O retorno ao Brasil do autor de 「Gantz」.
「Inuyashiki」 é um mangá que confesso não esperava sair no Brasil, pois trata-se de um seinen mais maduro e nem no Japão foi um sucesso tão grande assim. Sua vinda deve ser apenas uma soma entre o hype de 「Gantz」 do mesmo autor (que continua até os dias de hoje, com filmes e outros produtos sendo lançados periodicamente) e o futuro anime da série.
E quando digo que é mais “maduro”, não estou fazendo referência ao teor de violência gratuita e assassinatos por prazer, aos massacres em massa ou criminalidade presentes. O “maduro” na verdade vem do próprio protagonista e sua personalidade.
Veja bem, não é puro acaso que a avassaladora maioria dos mangás são protagonizados por adolescentes e jovens adultos. Umas das formas mais fáceis de fazer o leitor se envolver com o personagem é passar pelas mesmas experiências. Um personagem lidando com estudos, amores, amigos e pais é muito mais fácil de se identificar para um adolescente do que com um personagem lidando com a crise dos 30, batalhando para pagar suas contas e preocupado com a criação dos filhos.
Pois Inuyashiki é exatamente um personagem adulto, já nos seus 58 anos (mas com aparência de 80), um típico salaryman que trabalha para sustentar a família num emprego que não lhe traz qualquer satisfação e onde é apenas mais um. Sua família não lhe valoriza ou demonstra afeição, tanto sua esposa, quanto os dois filhos, uma moça no colegial e um menino no fundamental. Em meio a toda essa existência sem graça, Inuyashiki ainda lida com seu senso de impotência frente a tudo isso e aos problemas do mundo, tendo que virar os olhos e fingir não ver os abusos, crimes e injustiças que acontecem por todos os lados. A cereja do bolo vem quando vai ao hospital e descobre que tem câncer em estado avançado.
Note que para um adolescente essa é uma história totalmente alienígena, desconecta de sua realidade. E de fato essa não é uma história para ele. O público disso são pessoas mais próximas dos 30, que lidam com empregos frustrantes, injustiças diárias, filhos e problemas familiares. Isso não significa necessariamente que alguém mais jovem não seja capaz de apreciar partes das histórias, até porque os filhos e outros personagens colegiais também são explorados. Só que mesmo assim, é inegável a maturidade necessária para aproveitar 100% da leitura.
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Continuando com a história, numa crise dessas, o cansado Inuyashiki se vê sozinho, sem perspectiva de futuro. Ele acaba indo dar um passeio no parque para pensar quando “algo” o atinge e ele morre. Fim. Ou quase. Uma nave espacial literalmente atropelou o homem e um adolescente que estava próximo, Hiro Shishigami. Para “esconder” seu erro os aliens recriam os dois utilizando sua tecnologia, fazendo um corpo robô pra cada usando uma base militar e transferindo suas memórias.
Agora o homem impotente sem futuro se descobre uma máquina de habilidades ilimitadas. Com essa nova vida ele agora pode corrigir as injustiças e fazer o mundo um lugar melhor. Shishigami, por outro lado, toma um rumo diferente, sem qualquer perspectiva de vida ou senso de valor e respeito pela vida e sociedade, ele passa a matar e explorar sua superioridade, um verdadeiro psicopata.
Através dessa dualidade entre literalmente o bem e o mal, o autor explora e faz uma crítica social do povo japonês em geral, tratando de coisas como bullying, cyberbullying, gangues, ataque aos sem-tetos, Yakuza, assaltos sexuais e vários outros. Por outro lado, ele também “defende” as ações do adolescente psicopata, mostrando-o como uma criação social, apenas uma criança que precisava de ajuda.
Contudo, a obra não se resume a análises e questionamentos, estamos falando do autor de 「Gantz」 afinal das contas, uma parte considerável do mangá, é pura luta entre as duas máquinas ilimitadas, com direito a cenas de explosão, assassinato em massa e sangue, muito sangue. Alguns desses embates durando dezenas de capítulos…
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Se você já leu o infame 「Gantz」, vai reconhecer imediatamente o estilo do autor, que se utiliza de bastante computação gráfica em tudo, desde a criação dos planos de fundos (com bases em fotos reais), até os robôs totalmente em aspecto 3D, criando um realismo absurdo. Nesse quesito não há o que criticar, as imagens ficam impressionantes:
Infelizmente você também vai reconhecer os problemas do autor… Como os abandonos bruscos de uma linha da história e incapacidade de lidar com mais de uma linha e personagem ao mesmo tempo. O autor passa uma dezena de capítulos falando de um, para e começa mais uma dezena do outro, causando uma confusão temporal e inevitáveis perguntas de: “O que será que o outro personagem está fazendo?”
Outro ponto “negativo”, mas que você poderia dizer que se trata de estilo, é o fato do autor não utilizar várias técnicas de criação do layout de quadros e sobreposição deles. Se você olhar os exemplos, facilmente notará que se trata de várias caixas retangulares de espaçamento mais ou menos uniforme entre si, não muito diferente do que você encontra em 「A Turma da Mônica」. Também é inegável a sua predisposição a dois tipos de cenas, a focada no rosto do personagem em zoom e a com zoom invertido, mostrando o personagem pequeno no fundo super bem feito dele. Prepare-se para ver uma chuva de rostos na mesma angulação e planos de fundo surreais.
Contudo, como comentamos, isso acaba sendo facilmente uma questão de “estilo”, embora também seja inegável que em questão de técnicas de montagem das páginas, angulação de quadros e dinâmica das páginas, esse é um autor sem destaque algum e com designs de página sem graça, ainda mais se formos comparar a autores que são uma explosão de criatividade como Araki de 「Jojo’s Bizarre Adventure」. Felizmente ele compensa com sua arte e efeitos computacionais.
Outro ponto até muito hilário é a fixação do autor em defender e propagandear 「Gantz」, sua obra polêmica. Dá para acreditar que ele se deu ao trabalho de fazer um personagem que é viciado em 「Gantz」 (dá uma olhada no quarto dele aí do lado) e fica defendendo a série na cara dura?! Olha o nível do absurdo. Nessas horas só rindo para não chorar. Isso é ainda mais estranho quando você percebe que essa sua obra saiu na 「Young Jump」 da editora Shueisha e 「Inuyashiki」 na 「Evening」 da Kodansha. Imagina a situação de uma série ficar fazendo propaganda de uma obra e revista da rival? Tenho dó do editor desse rapaz.
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『Inuyashiki』, de Hiroya Oku, é uma obra ainda em publicação na revista 「Evening」, tendo sido iniciado logo após a finalização de 「Gantz」 na outra editora em janeiro de 2014. Possui até o momento 8 volumes e está programado para ser concluído em breve com aproximadamente 10 volumes. Segundo o autor, essa “vida curta” seria devido à venda baixa da obra no Japão, que girou por volta das 100 mil cópias por volume.
Embora ainda não tenha sido adaptado para as telinhas, seu anime já está em produção e deve ser lançado ainda em outubro deste ano.
Sua publicação no Brasil se dará pela editora Panini, previsto para ser lançado em maio por aqui. Detalhes da edição não divulgados.
No Japão os volumes foram lançados com efeitos especiais na capa, similares ao volume especial de 「Assassination Classroom」 e 「Space Brothers」, como você pode ver ao lado. Além desse efeito de brilho por toda a capa, a caixa prata do título varia entre translúcida e opaca, permitindo ver o resto da imagem a depender do ângulo. Abaixo você pode conferir todas as 8 capas, nas imagens você verá esses efeitos mais fortes em algumas capas e quase inexistentes em outros, mas é uma mera questão de angulação da foto e cores que destacam o efeito. 🙂
Note que mesmo nas capas o autor faz um jogo de “branco” e “preto”, bem e mal, nas capas, com fundos claros e diurnos para Inuyashiki e escuro e noturno para seu arqui-inimigo, Shishigami.
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No fim das contas, 「Inuyashiki」 é ruim? Não, longe de ser perfeito, 「Inuyashiki」 consegue retratar bem a frustração das “pessoas de bem” que se veem presas impotentes num mundo de injustiças, fazendo críticas sociais acertadas e merecidas. Mas seria isso algo que agradaria os leitores brasileiros?
Se você quer apenas pular para as cenas de luta e carnificina típicas do autor, vai ter que esperar alguns volumes para começar esse “arco” de luta dos dois robôs. E isso pode ser algo que os fãs não estejam muito interessados.
Na minha opinião humilde, o “fracasso” de vendas (que não foi tão baixo assim) é meramente devido ao conteúdo maduro da série. Isto aqui não é um young seinen (18-24 anos) como era 「Gantz」, nem adianta comprar a série esperando por aquele tipo de material. Por outro lado, se você colecionou 「Gantz」 na época, você já está mais velho e maduro agora e 「Inuyashiki」seria exatamente a obra adequada para a sua “idade”, é como se o autor fosse acompanhando seu leitores que agora estão mais maduros.
Minha sugestão final seria tentar. Talvez a história e conteúdo te decepcione, mas a arte continua maravilhosa como sempre! 🙂
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Eu tenho quase 26 anos, o que me qualifica como o publico alvo de Inuyashiki, e achei sua analise interessante, mas só não gostei da dura crítica a Gantz, pois considero uma obra com uma criatividade absurda, tanto no roteiro como na arte. Até hoje me recordo de um vilão que conseguia assumir diversas formas, das mais bizarras e nojentas possíveis, e me senti assistindo a um filme de David Cronenberg, diretor conhecido justamente por fazer filmes com diferentes tipos de monstros. E eu acho o desenvolvimento de personagens em Gantz muito bom! A capacidade de Hiroya Oku de fazer com que nos importemos com os personagens é algo impressionante, sem contar que gosto do fato do autor mostrar toda a escrotidão do ser humano em Gantz, sem passar panos quentes, mostrando como “todos nós” somos merdas, cada um a sua maneira. E até a história de amor entre Kei Kurono e Tae Kojima consegue ser incrivelmente convincente. Concordo que Gantz peca em exageros e excessos, e que o final poderia ter sido melhor, mas nada que tire o mérito da obra. Sobre Inuyashiki, li cinco volumes até o momento, e estou gostando, achei bem diferente de Gantz, que era muito mais ação atrás de ação comparado a Inuyashiki, e estou achando isso ótimo.
Minha crítica a Gantz não tem a ver com a criatividade do autor, mas com a capacidade narrativa/textual. O autor peca principalmente por não conseguir montar a obra previamente, ele vai fazendo conforme vai saindo, sem planejamento. Isso causa as mudanças bruscas de assunto e abandonos. Para e leia Gantz de novo e análise de forma crítica não a criatividade dele, mas a organização da obra dele. Você vai ver que do nada a história vira a esquina do nada e toma uma forma super diferente absolutamente do nada. Pega o arco da namorada dele, a história muda 100% do nada, desenvolve aquilo, depois muda de novo e passa a outra forma. Novamente, a criatividade e personagem não é o ponto aqui. Ele falha em técnica narrativa, em coesão de história.
Já li Gantz inteiro, também tenho pedaços que achei muito bom. Mas isso não significa de forma alguma que é uma obra coesa, não é. Mas vale comentar que muito disso não é um reflexo do autor, mas da mídia onde ele está inserido, ao tipo de publicação de revista mensal/semanal, que é exatamente um meio que estimula a criatividade e capacidade de surpreender e completamente ignora a técnica de storytelling. Dessa forma é sempre algum muito visual e chamativo, em vez de algo bem trabalhado e gradual.
Enfim, minhas críticas ao autor não são uma forma de denigrir a criatividade dele ou capacidade de fazer coisas interessantes, mas uma crítica de que podia ser TÃO melhor, se ele tivesse mais cuidado em trabalhar a obra.
Caso interesse entender o que seria uma obra trabalhada no quesito de coesão narrativa, estamos falando de trabalhos como Harry Potter e Game of Thrones (A song of ice and fire), quando o autor tem um esqueleto de eventos e um mundo bem definido e vai trabalhando a história em cima disso, de forma que não há contradições, de que a história evolui gradualmente e somando-se, ao invés de uma história que só corre sem qualquer direção conforme o cara tá com vontade naquele dia.
P.S.: desculpa, tá tarde e consegui usar “do nada” 200 vezes em 2 linhas, rs. É o cansaço. Espero que tenha dado para entender pelo menos.
gostei da critica,
menos a parte que fala do estilo do autor
até porque eu valorizo mais a historia do que a arte (o desenho em si)
do que adianta ter uma arte extremamente linda, mas sem significado algum?
pra mim é o mesmo que um livro bem escrito, com uma historia sem graça
claro que não estou menosprezando a arte de desenhar…
basta eu dizer que o manga que mais gosto é lobo solitário com uma arte inferior a de naruto que é uma imensa bosta
Tendo a concordar com você, embora haja momentos que uma arte muito boa ainda assim consiga fazer valer a pena. Por exemplo, em matéria de estudo, se você como artista quer usar o material para estudo.
A ideia entretanto foi ponderar todas as possíveis qualidades e defeitos e deixar que o leitor decida o que ele acha. 🙂
[…] Voltando para as obras da Panini, sai no dia 23 de maio Inuyashiki, outra novidade aqui no Brasil. A série está prometida para acabar com 10 volumes e quem acompanha os capítulos da revista notam mesmo que já está se aproximando do seu clímax. Conheça mais sobre a obra aqui. […]
Análise bacana, principalmente na questão do estilo do autor. Se sair num formato bacana, entra na minha lista de compras.
ótimo mangá. Se não vier em papel jornal eu compro na certa
Apesar de curtir bastante temas voltados a um público mais adulto e cenas de luta e violência, vou acompanhar só o anime mesmo.
Em tempos de crise infelizmente temos que escolher a dedo qual obra acompanhar.
Muito boa a matéria!
Ainda bem que não é um mangá como Gantz. Dou graças à Deus que as vendas do mangá não tenham sido monstruosas, se não o autor estenderia a obra desnecessariamente com fez em Gantz. Ajin, Blame!, e em breve Inuyashiki, obras seinens da Kodansha, publicadas e licenciadas no Brasil que terminaram no vol.10.