Um andarilho que tinha sempre algo na boca…
No dia 1º de fevereiro de 2023, a editora Pipoca & Nanquim anunciava o lançamento do mangá Kogarashi Monjirou: O Prenúncio do Inverno. Era o primeiro mangá inédito de Goseki Kojima (um dos responsáveis por Lobo Solitário) em muito tempo no Brasil…
A obra, na verdade, nasceu originalmente como uma série de romances escrita por Saho Sasazawa entre 1971 e 1978, contando diversas histórias do protagonista de mesmo nome. A adaptação em mangá pelas mãos de Goseki Kojima se deu em 1972, com quatro contos, todos publicados ne revista Manga Tengoku, da editora Geibunsha.
A versão brasileira compila todos os quatro contos, em uma edição com sobrecapa, diversas páginas coloridas e um papel de excelente qualidade…
- Conhecendo o personagem…
O mangá se passa no Japão, na década de 1830 e o protagonista do mangá é chamado justamente de Kogarashi Monjirou. Ele é um andarilho solitário, uma tipo de pessoa que tinha um estilo de vida itinerante, que ia de lugar em lugar e prestava pequenos serviços, trabalhava em jogos de apostas, dentre outras coisas. Era algo mal visto ou questionável na época da história, em razão de pessoas assim não terem um lugar ou um emprego fixo.
Monjirou tinha como imagem recorrente estar sempre estar com um chapéu e um pedaço da bambu na boca, sendo bastante conhecido entre seus pares. Como andarilho, era forte e hábil com a espada, de modo que conseguia enfrentar diversos problemas sem muito esforço, destruindo seus adversários sem dó, nem piedade, mas isso só quando é necessário e por algum bom motivo…
- História de um mundo em que as pessoas estão morrendo de fome
Como comentado mais acima, a história se passa na década de 1830 e embora os contos sejam independentes entre si (você pode ler em qualquer ordem que não afetará em nada), alguns deles apresentam características em comum, determinantes de uma época, a época em que se passa a história, uma época em que houve muita fome no Japão.
Os dois primeiros contos apresentam exatamente esse background em comum, que é a presença da fome, mas cada um de uma maneira distinta. Em um mostra como um grupo de humanos condenados por algum crime precisam sobreviver na miséria em uma terra distante e em outro mostra a existência da fome por ela mesma, em todo o Japão, e os problemas advindos disso.
Na verdade, todo mangá está envolto nesse aspecto, pois o passado do protagonista – citado uma ou duas vezes – tem a questão da fome como ponto central. Segundo o mangá, nessa época, era comum que as famílias matassem os recém nascidos apenas para não terem uma boca a mais para alimentar. O protagonista seria mais um desses mortos, mas acabou sendo salvo, viveu, cresceu e se tornou um andarilho.
Por se passar no século XIX, o mangá apresenta muito do contexto da época e que vai além da questão da fome, mostrando diversos tipos de violência, como um marido espancando a esposa, bandidos estuprando mulheres, confrontos de vida e morte, entre outros. E é nesse ínterim que também se encontra o nosso andarilho protagonista, pois embora seja tratado como alguém “que não é direito”, ele preza pela justiça e está sempre indo de encontro a toda forma de violência aos mais fracos…
Desenvolvimento e opiniões
Como dissemos, quatro contos presentes no mangá são totalmente independentes entre si. Ou seja, eles não têm uma continuidade, então a gente não lê uma grande história nesse mangá, a gente a lê pequenas histórias envolvendo um mesmo personagem, de uma maneira semelhante a O Novo Preço da Desonra, também lançado pela Pipoca & Nanquim tempos atrás.
Os dois mangás têm em comum personagens que passam a vida andando, que são super fortes e excelentes nos combates, e que prezam também pela justiça, buscando a paz se for possível (i.e: evitando lutas desnecessárias);
Mas se em O Novo Preço da Desonra a gente tem um cobrador de promissórias e, por meio dele, vemos diversas histórias que se iniciam a partir de um determinado assunto em comum, aqui em Kogarashi Monjirou, a gente tem apenas um andarilho mesmo, mostrando uma época específica (com seus problemas sociais) e por meio das interações dele vemos as histórias acontecerem, com envolvimento direto ou indireto…
Sim, pois, algumas das histórias possuem ele como um encaixe total na trama, sabendo o nosso herói ou não disso. Em outras, o andarilho conhece alguém e por meio desse alguém ele se envolve em alguma coisa e acaba precisando agir para corrigir um mal estar e proteger as pessoas de bandidos.
Falando um pouco mais do protagonista e ainda comparando com O Novo Preço da Desonra: no mangá de Hiroshi Hirata, a gente consegue entender de primeira as motivações do personagem principal e como é o seu serviço e o seu modo de vida, sendo uma pessoa íntegra, de caráter e que só faz o que seu trabalho manda. Em Kogarashi Monjirou, porém, a gente não tem um “quadrado” definido para colocar o protagonista. Ele é só um andarilho e só o que sabemos – a princípio – é que ele não é um bandido. Daí que apesar de cada conto ser independente e não precisarmos ler em ordem, talvez seja necessário ler todo o mangá para ter uma visão mais assertiva do protagonista.
Isso não chega a ser algo ruim, na verdade. Acaba fazendo sentido com o tipo de personagem que ele é, um andarilho, alguém desconhecido que aparece em um lugar e depois vai embora. Por outro lado, isso também passa a sensação de que começamos a obra do “meio” e que poderia ter mais coisas sobre o personagem. E considerando que a série original de livros continuou após o fim do mangá, devem existir mesmo outras histórias envolvendo o personagem e que enriqueceriam mais o nosso conhecimento sobre sua vida…
A bem da verdade, nas duas obras lançadas pela Pipoca & Nanquim, os personagens são definidos por suas profissões. Ocorre que em O Novo Preço da Desonra, isso desponta mais, colocando o personagem não como uma pessoa e sim como uma característica, enquanto em Kogarashi Monjirou, a gente percebe um pouco mais da individualidade do personagem e isso se mostra bastante pela sua passionalidade e o seu instinto de vingança para quem fez mal a ele. Sim, pois, se ele é um personagem bom e que preza pela paz, ele também não deixa de oferecer uma retaliação a quem lhe faz algum dano ou trai a sua confiança.
Falando das histórias, todas as quatro são muito bem escritas e apresentam tramas com um desenvolvimento excelente, não tendo uma que eu não tenha considerado boa. Todas apresentam um background intenso que serve como motor para determinados fatos e acontecimentos. A questão da fome nos capítulos um e dois, por exemplo, ocasiona muitas mortes (direta ou indiretamente) e levam as histórias para um segundo momento de tensão, momento este em que acontecerão os combates, as lutas, etc.
Todos os capítulos possuem tramas que não se focam exatamente em lutas. Elas apresentam questões sociais, acidentes, violência, dentre outras coisas, e isso leva para a parte do clímax em que haverá lutas, mas essa é uma parte menor, tanto pelo protagonista ser muito forte, quanto porque as questões envolvendo as histórias terminam por levar a um combate mais rápido.
Particularmente, costumo deixar passar esses mangás “de espada”, pois não é muito do meu agrado ver esse tipo de história, mas Kogarashi Monjirou acabou sendo mais um exemplo de que devemos estar abertos a todos os tipos de leitura, pois podemos encontrar muitas pérolas perdidas como esse mangá^^.
Para terminar, vale dizer que é importante ler os paratextos do mangá para poder entender um pouco mais do mundo representado no mangá. A editora colocou um glossário e uma contextualização histórica ao final do título, o que torna tudo muito mais amplo e fácil de entender…
Este texto só foi possível graças a um exemplar cedido a nós pela editora Pipoca & Nanquim, a quem agradecemos a parceria.
Ficha Técnica
Título Original: 木枯らし紋次郎
Título: Kogarashi Monjirou: O Prenúncio do Inverno
Autor: Goseki Kojima
Tradutor: Drik Sada
Editora: Pipoca & Nanquim
Número de volumes no Japão: 1 (completo)
Número de volumes no Brasil: 1 (completo)
Dimensões: 15 x 22 cm
Miolo: Papel Pólen Bold 90g
Acabamento: Capa cartão com sobrecapa
Páginas: 340
Classificação indicativa: 18 anos
Preço: R$ 89,90
Onde comprar: Amazon
Sinopse: Com um grande chapéu, vestes surradas e portando uma espada numa bainha cor de ferrugem, Monjirou é um toseinin, um andarilho solitário sem casa e sem ocupação. Como homem de um povo oprimido pela pobreza e pela fome, ele testemunha a formação de um submundo no Japão do final do Período Edo (1603–1867), e passa a combater os abusos dos déspotas e cruéis, a despeito de seu desejo de passar alheio às injustiças. O som que vaza por entre seus lábios e o palito que sempre carrega na boca soa como o vento gelado passando pela fresta da porta, o que lhe rende a alcunha de “kogarashi”, que nada mais é do que o “vento do fim de outono que prenuncia o inverno”. Originalmente escrita pelo romancista japonês Saho Sasazawa (pseudônimo de Masaru Sasazawa, 1930 – 2002) e publicada em capítulos mensais na revista Shousetsu Gendai (especializada em romances de época, os jidaigeki, da editora Kodansha) entre 1971 e 1978, a novela Kogarashi Monjirou fez tanto sucesso que ganhou uma longa série televisiva em 1972, um filme em 1993 e especiais para a TV em 1990 e 2009. Com um protagonista cativante e tramas que unem o retrato de um período histórico ao suspense e mistério, essas obras do audiovisual se tornaram referência e ditaram moda nas telas japonesas na década de 1970. Em 1972, o personagem chegou aos mangás por meio dos traços expressivos de Goseki Kojima (1928– 2000), consagrado autor de gekigás (mangás com tramas realistas voltadas para adultos) já muito querido pelo público brasileiro, famoso por ser cocriador das séries Lobo Solitário e Samurai Executor!
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UMA COISA INTERESSANTE É QUE A EDIÇÃO BRASILEIRA POSSUI UM CAPÍTULO A MAIS QUE A EDIÇÃO JAPONESA, COMO DITO NO VÍDEO DO MANGÁ NO CANAL DELES, ESTAVA PERDIDO E EM VÁRIA REEDIÇÕES NO JAPÃO A OBRA SÓ TEM 3 CAPÍTULOS.
Muito interessante, bacana ver essa parceria do Blog com a Pipoca e Nanquim. Só não entendi uma coisa… A sinopse que consta na página do mangá, aqui no Blog, é a oficial mesmo? Por causa da sinopse, tivesse a impressão
de que esse mangá fosse ser uma história “fechada” de vingança e tal
Aquela parte “assumir a responsabilidade por um assassinato que seu amigo cometeu” é a sinopse de só um capítulo?
É só a sinopse de um capítulo mesmo, no caso o primeiro capítulo do mangá.
Ela era a única sinopse que se tinha da obra até ela ser licenciada no Brasil, pois o mangá não tinha saído em lugar nenhum do ocidente. E, salvo engano, só se tinha essa sinopse, pois esse conto foi adaptado em filme.
Caraca, sensacional então. Se essa é a sinopse de só um cap, os outros 3 devem ser sensa. Vlw dms 👊