Desmistificando: Por que quase não vemos spinoffs no Brasil?

Madoka

Haveria uma razão?

Nesse domingo passado, dia 27 de novembro, a franquia de Code Geass completou 10 anos. Para quem não conhece, Code Geass foi um anime da Sunrise que ganhou muita popularidade na época e deu vida a diversos spinoffs de todos os tipos. A série misturava elementos de ação e mecha (aqueles robozões pilotáveis), com elementos da vida escolar e romance, fora os questionamentos éticos e morais envolvendo a monarquia e a rebelião popular. Outro chamativo foi o fato de ter o grupo CLAMP como character designer (pessoa responsável pela criação do design dos personagens), assim como já aconteceu em Blood-C. Foi realmente uma série bem famosa e que continuou a ser explorada de tempos em tempos. Ao todo foram 8 mangás, 2 coletâneas, 2 artbooks, 3 light novels, sem contar as duas temporadas do anime, peças teatrais e musicais, além dos CD dramas. Em breve, inclusive, já está prometida uma nova leva de obras.

Por aqui, os mangás de Code Geass vieram em 2011 (5 anos após a sua estreia), pela editora JBC. Foram ao todo 3 obras diferentes: O Pesadelo de Nunnaly, A Rebelião de Lelouch e O Contra-ataque de Suzaku. Na época a chegada de não uma, mas três obras da série foi uma enorme surpresa, até mesmo hoje a vinda de vários spinoffs de vez de uma mesma franquia não é comum. As editoras tendem a trazer apenas as obras principais, as continuações e spinoffs são exceções. É claro que isso tem mudado um pouco com algumas séries, mas no total as maiores franquias no Brasil variam de 5 a 9 obras (contando databooks e light novels) um valor pequeno se compararmos às enormes franquias japonesas de mais de 15 spinoffs só de mangás. Até mesmo no caso de Code Geass, dos 8 mangás, apenas 3 chegaram ao Brasil.

É compreensível por que as coletâneas (ou anthologies) não apareçam por aqui, essas obras são na verdade satíricas. São coletâneas de histórias feitas por diversos autores explorando e brincando com a franquia, desde a exploração de fetiches e casais, até a gozação escrachada de situações e personagens. Não diferem em quase nada dos fanfics, doujinshis e fanarts, tirando que são oficiais e passam por aprovações de editores. Esse tipo de obra é carregada de piadas e gozações que necessitam de um conhecimento extenso da franquia e da cultura japonesa, fora que são recheadas com comédia japonesa, que nem sempre tem graça para um brasileiro. De fato, esse tipo de obra dificilmente chega no Ocidente, mesmo considerando Estados Unidos e França.

fate-zero

Por outro lado, nesses dois outros países vemos a exploração intensa das franquias e seus spinoffs, com direito até a artbooks e guidebooks. Quais seriam as diferenças entre esses dois mercados que causariam isso? Para entendermos essa problemática, vamos começar pensando um pouco em termos de vendas e potencial.

Imagine que você licenciou o mangá principal de uma certa franquia, como, por exemplo, Fate/stay night e as vendas foram de 8 mil volumes. Não seria absurdo pensarmos que se eu trouxer Fate/Zero, ele deve vender por volta dessa mesma quantidade, talvez mais ou menos a depender do sucesso do anime. Agora imagine que você esteja pensando em trazer algum spinoff da franquia que não teve um anime. Sem um anime próprio, nossos consumidores em potencial seriam os fã de Fate/Zero e stay night, sendo que não são todos que tem interesse nessas histórias alternativas. Sendo assim, nós esperamos uma venda consideravelmente menor que as obras principais.

Logo, só valeria a pena investirmos nos spinoffs se a venda da obra principal fosse muito boa e acima da média para ser viável economicamente. Considere também que, como empresa, você tem um número determinado de obras lançadas ao mês e esse spinoff irá ocupar uma dessas posições. Vendo por esse lado o spinoff pode ser uma venda de certa forma garantida (já que usamos as obras já lançadas da franquia para ter uma ideia), mas ao mesmo é uma publicação sem potencial de “best seller”.

blood tha last vampireComo assim potencial? Quais as chances de um spinoff baseado em outras histórias da franquia vender absurdamente mais que essas primeiras? Em que mundo Puella Magi Kazumi Magica venderia o dobro que Puella Magi Madoka Magica? É claro que há sim situações em que a história posterior é muito mais famosa, caso típico é Blood e Blood+, as sagas posteriores baseadas no filme e mangá original ganharam toda uma força nova e até hoje dão frutos.

A escolha de ocupar esse espaço com um spinoff é uma escolha mais segura e garantida, mas sem grandes potenciais. Por outro lado, lançar um mangá de uma franquia nova pode ser um estouro absurdo de vendas que ultrapassa toda a outra franquia. Essa lógica para spinoffs e suas franquia funciona também para os relançamentos (quando feito pela mesma empresa). A JBC sabe muito bem quanto vendeu Inu-Yasha, ela tem ideia do potencial de vendas da obra, mesmo com seus 56 volumes. Por outro lado, ninguém tem a menor ideia do potencial de JoJo. O que seria melhor? Arriscar em algo novo e dar a sorte de achar uma mina de ouro ou de quebrar a cara em prejuízos? Ou lançar aquela franquia que você já conhece e sabe que vai vender uma quantidade legal?

Só que isso não explica por que as editoras brasileiras não arriscam tanto em spinoffs (tirando algumas exceções clássicas) e preferem apostar em séries novas, enquanto em outros países há uma maior aposta considerável nas franquias. Aqui entra provavelmente o tamanho dos mercados.

Já comentei em outro post como o número de lançamentos mensais no Brasil e Estados Unidos não são assim tão diferentes. Mas isso não fala nada sobre a quantidade de consumidores desses dois mercados. A quantidade de lançamentos mensais está mais direcionado com a quantidade de editoras e de limitações monetárias dos clientes (quanto eles conseguem comprar ao mesmo tempo). Assim você pode ter 20 mangás sendo lançados nos EUA que são comprados por 80 mil americanos e 20 no Brasil que são comprados por 8 mil brasileiros (números absolutamente fictícios). Os dois acabam tendo uma limitação semelhante, neste exemplo, ambos conseguem consumir no máximo 20 mangás ao mesmo tempo. É claro que nada é tão simples assim e você vai ter vários perfis de leitores que compram diferentes quantidades e diferentes séries. Mas o ponto aqui é que, independente da quantidade mensal lançada, é indiscutível que a quantidade de consumidores nos EUA e na França (até Itália), é maior que a brasileira.

Isso significa que a margem entre as maiores tiragens e as tiragens mínimas é muito grande. Imagine que realmente Fairy Tail tenha vendido 80 mil volumes nos EUA e que a tiragem mínima é de 5 mil volumes. Mesmo que o spinoff vendesse metade do original, 40 mil é um valor muito bom, ainda mais considerando que não há quase risco nenhum. Agora imagine o caso brasileiro, em que o original tenha vendido 8 mil e a tiragem mínima seja de 5 mil também. Vender metade é um mal negócio, aqui não é tão garantido assim, há um risco muito maior. A única vantagem de trazer spinoffs, com seu público garantido, seria exatamente o menor risco, mas tão próximo da linha mínima de vendas, essa opção é tão arriscada quanto lançar algo novo e sem a chance de ser um estouro de vendas.

Será que esse o problema? Seria esse o motivo principal que causa essa grande diferença nas estratégias das editoras? Se for esse o caso, os spinoffs seriam então indicativos de vendas muito acima do normal, especialmente quando eles vêm espaçados, como é o caso das franquias de Cavaleiros do Zodíaco, Madoka e Blood. Quando os spinoffs e a obra principal vem uma atrás da outra, isso pode indicar que a empresa adquiriu todos eles ao mesmo tempo e não que tenham vindo fruto de boas vendas, como é o caso de Code Geass, cuja franquia foi abandonada completamente, e Tiger & Bunny, que foi parar no freezer logo de cara sem nem ser concluído.

Code geass o contra ataque de suzaku 01Vale a pena comentar que você deve esperar uma queda em relação às vendas de cada spinoff, afinal o público começa a cansar daquilo. Até quando será que a franquia de Puella Magi Madoka Magica continuará valendo a pena para a NewPOP? Por outro lado, há eventos e novos lançamentos que podem reviver a “febre” por aquilo, como os live-action de Rurouni Kenshin (Samurai X), o novo anime de Sailor Moon e filmes de Madoka.

Seja pelo público consumidor limitado ou pela preferência em apostar no incerto que promete, o que vemos é um grande abandono das franquias e extrema carência de light novels, artbooks, databooks, guidebooks e spinoffs, sem contar a falta de relançamentos. Quem sabe com o desenvolvimento do mercado essa realidade não mude? Há quem defenda que já estamos testemunhando tais mudanças, especialmente com os relançamentos da JBC e novas apostas em franquias de sucesso.

Por outro lado, é claro, temos que sempre manter em mente que se as editoras passarem a trabalhar apenas com franquias de sucesso absurdo, voltaremos a uma realidade de extrema carência de obras inéditas. Balancear os dois e como o fazer é o grande X da questão, afinal, não dá para publicar todas as publicações japonesas no Brasil, filtrar o que vem e o que não vem acaba sendo o principal trabalho das editoras, seu ganha-pão depende disso. Aos leitores e fãs fica a responsabilidade de sugerir e indicar, sempre na esperança de fazer a diferença e conseguir a publicação por aqui.


E esse foi o Desmistificando de hoje, a coluna semanal, lançada nas quintas-feiras, sobre o mercado e mangás brasileiros e internacionais. Você pode ver todas as outras postagens anteriores desta coluna aqui. Se você tem sugestões ou comentários utilize o formulário abaixo, são sempre bem-vindos! 🙂

1 Comment

  • Excelente texto! Já entrei no seu blog antes, porém essa é
    a primeira vez que deixo um comentário. Coloquei teu site nos favoritos para que eu não perca nenhuma atualização.
    Nos falamos em breve, abraço!

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