de A Menina do Outro Lado mostra como esse medo pode ser sem sentido e ocasionar situações grotescas, como a tentativa de assassinato de uma simples garotinha. O final do volume, porém, ainda possui um cliffhanger interessante que deverá ditar os rumos dos próximos tomos, mostrando que Shiva pode ser especial de alguma forma, ou que a concepção das pessoas e dos forasteiros sobre a maldição pode estar errada.

O volume inicial de A Menina do Outro Lado nos apresenta duas realidades distintas, a do afeto e do amor (a relação entre Shiva e Sensei) e a do medo e do ódio (as pessoas apavoradas pela maldição), que juntas  formam uma história bastante simpática e que nos instiga a saber mais sobre o funcionamento daquele mundo e a pensar o que faríamos neste ou naquele ambiente. Sem dúvidas é um mangá muito bom.

O afeto x O medo

-O que você pode não gostar

A Menina do Outro Lado é um bom mangá, apresentando um clima interessante e uma história instigante, mas isso não quer dizer que agradará todo mundo. Embora existam algumas cenas de ação, como a caçada à menininha, a obra pode parecer bastante parada em muitos momentos, de modo que você tem que estar ciente de que ela não é um mangá de ação e aventura. Ela é uma fantasia com toques de mistério e o desenvolvimento é lento e gradual.

  • A edição nacional

A edição brasileira de A Menina do Outro Lado foi publicada no formato 14 x 21 cm, com miolo em papel offset e capa dura. O preço é R$ 54,90. É uma edição muito bem feita em que você pode abrir o mangá confortavelmente e lê-lo sem o menor desconforto. O mangá possui um acabamento realmente impecável e vale cada centavo cobrado.

Quem comprar pela loja da editora ainda recebe dois pôsteres enormes de brinde. Não lembro de ter visto pôsteres tão grandes em nenhuma publicação nacional de mangás. Os brindes, porém, são limitados, então quando  acabar, já era.

Em relação ao texto, ele está bem adaptado sem entraves “japonesístico” (não há honoríficos e nem palavras japonesas que necessitem de explicações), além de estar bem fluído, permitindo uma leitura dinâmica e prazerosa. Vale enfatizar isso: a obra tem um estilo que tende a abarcar tanto leitores acostumados a ler mangás, quanto novatos, pois em toda a obra – tirando o sentido de leitura – não há elementos que dificultem a apreensão do mangá por um não iniciado na cultura japonesa. O único termo em japonês, por exemplo, é o nome do protagonista e você não precisa saber o que ele significa para compreender a história.

Outro ponto a se mencionar e que ajuda nessa apreensão é que esse mangá não possui onomatopeias no original. Os poucos sons são representados dentro dos balões, como você pode ver no primeiro capítulo em japonês, disponível no site da Mag Garden. Assim, a versão brasileira fez igual, traduzindo os sons para o nosso idioma e mantendo-os dentro dos balões como na versão original.

Por fim, ainda sobre o texto, também é importante dizer que não encontrei erros de revisão. Então, nesse aspecto, a edição brasileira também está muito boa.

  • Conclusão

A Menina do Outro Lado é uma história de fantasia que de modo até bastante claro discute como o medo do desconhecido é capaz de gerar preconceitos diversos, ocasionando até mesmo crueldades como o assassinato de pessoas inocentes.

A obra é um achado interessante que mostra como uma história aparentemente banal tem muita coisa para dizer. É evidente, porém, que A Menina do Outro Lado não é para qualquer um. Se o clima da obra pode agradar bastante quem está querendo uma história menos convencional, o mesmo clima pode afastar quem deseja um título mais de ação.

Além disso, o preço, embora nos pareça justo, é alto demais para boa parte do público leitor o que afastará muita gente logo de cara. Ainda assim, é uma história que vale a pena ser lida e todos que tiverem a oportunidade de adquirir deveriam fazê-lo^^.

  • Ficha Técnica

Título: A Menina do Outro Lado
Autor: Nagabe
Tradutor: Renata Garcia
Editora: Darkside Books
Número de volumes no Japão até o momento: 7 (ainda em publicação)
Número de volumes no Brasil até o momento: 1 (ainda em publicação)
Dimensões: 14 x 21 cm
Miolo: Papel offset
Acabamento: Capa dura, miolo costurado
Classificação indicativa: Não há
Preço: R$ 54,90
Onde comprarAmazon / Livraria da Travessa / Loja Darkside Books


ESTA RESENHA FOI FEITA A PARTIR DE UM EXEMPLAR CEDIDO A NÓS PELA EDITORA DARKSIDE BOOKS, A QUEM AGRADECEMOS IMENSAMENTE.


3 Comments

  • Bárbara

    Olá. O mangá está lindo mesmo! Mas essa faixa branca me incomodou um pouco kkk essa faixa é para jogar fora?

  • Mateus Yuri Passos

    Comprei e adorei o mangá, mas sinceramente pelo preço esperava um offwhite bacaninha como Munken ou Pólen…

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