Resenha: “O Diário do Meu Pai”

Um dos mais brilhantes Jiro Taniguchi

Jiro Taniguchi é um autor que, em certo sentido, se tornou popular de uns anos para cá no Brasil. Renomado mundialmente, sua obra não “pegou” no Brasil em sua primeira passagem (entre 2006 e 2009), com títulos saindo pela Panini (O Livro do Vento e Seton) e Conrad (Gourmet), mas sem uma continuidade posterior (Seton mesmo só saiu um dos quatro volumes).

Eram outros tempos. O mercado mudou, novas editoras chegaram ao meio dos mangás, e títulos do autor começaram a aparecer mais e constantemente. Daí que aprendemos a ver diversas facetas do autor e apreender suas temáticas e estilos.

De nossa parte, o que mais nos agradou foi o estilo contemplativo que apreciamos em títulos como Gourmet, O Homem que Passeia e Guardiões do Louvre, no qual nos deslumbramos com pequenos momentos simples, que nos mostram um espetáculo de harmonia e paz interior (com uma obra arte ou um alimento ou uma caminhada pelo bairro, etc).

Entretanto, a faceta dramática de Jiro Taniguchi, de obras como Um Bairro Distante e (do inédito no Brasil) Terra de Sonhos, também muito nos apeteceu, mostrando que o roteirista dos títulos calmos também sabe fazer muito bem obras catárticas que podem nos fazer chorar.

O mangá O Diário do Meu Pai, publicado recentemente pela editora Pipoca & Nanquim, faz parte dessa linha dos títulos dramáticos e vem para consolidar o autor como um dos nossos mais queridos atualmente, apresentando uma história de família, ao mesmo tempo simples e complexa… É desse título que falaremos hoje.

O Diário do Meu Pai foi publicado originalmente no Japão entre abril e setembro de 1994 na revista Big Comic, da editora Shogakukan, tendo seus capítulos compilados em um único volume. Lançado em diversos países ao redor do mundo (incluindo Portugal, onde saiu em português pela primeira vez), o mangá foi ganhador de diversos prêmios e se consolidou como um dos títulos mais importantes do autor.

No Brasil, o mangá foi anunciado pela editora Pipoca & Nanquim no dia 8 de fevereiro de 2024, por meio de uma live para o Fora do Plástico, e o lançamento se deu entre o final de março e início de abril. Ele veio no mesmo padrão da editora (capa cartão com sobrecapa, papel Pólen Bold 90g, miolo colado e costurado, tamanho 15 x 22 cm), com um acabamento primoroso de sempre. Foram 282 páginas ao todo, e o preço foi R$ 85,90.

O protagonista do mangá se chama Yoichi Yamashita e ele é um trabalhador comum de Tóquio, mas natural da província de Tottori. Ele se mudou para poder estudar e, desde então, praticamente não voltou mais para a sua terra natal, mantendo-se completamente afastado de suas origens e de sua família.

A obra começa quando Yoichi recebe a informação do falecimento de seu pai e ele deve ir para a cidade para o velório e demais cerimônias fúnebres. Logo, a gente descobre que o rapaz guarda um certo rancor do pai, culpando-o pela separação dele com a mãe, que ocorrera quando ele ainda era uma criança. A ida ao funeral servirá para mostrar para Yoichi quem era de verdade o seu pai…

Apesar de se chamar O Diário do Meu Pai, o mangá não apresenta de fato um “diário” como peça fundamental da história. O nome se dá porque o protagonista ouvirá histórias que nunca tinha escutado, versões que não havia considerado, do mesmo jeito que se descobre ao ler o diário de alguém.

A obra, então, se passa praticamente por inteiro na noite do velório do Senhor Yamashita, com pessoas visitando o falecido e diversas histórias sendo contadas a respeito dele. Assim, toda a trama se baseia exatamente no modo como Yoichi via o seu pai (e suas atitudes advindas disso) e a real figura dele, seus pensamentos, suas ações, as ações de outras pessoas, etc.

A obra tem o mesmo estilo intimista de títulos como Um Bairro Distante, mostrando sentimentos e questões familiares um tanto complexas de uma determinada época do Japão e nos fazendo conhecer histórias comuns que poderiam acontecer com qualquer pessoa.

A cada página, a cada capítulo, vamos sendo inseridos em um mundinho particular e tomando notas de diversos acontecimentos e pontos de vistas diferentes, que ocasionaram uma sucessão de outros acontecimentos.

O autor coloca em foco que nossas atitudes e nossas relações interpessoais precisam estar calcadas no diálogo contínuo e na busca de entender as outras pessoas e descobrir o que não se conhece. A história por inteiro é exatamente isso, com o autor o tempo todo nos mostrando que o que sabemos da vida e das pessoas pode ser pueril, distorcido ou reproduzido a partir de um engano ou de uma falta de conhecimento.

Toda essa mensagem é colocada na obra por meio da emoção. Sim, O Diário do Meu Pai é um mangá emotivo, apresentando os dramas familiares ocasionados por razões diversas, algumas inclusive por coisas inesperadas e fora do controle.

Uma dessas coisas inesperadas acontece no capítulo 3, onde a gente é apresentado a um grande incêndio em Tottori que mudou os rumos do casamento dos pais do protagonista. O drama desse capítulo, por si só, é de encher os olhos de lágrimas ao ver os personagens perdendo tudo de uma hora para outra e se vendo ao relento, mas fica pior ao vermos as coisas que se sucederam, tudo gerado pelo grande baque que foi a perda de tudo.

Essa emoção – vale dizer – acaba sendo mais exacerbada por conta do momento em que o Brasil está vivendo, com a catástrofe no Rio Grande do Sul. A situação relatada na obra é bem diferente, mas a questão da tragédia é muito similar, com uma coisa acontecendo do nada e as pessoas perdendo tudo e tendo que fugir às pressas. Assim é fácil vermos como o mangá apresenta algo muito real, muito palpável e identificável, algo que muda tudo para quem foi atingido.

É difícil ler esse mangá sem chorar algumas vezes, pois ele meio que mostra para a gente algumas atitudes e pensamentos que todos nós temos em algum momento, mesmo que a nossa relação familiar seja saudável. Na verdade, ele coloca na gente um sentimento de indagação a respeito de nós mesmos, do nosso presente, do nosso passado e, porque não?, do nosso futuro.

Sim, pois, O Diário do Meu Pai é um mangá que, a depender do momento da vida em que você o leia, pode significar que você ainda tenha tempo para não repetir o protagonista (e evitar um futuro ruim) ou só poder se lamentar como o Yoichi.

Claro, relações familiares são complexas por natureza e inúmeras variáveis existem (existem pessoas ruins de verdade e que fazem a vida dos outros um inferno apenas “porque sim”), mas o que esse mangá quer nos mostrar é que algumas vezes o problema pode ser a nossa falta de aptidão para a compreensão dos outros, para entender as pessoas e as situações que acontecem com a gente.

Assim, o mangá entrega uma história aparentemente simples, mas bem tensa, dramática e que coloca a gente para pensar sobre tudo um pouco, sobre a vida, nossa família, tudo o que já aconteceu, etc, etc, etc.

O Diário do Meu Pai é um mangá excepcional e, a bem da verdade, esta resenha dificilmente conseguiria demonstrar toda a sua grandeza. O tanto de sensações e sentimentos que a obra passa não dá para descrever em palavras e frases concatenadas, pois elas acabariam misturadas de um jeito ininteligível.

O que a gente pode dizer, com certeza, é que se essa resenha fez você se interessar pela obra, saiba que ela é bem melhor do que eu conseguir demonstrar.

Isso não quer dizer, entretanto, que todo mundo vá gostar. Eu acho que O Diário do Meu Pai é uma obra para pessoas um pouco mais adultas. Não digo que adolescentes  e jovens não vão conseguir compreender adequadamente, mas acho que é mais fácil para pessoas da segunda metade dos vinte anos para cima, pois é preciso ter passado por algumas coisas na vida para entender melhor os sentimentos e os conflitos representados no mangá.

De todo modo, é um título que eu recomendo para todo mundo que tiver a oportunidade, pois é um dos melhores (talvez o melhor) mangás de Jiro Taniguchi lançados no Brasil.

Essa resenha foi feita a partir de um exemplar cedido a nós pela editora Pipoca & Nanquim, a quem agradecemos a parceria. As nossas opiniões sobre a obra independem disso.


Ficha Técnica


Título Original: 父の暦
Título: O Diário do Meu Pai
Autor
: Jiro Taniguchi
Tradutor: Drik Sada
Editora: Pipoca & Nanquim
Número de volumes no Japão: 1 (completo)
Número de volumes no Brasil: 1 (completo)
Dimensões: 15 x 22 cm
Miolo: Papel Pólen Bold 90g
Acabamento: Capa cartão com sobrecapa
Páginas: 282
Classificação indicativa: não divulgado
Preço: R$ 85,90
Onde comprar: Amazon

SinopseYoichi Yamashita se distanciou do próprio pai. Absorvido pelo trabalho e remoendo o rancor de memórias turvas, ele não o visita há mais de uma década e guarda poucas lembranças boas sobre a convivência entre eles. Por isso, quando recebe a notícia da morte do pai pelo telefone e se vê obrigado a viajar para Tottori, sua terra natal, para o velório, Yoichi não sabe muito bem como se sentir… nem o que esperar. Mas, conversando com familiares e pessoas que o conheceram, ele aos poucos descobre um homem totalmente diferente do que se lembrava. À medida que rememora imagens de um incêndio que devastou a cidade, uma difícil separação e a chegada de uma nova “mãe”, aquele que antes lhe parecera somente uma figura paterna ausente e fria começa a se tornar um personagem mais complexo.


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1 Comment

  • Anônimo

    Mais um que vai pra minha lista de desejos, aquele quadro mostrando a cidade devastada é muito pesado principalmente pra mim que sou aqui do RS, não fui atingido pelas enchentes mas muitas pessoas da minha cidade e das cidades em volta foram e com certeza é muito triste ver tudo que você batalhou pra conquistar ser destruído de uma hora pra outra.

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