E como o público reclama delas!
Como vários de vocês, quando eu não conheço algo, procuro opiniões e resenhas de outras pessoas para ter uma ideia do que me espera e ver se atiça aquela curiosidade que justifique o investimento. Em algumas dessas aventuras, me deparei com algumas críticas a certos light novels que me deixaram com a pulga atrás da orelha. Nelas era criticada a “repetição” de informações, não só no início ou no primeiro uso da palavra, mas repetições dentro de um mesmo capítulo ou entre capítulos de um mesmo volume. Alguns reclamando que o autor age como se fossem incapazes de lembrar qualquer coisa, como se fossem estúpidos.
O que tem de errado numa crítica dessa? O que me deixou incomodada é que houve uma confusão do que estava se criticando. A característica de repetição incessante não é daquela obra em si, mas algo típico de vários light novels. De forma comparativa, é como assistir um filme mudo e criticar que não havia som. Você tem todo o direito de não gostar de filmes sem som, mas isso define que aquela obra é ruim? Ou que você não consegue aproveitar ou julgar a obra devido à mídia que se utilizou?
Imagine, por exemplo, que um amigo assista pela primeira vez um anime, todos os 12 episódios numa tacada só. Ao perguntar o que ele achou, ele te responde: “Não aguentava mais, todo santo episódio tinha vários minutos de recapitulação, que idiotice.” Seu amigo tem todo o direito de odiar essa ferramenta, mas essa é uma crítica àquele conteúdo ou à mídia em que foi produzido? Ao anime em si ou aos animes de forma geral? É uma questão de costume?
Isso me leva a crer que de fato a maioria das pessoas que comenta dessa repetição em LN não tem muita noção do que é uma, ou muito contato e realmente espera ler um livro “normal”, como um Harry Potter da vida. É claro que não é “culpa” deles, vejam quantos light novels (não livros japoneses, LN de fato) temos disponíveis no Brasil. Demoraria um tempo para essas pessoas terem acesso e lerem vários primeiros volumes até perceberem que vários deles cometem aquela mesma “gafe” de uma forma ou outra.
O “perigo” disso seria o “desapontamento”. Muita gente por aí pede os light novels dos animes de sucesso – Re:Zero (que acabou de ser licenciado), Monogatari, Sword Art Online e vários outros –, partindo do princípio de que se o anime é bom, o original deve ser melhor. Só que se você é um desses que não curtiu aquelas repetições, você pode não gostar nenhum pouco dos originais que são LN.
Sim, porque os light novels em geral são sempre repetitivos, há uma variação e estilo pessoal, claro, mas a grande parte deles usam essa ferramenta da repetição por um motivo básico: LNs são feitos para serem lidos casualmente. A propaganda é que você consegue lê-los no trem, no ônibus, nos intervalos do seu dia a dia. Veja que é diferente da concepção de se ler um livro. Qual seria o ambiente para se ler um grande romance? Pessoalmente busco um lugar silencioso, sem nada para me interromper, num local confortável, onde toda a minha atenção estará 100% voltada para as páginas; raramente é intenção do autor ficar mastigando as informações para o leitor.
Entretanto, esse não seria o ambiente em mente do light novel, num trem/ônibus sua atenção está dividida, há grande barulho à sua volta, você tem que parar no meio em certos momentos, tem que prestar atenção no seu entorno, há todo um desconforto… Sem contar a leitura fragmentada! Como essas características interferem na sua experiência com a leitura? Já tentou ler e ser interrompido constantemente por alguém? Toda vez que você volta a ler, não sente aquela confusão do tipo “onde estava mesmo?” ou acaba relendo desde o início da página de novo para se situar? Ou naquelas situações que o barulho à sua volta é tão grande que você lê, mas parece que não dá para assimilar ou que você apenas leu, mas não compreendeu?
Para permitir uma leitura “casual”, os light novels utilizam de dois grandes recursos: a linguagem e parágrafos simples, com muito diálogo, e a repetição de informações e recapitulações. Em momento algum ao se ler um LN você deveria se perguntar “o que era ____ mesmo?”. Não importa quantas vezes apareça, o tempo todo ele te relembrará quem é fulano, o que é aquele local, aquela arma, aquele poder, aquela criatura, aquela coisa.
Peguemos um exemplo, lendo No Game No Life, o autor o tempo todo repete as “regras” do deus, repete que são irmãos NEETs e Hikikomoris, repete suas características, suas idades, repete que Steph é da realeza, repete os rankings e nome das raças, repete a relação que tem entre eles… A repetição acontece de forma direta pelo narrador e de forma indireta pelos diálogos, em forma de piada ou apenas descrições mesmo. Cada vez que entra um personagem novo, o autor consegue redescrever e reexplicar toda a história, usando até o próprio diálogo de apresentação. Sinceramente, não aguento mais ler que Sora é virgem, já entendi, senhor autor!
Por mais enlouquecedor que seja isso, é o autor que não sabe escrever ou a história que é ruim? A resposta seria não necessariamente. Se você acha tudo isso intolerável, na verdade a mídia, o formato da obra, te impossibilita de aproveitar e talvez até ter uma opinião da obra em si, das ideias, da criatividade, das sacadas, etc. Aquilo acaba “ficando no caminho” da sua experiência. Talvez até você ame o anime de No Game No Life, mas não consiga suportar o light novel.
De fato, é difícil de separar às vezes, mas pegue outras grandes franquia de exemplo: Você gosta de Star Wars (Guerra nas Estrelas), isso significa que gosta automaticamente dos livros? Que gosta da animação da história? Que gosta dos jogos e games? Que gosta dos spinoffs? Não é nem um pouco incomum que amemos muito um certo “conteúdo” ou “conceito de obra”, mas apenas através de uma das mídias. Particularmente amo Ilíada, mas nunca consegui terminar o livro original, a forma como foi escrito me incomoda imensamente e chega uma hora que caio no sono. Embora nunca tenha de fato lido o livro integralmente, sei o conteúdo do livro de forma íntima através de recontagem e livros de discussão do conteúdo. Ou seja, amo a história de Ilíada, odeio o formato original dela.
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Embora repetições sejam uma ferramenta típica de light novels, como comentamos existe muita repetição que nasce da necessidade de recapitular, como nos animes e mangás, nascidos principalmente da forma de lançamento ou espaçamento entre capítulos.
Peguemos Log Horizon, embora no Brasil seja lançado direto como volumes, no Japão é um webnovel que depois é publicado como light novel, o autor lança online os capítulos numa periodicidade maluca e depois revisa, transforma em capítulos menores ou maiores e lança em volumes. De fato, foram lançados 10 volumes, enquanto na internet ele está finalizando o 13. Se você tem curiosidade, dá para ver os capítulos onlines aqui. Note as datas que ele disponibilizou as coisas. Nos capítulos mais próximos você deve encontrar menos recapitulações, mas naquele feito um ano depois… Vixe…
Em Another também vemos isso ocorrendo, aqui a série foi serializada na revista Yasai Jidai da Kadokawa de forma intermitente durante três anos. Não raras vezes, o narrador rememora acontecimentos de dois, três capítulos antes, como quando ocorre alguma morte ou alguma revelação. A repetição de informações, assim como em Log Horizon, acontece devido à forma que foi produzida, mesmo não sendo uma LN. No fundo são mais ou menos as mesmas repetições com objetivos similares, mas nascidas de necessidades um pouco diferentes.
Em livros (não LN típicas) que não foram serializados, mas lançados direto em formato de volume, como Number Six (No.6), a série K, Fate/Zero e Battle Royale, isso tende a não acontecer e acaba lembrando mais os romances ocidentais que você está acostumado, exatamente por não haver a necessidade de relembrar o leitor sobre algo que teria lido semanas, às vezes meses, atrás.
Se você foi atento deve ter notado a inclusão de Fate e K ali, que são light novels. Nesses dois casos é uma questão de opção e preferência do autor, são LNs mais sérias. Isso é tão verdade que a reedição de Fate, que é lançada aqui no Brasil, teve todas as imagens internas e ilustrações de cenas tiradas (no Japão também, viu?). Virando um livro mesmo como qualquer outro, pessoalmente resisto a aceitá-lo como LN, rs.
Outro autor que geralmente também é mais sério é o NisiOisiN, autor dos light novels de Death Note (lançados pela JBC, que confesso nunca li) e de Monogatari. Autores como ele acabam fazendo misturas entre a seriedade de uma novel e a leveza e ferramentas dos light novels. No fundo não há uma regra, claro, então você pode encontrar todo tipo de light novel com cara de livro, livro com jeito de LN e os mais diversos estilos próprios do autor.
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Isso é algo a se pensar, não só envolvendo LNs, mas mangás, animes, filmes, outras animações e quadrinhos, outros tipos de livros e prosas. E é algo a se considerar ao se deparar pela primeira vez com um certo “formato”, dar uma pesquisada e descobrir por que alguém decidiu dar um nome diferente para aquilo. Ou você pode acabar numa situação em que estaria criticando uma poesia por ter rima e métrica, ignorante de que isso é parte de sua definição.
Por outro lado, assim como é possível caracterizar rimas como pobres ou ricas, além de diferentes métricas na poesia, repetições também terão uma enorme variedade de tipos. Acho super válido discutir o tipo de repetição, de julgar o autor pela forma que trabalha aquilo, se são repetições inteligentes e bem-feitas ou algo artificial que interrompe a leitura. Uma discussão dessa seria super válida e até interessante, mas é bem diferente de simplesmente dizer “não gostei, repetitivo demais”, que é o que mais leio em comentários.
Se você não gosta dessas repetições, sugiro dar uma pesquisada antes de comprar e atentar a três coisas: 1. Se é de fato um light novel; 2. Qual o estilo do autor; e 3. Como e se foi serializado. É claro que isso não será infalível, a única forma de se ter certeza mesmo é lendo, mas já te ajuda pelo menos a escolher entre opções diferentes.
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No mais, é claro que é perfeitamente aceitável discutir e debater se essas ferramentas de light novels são necessárias, se as repetições de recapitulação são necessárias. Não quando discutimos sobre uma obra, mas discutindo sobre toda a mídia em si. Por exemplo, as recapitulações no começo dos animes são úteis quando são exibidos semanalmente. Mas quando saem em DVDs ou vão parar em sites como Netflix, será que não deveriam ser editados? Isso já acontece com várias séries em alguns meios, já em outras não.
A mesma ideia valeria para mangás, novels e light novels serializados. Há inclusive autores que fazem isso, a Shinohara Chie, autora de shoujos e joseis, sempre rearranja e destrói os capítulos, tirando e adicionando páginas de forma que do início ao fim do volume não há nenhum intervalo ou quebra na leitura. O próprio autor de Log Horizon também rearranja os capítulos e quem sabe até alivie ou altere alguma recapitulação, aqui só comparando os dois para saber, rs!
Ou seja, é perfeitamente possível se preparar um material e se adequar a um novo veículo ou mídia. Não haveria problema algum em debater isso. Não é porque quase todos os mangás ficam com essas repetições que não se pode criticar sua existência. O problema, na minha opinião, é quando isso deixa de ser uma crítica ao formato em si e passa a ser uma crítica àquela obra em específico, como se fosse algo exclusivo daquele autor.
E sinceramente, acho ainda mais absurdo quando o comentário continua dizendo que as editoras brasileiras deviam dar um jeito nisso. Começo a achar que vários leitores não querem mesmo ler os originais, mas recontagens das histórias, igual aqueles “clássicos para crianças”. E se prefere recontagem, no fundo vários mangás e animes são exatamente isso. Se não gostou do original, fique com as adaptações, agora querer que as editoras sumam com a repetição e recapitulação… O que você estaria pedindo? Que a editora corte fora vários segmentos da história? Se fosse nos mangás já ia ter barraco por terem “mudado a intenção original do autor” ou “censurado páginas”, mas aparentemente nos LNs pode, rs!
Por último, vale a pena comentar e frisar que por “repetição” não estamos nos referindo à repetição de palavras num parágrafo ou página (que é um erro textual), mas na repetição de informações e recapitulações durante a história, na incessante quantidade de definições e informações repetidas para o leitor.
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Você é um desses que não suporta esse tipo de repetição? Qual a obra que você encontrou com a maior quantidade desse tipo de coisa? 🙂
Adorei essa matéria! Nossa, como eu iria odiar ler uma light novel, não fazia ideia! Eu leio todo tipo de livros em todo tipo de ambientes – ônibus, salas de aula, com música ou barulho ambiente – e raramente me desconcentro ou tenho que reler porque não lembro de algo ou porque não consegui absorver a leitura. Finalmente entendi o que é uma light novel! Ainda bem que li essa matéria antes de comprar alguma. Obrigado!
Eu comecei a ler uma LN pela primeira vez a um tempo atrás e ela tem essas repetições. Isso não me incomodou nem um pouco. Na verdade, acho que todas as repetições que eu vi eram necessárias, pois eram detalhes fáceis de esquecer e viviam-se alterando.
Gostei bastante do post. Eu não sabia muito sobre LN e agora tenho uma boa ideia do que esperar desse formato de mídia.
Lendo NGNL e Another a repetição não me incomodou, na verdade eu nem percebi. Mas provavelmente se tivesse notado, eu não iria gostar, pelo exemplo dado, o recurso é usado tantas vezes que começa a ficar chato.
Li o título da matéria pensando em uma coisa e na verdade era outra xD Eu pensei que você ia falar sobre “temas” repetitivos ou algo assim.
Sobre essa repetição a que você se refere, não é algo que me incomode. Por eu já estar lendo muita coisa no momento, é comum eu demorar pra ler o volume seguinte de alguma light novel (eu vou comprando e vai só acumulando aqui), às vezes até o meu intervalo entre a leitura de um capítulo e outro é grande, então essas repetições até me ajudam.
A única coisa que me causa um incômodo é que, em todas essas light novels que se passam em mundos virtuais, jogos de rpg e etc, o início é 90% igual. Ou seja, o tema de mundos virtuais já é repetitivo, e com o início também repetitivo só faz eu ler meio que pulando a história no início 😛
Escreve uma matéria sobre a periodicidade dos mangás/novels em outros países.